15 de janeiro de 2011

Novo Jornal de Estudos Antropológicos

ISSN 2044-9216


Entre dois mundos

Várias vezes antropologistas testemunham rituais de Espíritos, e várias vezes exegetas indígenas tentam explicar que os Espíritos estão presentes...Mas, antropologistas resolvem sempre interpretar tudo de forma diferente. Nós, antropologistas, precisamos treinamento para ver o que os Nativos vêem.
Edith Turner (1993). "The reality of Spirits: A Tabooed or Permitted Field of Study?" Anthropology of Consciousness 4(1): 9-12.

No que segue abaixo, o que está em azul são textos de J. Hunter que comento mais abaixo.
 

Por J. Hunter (Universidade de Bristol, UK)

Bem vindos à primeira edição de 'Paranthropoloy: Journal of Anthopological Approaches to the Paranormal". Essa jornal tem como objetivo básico fornecer uma plataforma para a disseminação de novas pesquisas e idéias concernentes à abordagens antropológicas para o estudo de crenças paranormais, associadas à prática ou aos fenômenos. Embora a ênfase do jornal seja uma abordagem antropológica, ele também se ramificará em outras disciplinas - psicologia, parapsicologia, sociologia, folclore, história - como um meio de explorar a maneira como tais metodologias teóricas lançam luz sobre o paranormal.

Antropologia e Paranormal: qual é a questão? 

Há muitas razões para uma abordagem antropológica como estudo do paranormal. Não só a antropologia fornece uma metodologia promissora para a elucidação e compreensão do paranormal, como também o paranormal se apresenta como um aportunidade para que teorias e técnicas antropológicas sejam testadas e expandidas. 


Andrew Lang

A idéia que métodos antropológicos sejam apropriados para o estudo de fenômenos paranormais não é nova. Escrevendo ainda no Século 19, o acadêmico escocês Andrew Lang (1844-1912), apresentou o método antropológico aos membros da Sociedade de Pesquisa Psíquica (SPR). Lang achou incrível que a SPR tenha, por qualquer razão, se recusado a comentar sobre experiências psíquicas na literatura antropológica e, semelhantemente, que a antropologia da época estivesse super interessada no tipo de pesquisa feita pela SPR. Lang (1996) expressou a opinião que ambos os conjuntos de dados (antropológicos e psíquicos) seriam melhor compreendidos se fizessem referência mútua, ao invés de serem tomados como eventos separados e descorrelacionados.

Métodos antropológicos, em particular participação etnográfica, podem resultar em uma compreensão aprimorada dos mecanismos sociais, psicológicos e espirituais que envolvem as manifestações do paranormal, fatores que podem adicionar uma compreensão mais profunda do tipo de fenômenos estudados por parapsicológos. A pesquisa parapsicológica tende a assumir que efeitos paranormais só podem ser replicados no laboratório sem consideração à maneira como tais efeitos tem sido tradicionalmente produzidos. De fato, Frederic Myers, um dos fundadores da SPR, afirmou que um dos objetivos da pesquisa psíquicas seria o estudo de fenômenos psíquicos ostensivos sem uma...
...análise da tradição, ou sem qualquer manipulação metafísica, mas simplesmente experimentação e observação - pela simples aplicação aos fenômenos dentro de nós e ao redor de nós, dos métodos de pesquisa exata, deliberada e desapaixonadamente, que serviram de base para o conhecimento do mundo que podemos ver e tocar."  (citado por Gauld, 1983, xi)
Tal abordagem altamente racional, positivista e empírica tornou-se a pedra fundamental da parapsicologia moderna e deve, possivelmente, explicar as evidências relativamente inexpressivas que essa disciplina tem conseguido se comparada aos fenômenos extravagantes registrados na literatura etnográfica: é simplesmente um abordagem que desconsidera a tradição mágica. De Martino (1972), por exemplo, lista um número grande de fenômenos paranormais ostensivos (clarividência, precognição, experiências fora do corpo, psicocinese, fire-walkings etc) testemunhados por etnógrafos em partes diferentes do mundo, e compara o jeito com que etnógrafos registra tais ocorrências (i. e., dentro de um contexto particular histórico, social, cultura, mitológico e cosmológico) com o jeito como parapsicólogos  fazem o mesmo. Assim ele escreve sobre a parapsicologia:
Ocorre um quase que total redução do estímulo histórico que está em ação nas ocorrências espontâneas de tais fenômenos. Assim, no laboratório, o drama do homem desencarnado (dying man) que reaparece... para um parente ou amigo - é substituido (reduzido) a um experimento de repetição - tenta-se transmitir à mente do sujeito a imagem de uma carta de baralho escolhida aleatoriamente. (1973, p. 46)
A proposta do jornal de Parantropologia é inovadora para a nossa época e parte da necessidade de se avaliar a quantidade enorme de evidências etnográficas e históricas para fenômenos psíquicos. De fato, poderíamos dizer que a verdadeira pesquisa psíquica deve se iniciar com a antropologia e não na proposta de laboratórios de parapsicologia. Por que? Porque a Antropologia procura modelos para o fenômeno humano (tanto moderno como primitivo) sem eliminar nada deles que lhes seja característico. Embora esses fenômenos sejam interpretados dentro de concepções restritas que eliminam o transcendente, a proposta da Paranthropology é justamente iniciar ou propor modelos antropológicos onde a existência do transcendente não possa ser descartada.

O horror à idéia da sobrevivência e as concepções espiritualistas fez surgir a pesquisa parapapsicológica com proposta  supostamente científica e certamente fechada às observações que ocorram fora dos recintos de laboratórios (veja a citação de F. Myers acima). Essa decisão foi tomada sem prestar atenção ao fato de que existem fenômenos naturais que não podem ser reproduzidos em laboratório, ou mesmo que a exigência de repetibilidade em laboratórias torna restritiva as condições de ocorrência, ou seja, resultam em interferências destrutivas no fenômeno.

Há uma crença generalizada de que só existe ciência se os fenômenos puderem ser repetidos em laboratório. A constatação de De Martino, embora interpretada como uma observação quanto à eliminação de estímulos históricos, reflete a eliminação de quase todos os estímulos possíveis necessários para as ocorrências psíquicas. A que se reduz então os testes parapsicológicos 'rigorosos'? A medidas de coincidência de leitura de carta por 'sujets' ou outros sinais gerados por computador, ou por fontes radioativas. Com isso, espera-se medir correlações que lançem luz à existência de precognição ou retrocognição, sem se postular nenhum mecanismo para que isso ocorra, a menos da existência de Super Psi, ou a existência de indivíduos dotados de percepção quase que onisciente (tanto no espaço como no tempo). O Super psi nasce como uma explicação naturalmente fora do escopo de qualquer teste, já que ele, por definição, associa à mente determinadas características que tornam muito difícil a 'contra prova' ou o processo do 'falsificacionismo' no sentido proposto pelo Filósofo Karl Popper. Em outras palavras, ao se assumir Super Spsi fica muito difícil a proposição de uma observação onde Super Psi possa ser 'falsificado' ou demonstrado como não existente. Logo, as teorias de Super Psi são suspeitas do ponto de vista epistemológico.

Mas Super psi tornou-se um mecanismo de crença de céticos moderados que, não aceitando a idéia da sobrevivência, não podem deixar de aceitar a existência dos fenômenos. Ai entra a necessidade de estudos Antropológicos que podem:
  • Lançar luz quanto a condições de ocorrência de fenômenos psíquicos;
  • Chamar a atenção para a grande coincidência de narrações - ou seja, explicações que os antigos e outro povos davam ao fenômeno do mediunismo e suas manifestações, atentando para a grande coerência entre tais descrições;
  • Ajudar a classificar fenômenos e lançar luz quanto as verdadeiras fontes ou origens desse fenômenos.
  • Pode-se obsevar, através da antropologia, a supressão ou aumento das ocorrências mediúnicas, conforme se eliminem ou aumente os 'estimulos históricos' ou outras condições a serem determinadas no momento da ocorrência psíquica.
Finalmente, Hunter chama a atenção para uma corrente de antropólogos modernos que adota uma postura diferente:
Mais recenemente, entretanto, teóricos tem argumentado em favor de tratar tais crenças tal como os nativos o fazem. Edith Turner (1993, 1998, 2006) tem se colocado favorável a essa perspectiva, especialmente em termos de interpretar a crença na existência e atuação dos Espíritos no campo. Outros antropologistas tem também considerado os Espíritos seriamente, mesmo que não no nível ontológico real: por exemplo, Nils Bubandt (2009) explorou a atuação política de Espíritos que se comunicam com médiums 'possuídos' em Norte Maluku - tratando-os como metodologicamente reais. Aqui vemos a noção antropológica da ação consciente expandida para incluir outras formas de personalidade.
Por que isso é importante? Porque não é possível fazer avançar o conhecimento antropológico ao se desconsiderar a opinião dos nativos tais como elas se apresentem. Esperamos, assim, que uma nova era no conhecimento da verdadeira natureza do Homem se inicia a partir da adoção dessa postura mais aberta.

Referências
  • Bubandt, N. (2009). “Interview with an Ancestor: Spirits as Informants and the Politics of Spirit Possession in North Maluku.” Ethnography 10(3): 291-316.
  • De Martino, E. (1972). “Magic: Primitive and Modern”. London: Tom Stacey Ltd.
  • Lang, A. (1896). “Cock Lane and Common Sense.” London: Green & Co.
  • Turner, E. (1993). “The Reality of Spirits: A Tabooed or Permitted Field of Study?” Anthropology of Consciousness 4(1): 9-12.
  • Turner, E. (1998). “Experiencing Ritual”. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
  • Turner, E. (2006). “Advances in the Study of Spirit Experience: Drawing Together Many Threads.” Anthropology of Consciousness 17(2): 33-61.

9 de janeiro de 2011

Crenças Céticas X - Positivismo lógico e indutivismo: as duas bases do ceticismo dogmático.


"Acho que o mais importante defeito dele... era que quase tudo nele era falso." (A. J. Ayer, principal defensor do Positivismo lógico na Inglaterra, sobre o Positivismo lógico).

Muita gente acha que filosofia é perda de tempo, um conhecimento que serve a 'gente metida' ou intelectuais com pouco senso prático. Na verdade, todas as nossas ações e decisões se baseiam em motivações interiores que, muitas vezes, são derivadas de crenças e suposições que são objeto de estudo da filosofia.  Uma vez que tomamos contato com as várias doutrinas filosóficas que existem, podemos compreender melhor porque as pessoas agem de determinada maneira, e até mesmo, prever seu comportamento.

Esse é o caso do pseudoceticismo ou ceticismo dogmático que tem sido objeto de nossas análises aqui.  Podemos nos perguntar: quais são os seus fundamentos filosóficos? A resposta não pode ser outra: o positivismo lógico e o indutivismo ingênuo.

Os positivistas lógicos descrevem o mundo como derivado dos sentidos. Para eles só há sentido em estudar aquilo que esteja diretamente acessível aos sentidos humanos, fornecendo uma visão de mundo essencialmente fundamentada no 'empirismo'. Acreditamos que o positivismo lógico foi uma resposta ao excesso de cuidados com conceitos e ideias que não tem suporte empírico, mais particularmente contra aqueles objetos da teologia dogmática. Historicamente, sabemos que o positivismo lógico (nascido no assim denominado 'círculo de Viena' na década de 1920) foi uma resposta à filosofia de Hegel. 

Um positivista lógico acredita que evidência observacional é indispensável para uma descrição correta do mundo. Na verdade, ele vai mais além e só acredita naquilo em que se possa fornecer uma evidência empírica. Portanto, a descrição positivista do mundo é uma descrição necessariamente pública que despreza entidades que não sejam publicamente acessíveis.

Essa visão positivista tem reflexo imediato nas decisões de investimentos de pesquisa. Uma vez que recursos são escassos, é razoável que o modo 'positivista' de ver o mundo tenha maior influência, já que ele acaba por significar risco menor ao investimento. Parece ser muito menos arriscado investir dinheiro em pesquisas sobre objetos que sejam diretamente acessíveis aos sentidos (que se pode ver, tocar, ouvir ou perceber) do que com aqueles que não são. 

Hoje em dia, o positivismo lógico originalmente criado no círculo de Viena não é mais defensável. A física moderna, a genética e outros ramos da Ciência demonstraram que, para que teorias científicas tenham sucesso, é preciso postular a existência de entidades que não são diretamente acessíveis aos sentidos. Se tais entidades existem ou não é outro problema, bem mais complexo, que o leitor pode aprender buscando por  textos sobre o 'realismo científico'. Por isso, o positivismo se transformou, e antes o que era tomado como 'necessidade de evidência dos sentidos' é hoje substituído por 'evidências empíricas' dentro do chamado 'método científico'. 


No desenvolvimento e justificação desse método, os neopositivista são guiados pelo indutivismo, que se tornou outro fundamento para o ceticismo dogmático. Por 'indutivismo' queremos dizer uma postura filosófica que aceita que o conhecimento pode ser gerado a partir do amontoado de evidências ou observações de fatos singulares. Acredita-se que conhecimento científico genuíno e altamente confiável possa ser criado a partir da observação de um número finito de fatos, desprezando-se o papel que teorias têm na orientação e condução de experimentos ou proposição de observação de fatos. Para o indutivista, as teorias são, na verdade, o resultado do processo de fazer ciência e não tem outro papel a desempenhar. Embora tal postura já tenha sido conclusivamente rejeitada, ela tem grande influência na maneira como o processo de se fazer ciência é defendido popularmente, embora seja duvidoso que tenha qualquer influencia na maneira como Ciência de qualidade é gerada. 

Analisemos, por exemplo, a frase abaixo, traduzida de seu original em inglês. Essa frase foi tirada da 'rationalwiki' um site semelhante à enciclopédia wiki mas que se auto intitula 'racional':

Em geral, fenômenos paranormais colocam-se fora do que seria normalmente esperado ocorrer no mundo real. Além disso, tais fenômenos não podem ser reproduzidos sob condições controladas e, portanto, não podem ser investigados pelo método científico. Por essa razão, eles são classificados como pseudociência. (em http://rationalwiki.org/wiki/Paranormal)

Por que a ênfase na reprodutibilidade e controle? Porque o indutivista acredita que o processo de indução só funciona sob determinadas condições, a mais importante delas é a necessidade de um grande número de observações


Vejamos um exemplo:

Bares noturnos são lugares ideais para se comprovar a tese de que muitos brasileiros são bêbados.

Suponhamos que alguém todas as sextas-feiras, em determinado horário à noite visitasse grande quantidade de bares ou casas noturnas em uma grande metrópole no Brasil e verificasse a presença de pessoas embriagadas. Ele então visitaria outras capitais, sempre à noite, aos sábados e verificaria ainda mais pessoas embriagadas. De acordo com o processo indutivista de fazer ciência, seria autorizado a esse pesquisador enunciar a lei:

"Os brasileiros são bêbados em geral".

Note que, para que a afirmação tenha valor, não é suficiente observar um grupo pequeno de brasileiros se embriagando, mas muitos, talvez milhares, o que é facilmente atingido ampliando a 'base de dados' ou pesquisa de campo. 

Além disso, faz parte da crença indutivista pensar que os dados ou os fatos contem em si tudo o que é necessário para se chegar ao enunciado final ou teoria. Assim, de acordo com tal princípio de 'objetivação dos fatos', o pesquisador não pode fazer qualquer consideração adicional (como, por exemplo, sobre as razões para pessoas beberem em bares à noite) sob pena de ser acusado de parcialidade ou de ser 'tendencioso' em sua pesquisa.

Por que essas considerações são importantes? Porque na defesa de explicações para a fenomenologia dos chamados 'eventos paranormais' (quer dizer, fenômenos espíritas), somos constantemente bombardeados com acusações pseudocéticas da necessidade de 'reprodutibilidade' de experimentos. Isso acontece justamente por influência da crença indutivista que, não tendo papel a desempenhar no desenvolvimento da Ciência (como mostram estudos em História) é invocada para invalidar os fatos ou negar o status de ciência a qualquer teoria ou explicação para esses fatos (que transcendam às explicações populares de embuste ou fraude).

Os fenômenos espíritas (a maioria girando em torno das faculdades mediúnicas) são eventos que exigem condições especiais para ocorrência. Tais condições singulares são apreendidas quando a teoria desses fenômenos é compreendida. Somente assim é possível 'desenhar' experimentos que possam ser repetidos até certo ponto. A confirmação de resultados no campo da pesquisa dos fenômenos espíritas é possível, sem a necessidade de um número arbitrário de repetições. Tais confirmações foram feitas no passado e apontam para a excelência das explicações que sustentam a continuidade da existência para além do corpo físico, e postulam a existência de entidades não observáveis de forma muito mais direta que muitas teorias da física ou da biologia o fazem para determinados fenômenos raros e inacessíveis ao laboratório. 

Quanto mais próximos estivermos da verdade com relação às origens e causas desses fenômenos, tanto mais aptos estaremos para reproduzí-los e aproveitá-los de forma coerente e responsável. Isso explica porque, em um ambiente onde prevaleça o ceticismo, a descrença e o deboche dessas ocorrências, elas dificilmente poderão ser observadas e, muito menos, explicadas.

Para saber mais

Sobre o Positivismo Lógico:
Sobre o Indutivismo ingênuo:

Referências
  • Suppe, Frederick, The Positivist Model of Scientific Theories, in: Scientific Inquiry, Robert Klee editor, New York, USA: Oxford University Press, (1999), pp. 16-24.
  • Chalmers, A. F. O que é Ciência, afinal? ed. Brasiliense, 1a edição (1983).