25 de fevereiro de 2012

Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.

Tanto o espírito de um "vivo" como o de um "morto"" são, em si, inobserváveis sensorialmente. Toda evidência de sua existência é indireta, mediante o padrão inteligente exibido por algum meio (comportamento corporal, símbolos diversos)...portanto, os dois casos (o do espírito da pessoa "viva" e o da "morta") são epistemologicamente idênticos. (Chibeni, 2010).

O filósofo Silvio Chibeni recentemente postou uma apresentação sobre a pesquisa científica do espírito que se relaciona com muitos temas que tratamos aqui. Trata-se de um conjunto de slides elucidativos sobre a questão da pesquisa aplicada à realidade do Espírito e sobrevivência. A partir desses slides, complementamos com alguns comentários os 12 empecilhos à pesquisa do Espírito e da sobrevivência que são citados por Chibeni.

Depois de apresentar a fenomenologia associada às substâncias "matéria" e "espírito", Chibeni resume as visões presentes, que se dividem sucintamente entre (Chibeni, 2010):
  1. Materialismo, "só há substâncias materiais"; 
  2. Idealismo, "só há substâncias espirituais"; 
  3. Dualismo, "há dois tipos de substâncias";
  4. Ceticismo, "não podemos determinar isso".
Veja que, aqui, "ceticismo" não se refere ao mesmo conceito que tratamos na série de artigos sobre as "Crenças céticas", mas a uma postura filosófica. O Espiritismo admite abertamente o dualismo e, de acordo com essa visão, podemos listar um conjunto de "obstáculos" para a pesquisa científica do Espírito, entendendo essa pesquisa dentro do estudo científico da sobrevivência e não esse estudo dentro do referencial teórico e experimental das ciências naturais. Há considerável confusão feita entre esses dois conceitos, e o leitor dedicado deve prestar atenção em seus estudos, para não ser confundido também.

Seguem, assim, nossos comentários: 
  1. Considerar a questão metafísica ou "sobrenatural": Esse problema surge por dificuldade em se compreender a viabilidade de estudo científico da questão. Frequentemente, ou se considera o assunto como além do que seria o normal ou verificável (e, portanto, pertencente ao domínio da metafísica), ou, diante de uma visão mística dos fatos, toda a questão é tomada como pertencente ao 'reino do sobrenatural'. Assim sendo, considera-se o assunto de forma alienada da realidade; 
  2. Considerar que o assunto já foi analisado e a conclusão foi negativa: esse é o erro mais comum entre os céticos. É comum também entre os que se satisfazem com uma visão superficial, baseada em supostas pesquisas que não atentam para o rigor e o detalhe que o assunto exige. A respeito disso, vale um comentário de Kardec apresentado abaixo (Nota 1);
  3. Considerar que o que há de importante sobre o espírito já é investigado pela psicologia, etc., dentro de um referencial materialista: isso é uma variante algo mais sofisticada do empecilho anterior. Como uma teoria determina em último grau quais os fatos e ocorrências devem ser considerados, então, ao se assumir o materialismo como arcabouço teórico de investigação, está se restringindo severamente o universo de fatos. A "prova" obtida a favor de determinado ponto de vista simplesmente não é válida; 
  4. Considerar que esse referencial materialista foi "provado" pela ciência. Ciência entendida como 'conhecimento' nada tem a dizer sobre a questão da sobrevivência. Outra coisa bem diferente é a  opinião dos cientistas. Mas essa opinião não constitui ciência, principalmente se ela versa sobre assuntos que não estão diretamente relacionados aos objetos de sua pesquisa científica; 
  5. Tentar "detectar" o espírito por meios diretos: há uma quantidade enorme de pessoas que acreditam que manifestações físicas (efeitos físicos) são 'manifestações espirituais'. Outros dizem que, se o Espírito existe, ele necessariamente deve deixar rastros mensuráveis. Aqui, a falha é na compreensão do objeto de estudo:  a matéria se deixa apreender por determinados tipos de sinais (cores, sons, formas, gostos etc). O Espírito tem pensamento, vontade e sentimentos, todos atributos inacessíveis do ponto de vista sensorial (ver novamente a referência Chibeni, 2010). Não é difícil perceber que a questão não pode também ser decidida apelando-se para uma amplificação no nível de acuidade ou 'precisão' do equipamento;  
  6. Tentar "mensurar" o espírito: uma variante do erro anterior;
  7. Só considerar válida a evidência "reprodutível": aqui temos um ponto para muitas discussões. Mas a essência é muito simples: como os fenômenos dependem de inteligências que são independentes, insistir na reprodutibilidade é condenar o estudo do assunto desde o princípio. A fonte dos fenômenos espirituais necessariamente não pode ser controlada, pois é independente, logo não está sujeita a reprodução; 
  8. Tratar o assunto de forma puramente experimental, sem preocupação com o desenvolvimento de uma teoria que explique os fatos. Esse é um empecilho típico da parapsicologia. Em toda a história,  jamais se fez ciência de verdade sem teorias. Entretanto, alguns pesquisadores das "ciências psi" pretendem resolver a questão tão só apelando-se para o experimento. Para esses pesquisadores, invocar "explicações" tiraria a "neutralidade" e o "rigor" que o tema de pesquisa exige. Entretanto, isso está errado pois 'rigor' nada tem a ver com 'neutralidade' e o desenvolvimento científico normal exige que se proponham experimentos baseados em hipóteses ou teorias que não são, elas próprias, neutras; 
  9. Trabalhar com fragmentos teóricos (hipóteses isoladas). Por outro lado, quando explicações são dadas, elas são produzidas para cada fenômeno e não conseguem dar conta de todos os fatos. Não se procura correlacionar um fenômeno com outro. Fatos psíquicos diferentes, que se manifestam fenomenologicamente de forma diversa, são explicados por hipóteses diferentes ou mesmo totalmente antagônicas entre si;
  10. Adotar enfoque dogmático ou preconceituoso: dogmatismo e preconceito são regras no comportamento humano e não exceções. A compreensível "neutralidade" não deve ser anulada até o ponto em que se adote uma visão claramente radical da questão. Há que se reconhecer que ninguém é dono da verdade;
  11. Misturar ou conivir com o misticismo: de novo, isso ocorre por falha na compreensão do caráter científico do assunto a ser estudado. Para o misticismo, não há necessidade de se envolver a ciência, pois ele se considera uma fonte independente de conhecimento. Trata-se de um obstáculo, pois o misticismo oblitera ou impede essa compreensão científica;
  12. Descuidar do rigor: quando se fala na aplicação de um método (não necessariamente extraído ou importado das ciências ordinárias) há que se tratar do rigor sem o que é impossível chegar a conclusões válidas.  
Tais obstáculos permitem entender porque a pesquisa da questão da sobrevivência encontra-se grosso modo no nível presente, e, também, compreender a necessidade de conduzir esse estudo dentro do arcabouço teórico desenvolvido por Allan Kardec. Por quê? Talvez isso pareça contrariar à suposta 'neutralidade' que seria necessária para um estudo científico. Entretanto, não é possível considerar os fatos sobre os quais discorre o Espiritismo fora do arcabouço teórico que ele determina para colher os seus fatos.

Assim, ao se descuidar de utilizar o referencial teórico criado por Kardec, estamos abrindo brechas para as evidências sejam contaminas por concepções inadequadas ou pressupostos que não levem em conta a teoria por ele desenvolvida. Fica assim muito fácil rejeitar erroneamente a tese espírita, por uma questão de colheita incorreta de fatos que passam a ser descritos em uma ideologia diferente. Para mim, esse é um problema central, embora pouco reconhecido, que caracterizaria um décimo terceiro obstáculo para o estudo científico da sobrevivência e da realidade do espírito. Falaremos mais tarde sobre isso em um futuro post.

Essa apresentação é, assim, um resumo didático que recomendamos fortemente, já que demonstra uma exposição sumária e elucidativa dessas questões.

Referências
Nota 1

“O ceticismo, no tocante à doutrina espírita, quando não resulta de uma oposição sistemática por interesse, origina-se quase sempre do conhecimento incompleto dos fatos, o que não impede que alguns dêem a questão por encerrada, como se a conhecessem a fundo.” (A. Kardec, Artigo 17, Introdução de 'O Livro dos Espíritos')


18 de fevereiro de 2012

Vídeo V - 'Visitantes da outra margem' - Fenômenos de Materializações descritos por Tom Harrison (Inglaterra)

Saul e a vidente de Endor (1 Samuel 6 - 25). Quadro de D. Martynov (1826-1889). 

Primeiro fenômeno de Materialização completa.

Quarta parte do vídeo Visitantes da 'outra margem' com entrevista de Tom Harrision. Nesta parte do vídeo é descrito o primeiro episódio de materialização integral no grupo em torno da médium Minnie Harrison.


Conteúdo (10'21")

00:55 Descrição do primeiro fenômeno de materialização ocorrido no grupo;
08:26 Sr. Jones toma o pulso de uma entidade materializada.

Outros Vídeos

11 de fevereiro de 2012

Muitos mundos, muitas vidas: uma heresia que se torna realidade.

Todo ser aspira, em virtude de sua constituição, ao alvo de sua existência. O homem tende à perfeição intelectual e espiritual! Se o homem é destinado a conhecer o Universo, que eleve seus olhos e seus pensamentos para o céu que o cerca e para os Mundos que voam por cima de si. É um quadro, um espelho em que ele pode contemplar e ler as formas e as leis do bem supremo, o plano e a organização de um perfeito connjunto...Estudar a ordem sublime dos Mundos e dos entes que se reúnem em coro para constar a grandeza de seu Senhor, é a ocupação mais digna de nossas inteligências. (Giordano Bruno, 1591, "De Immenso et Innumerabilibus".)

A época que vivemos é muito especial para a Astronomia. Temos visto notícias fascinantes, sobre a descobertas de novos mundos, novos astros, novas Terras. Em pouco tempo, cresceram as conclusões do mundo científico em direção à realidade de outros planetas fora de nosso sistema solar.

A velocidade com que essa constatação é feita só não é maior do que a expressividade com que ela é confirmada: quantos seriam os planetas fora de nosso sistema solar disponíveis? Até pouquíssimo tempo, havia a esperança de que talvez fossemos capaz de  descobrir alguns planetas parecidos com a Terra no enorme redemoinho de estrelas que constitui a chamada 'Via-Láctea'. Agora, a realidade é bem diferente.

A Via-Láctea (Fig. 1) é um turbilhão composto de aproximadamente 300, quiçá 400, bilhões de estrelas (isso mesmo 'bilhões', o número exato não é conhecido, Nota 1) unidas por uma força coesiva em direção ao seu centro. A dimensão desse sistema é coisa inimaginável: um raio de luz partindo de uma borda levaria cerca de 100 mil anos para chegar a outra borda. Esse mesmo raio de luz viaja a outros inimagináveis valores de velocidade, de forma a atravessar 10 trilhões de quilômetros em 1 ano (o que equivale a 300 mil quilômetros por segundo). As escalas são grandes demais, tudo é inconcebível para a mente humana. Por exemplo, o Sol viajando a impressivos 250 quilômetros por segundo em torno de seu centro leva cerca de 250 milhões de ano para completar uma revolução completa (o chamado 'ano galáctico'). As dimensões da escala galáctica atestam a dificuldade e insignificante probabilidade de conseguirmos detectar diretamente um mundo como nosso orbitando uma estrela desse sistema colossal.

Fig. 1 Concepção artística moderna da Via-Lactéa vista 'do topo'. Um sistema estelar com quase meio trilhão de  estrelas e, agora, quase um trilhão de planetas. O sol localiza-se a 30 mil anos luz do centro no chamado 'braço de Órion'. Crédito da Imagem: R. Hurt, SSC. 
Mas esses não seriam os únicos números colossais que a Astronomia iria revelar sobre a Via-Láctea. Em um artigo recente (Cassan, 2012), um time de astrônomos usando modernas técnicas indiretas de 'microlentes gravitacionais' demonstraram que o número médio de planetas orbitando estrelas na nossa galáxia é estimado como maior que 1, possivelmente 2 (ou mais). Essa quantidade varia conforme o tamanho do planeta (planetas menores que Júpiter seriam mais numerosos). Dado um limiar superior de meio trilhão de estrelas na Via Láctea, há implicações diretas sobre o número total de planetas existentes em toda galáxia: talvez algo próximo a 1 trilhão de planetas! A heresia de Giordano Bruno (Nota 2) se torna realidade. Embora a dificuldade na medida das dimensões de planetas do tamanho da Terra, já  foram descobertos diversos planetas externos (ver Fig. 2) pela missão Kepler, baseando-se em buscas em estrelas muito próximas ao Sol.

De fato, o que o time liderado por Arnaud Cassan (Cassan, 2012) mostrou é que planetas são regra e não exceção ("We conclude that stars are orbited by planets as a rule, rather than the exception"). As forças que arregimentam a matéria no processo de formação estelar quase sempre deixam restos que se torna planetas. Diante desse novo número astronômico, as perspectivas de se encontrar vida como a nossa em outros planetas tornam-se incontestáveis. 

Uma ideia antiga que o Espiritismo tem como princípio.

A ideia de que existiriam outros mundos semelhantes à Terra e de que eles seriam habitados não é nova (Nota 3). Mas, certamente, tal noção não foi muito popular ao longo dos séculos, pois contava com o obstáculo de que não se tinha uma ideia precisa do que eram as estrelas. No ocidente, a noção arraigada de que os astros seriam luminares feitos para 'adornar a noite dos homens' certamente deu força às concepções geocêntricas, da unicidade e especialidade do homem no Universo. A pluralidade dos mundos habitados carecia de qualquer fundamento e era claramente contrária a princípios religiosos que reservam um lugar especial ao homem pela Divindade. A heresia (Nota 3) foi contudo cultivada por alguns poucos e, de todas as ideias já classificadas como hereges, a pluralidade dos mundos habitados é a que terá um fim mais notável em direção a sua realidade.

A noção foi ostensivamente afirmada pelo Espíritos já em 1857 na questão 55 e muitas outras como as questões 56, 57,  58, 234, 235, 236 do "Livro dos Espíritos" e é um tema recorrente em diversas assuntos tratados nele (ver questão 172 abaixo). Há um artigo sobre a Pluralidade dos Mundos Habitados na Revue Spirite de Março de 1858. Foi o Espiritismo que também interpretou nesse sentido as palavras altamente figuradas do Evangelho de João no Capítulo 14, versículos 1 e 2: "Não se turbe o vosso coração. – Credes em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai". Isso acontece porque a pluralidade dos mundos é uma necessidade diante da nova dinâmica espiritual revelada pelos fundamentos da Doutrina Espírita:

Questão #172. As nossas diversas existências corporais se verificam todas na Terra?

“Não; vivemo-las em diferentes mundos. As que aqui passamos não são as primeiras, nem as últimas; são, porém, das mais materiais e das mais distantes da perfeição.”

Poucos perceberam a extensão das implicações da existência de muitos mundos do ponto de vista espiritual. Desde que a consciência não se limita à matéria, diante da lei das vidas sucessivas, a migrações de Espíritos entre diversos mundos é uma necessidade. Tal lei nunca foi representada, nem mesmo de forma alegórica, pela maioria das religiões. Essa possibilidade era reduzida diante da necessidade de se 'demonstrar' efetivamente a realidade da existência desses mundos. Agora, com quase 1 trilhão de mundos disponíveis só na Via-Láctea, quem sabe religiosos mais dogmáticos compreendam a extensão dessa descoberta para suas crenças.

Fig. 2 Comparação de dimensões de diversas 'Terras' ou planetas rochosos com dimensões semelhantes à da Terra que já foram descobertos. Para comparação, a Terra (Earth) e marte (Mars) são mostrados na figura. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech.

Em outro post, discutiremos alguns aspectos epistemológicos importantes da questão e sua relevância para a pesquisa do Espírito.

Referências
Notas 

1 - Ver N. Wethington (2008). How Many Stars are in the Milky Way? Interessante sobre isso é ler a nota de rodapé de A. Kardec em 'A Gênese', Capítulo 6, "Uranografia Geral", "Os desertos do espaço", que traz a concepção do século XIX dessa descrição que fazemos aqui: "A nossa Via-Láctea é uma dessas nebulosas. Conta perto de 30 milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas de extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos uma média de 20 planetas habitados circulando em torno de cada sol: teremos 600 milhões de mundos só para o nosso grupo. Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para outra, aí estaríamos como em meio da nossa Via-Láctea, porém com um céu estrelado de aspecto inteiramente diverso e este, malgrado às suas dimensões colossais, nos pareceria, de longe, um pequenino floco lenticular perdido no infinito. Mas, antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante que deixa uma cidade e percorre vasto país inabitado, antes que chegue a outra cidade. Teríamos transposto incomensuráveis espaços desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu denominou os desertos do espaço. À medida que avançássemos, veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós, diminuindo de extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de centelhas de bomba de fogos de artifício. Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados" Tal descrição é condizente o estado do conhecimento astronômico e com os recursos tecnológicos disponíveis naquele tempo. Hoje, descobriu-se que a maior parte da matéria não pode ser observada diretamente, o que não era conhecido na época de Kardec.

2 - Dizemos 'heresia' pois Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo por defendê-la. Dentre as muitas 'heresias' de Bruno estavam a crença na reencarnação,  a ideia de que o Universo era infinito, de que as estrelas eram outros sóis e de que cada uma delas tinha planetas abrigando vida inteligente.

3 - A ideia remonta às discussões filosóficas dos antigos gregos. No século XIX um grande popularizador da ideia foi Camille Flammarion (1842-1925) grande admirador de Allan Kardec.

4 de fevereiro de 2012

Conceitos básicos de Física Quântica I


As moléculas têm uma forma determinada?" Sem dúvida, as moléculas têm uma forma, que não é perceptível para vós." ('O Livro dos Espíritos', questão # 34, 1857)

Apresentação elementar de conceitos básicos em física quântica para que o leitor possa melhor julgar e se posicionar diante dos que pretendem misturar espiritualismo com essa especialidade da física. 
1. Introdução

A física exerceu enorme influência sobre o desenvolvimento das ciências modernas nos últimos tempos. Sabemos hoje o quanto e ciência e a tecnologia têm contribuído para o aprofundamento do abismo entre as sociedades ricas e pobres, numa situação nunca antes vista na história. Nosso objetivo com a série de posts que se inicia hoje é apresentar brevemente alguns conceitos de física quântica, a fim de elucidar aparentes diferenças entre a visão do mundo fornecido por essa disciplina e a maneira usual de ver o mundo. Isso é importante, uma vez que descobrimos que o nosso jeito particular e puramente sensorial de apreender a realidade não corresponde ao único existente. Existem 'outras realidades', o que pode ajudar a nos distanciar do ceticismo em relação a novos fenômenos da Natureza. Sabemos também que a física quântica tem sido evocada por grupos de espiritualistas numa tentativa de justificar ideias e noções transcendentes do ser humano ou do próprio Universo (ver "Física Quântica e os espiritualistas do século 21 - uma análise preliminar"). Antes de analisarmos e criticarmos essa postura, é importante apresentar os novos conceitos da física quântica, mesmo que em nível elementar, a fim de que o leitor também possa julgar melhor a polêmica e a dificuldade apresentada por esse tipo de debate. Nosso objetivo não é, portanto, a crítica.

Grande parte dos avanços da física neste século foram possíveis graças ao desenvolvimento do programa de pesquisa da chamada "mecânica quântica" também conhecida como física quântica. Seu desenvolvimento se deve basicamente à convergência de três especialidades da física: o eletromagnetismo, a óptica e o surgimento da física nuclear, bem como um conjunto de novos fenômenos que não poderiam ser explicados de forma satisfatória pela física anterior, chamada de 'física clássica'. Em sua essência a mecânica quântica visa o estudo de sistemas quânticos. Sistemas quânticos são sistemas físicos (isto é, podem ser sistemas elétricos, ópticos, nucleares, eletrônicos, térmicos, mecânicos etc) cuja quantidade de movimento ou energia associada é tão pequena que uma descrição clássica não é possível. 

2. Descrição clássica

O que é porém uma descrição clássica?

É a descrição de sistemas físicos desenvolvida pelos cientistas antes da descoberta de fenômenos quânticos e que atingiu seu pleno desenvolvimento com as contribuições de Isaac Newton (1643-1727) no século 18 (mas não exclusivamente por ele). Newton tornou-se um dos pais fundadores da física clássica. Nossa crença do mundo é clássica. Daí o nome 'física clássica' ou 'mecânica clássica'. Quando dirigimos automóveis acreditamos que as posições e velocidades dos automóveis que passam a nossa frente realmente refletem o estado desses sistemas de forma simultânea. Sabemos que um erro de cálculo de nossas mentes pode ser fatal pois, em se tratando dos sistemas “automóveis”, não é possível que dois deles ocupem a mesma posição no espaço no mesmo instante de tempo. Quando ligamos aparelhos elétricos sabemos (na verdade, nós acreditamos nisso) que a corrente elétrica da tomada de força flui continuamente, o que possibilitamos o correto uso de equipamentos. Quando observamos objetos a nossa frente, acreditamos que eles estão na posição que nós observamos, no momento em que são observados, parados ou em movimento, e não que se encontrem em outro lugar (mesmo que esse outro lugar seja alguns poucos milésimos da distância da posição onde nós acreditamos que esses objetos estejam).

Nota de 1 libra trazendo a imagem de Newton. O desenvolvimento da física clássica foi um dos triunfos da civilização moderna. 
A física clássica é a física dos objetos e coisas muito próximos de nossos sentidos. Para ela o tempo flui continuamente, sem consideração a nada mais; o medidas no espaço são definidos a partir de sua referência a um determinado ponto arbitrário nesse mesmo espaço, que não se altera pela presença de objetos nele. Espaço e tempo são conceitos primitivos e independentes um do outro. Objetos existem no espaço com posições muito bem definidas. Movimentam-se nele com velocidades que se pode determinar com precisão. O estado desses objetos clássicos é determinado por arranjos experimentais sem que o observador interfira de forma mais fundamental no processo de medida. Ou, se isso não for absolutamente possível, há sempre uma maneira de se fazer um experimento de forma que o processo de medida interfira o mínimo possível com o estado anterior desse objeto (antes da medida). Ainda assim, é possível separar o efeito do observador, de forma a se prever e reduzir sua influência sobre o objeto medido.

Essas características da física clássica acima deixam de ser válidas no universo quântico, que é o domínio de existência de fenômenos quânticos. Isso ocorre freqüentemente, porém, dentro de uma escala de dimensão peculiar. A Natureza freqüentemente prega peças nos seres humanos, principalmente quando nos baseamos em nossas experiências ordinárias ou tomamos como certo o mundo que nos cerca (nossa experiência ordinária sensorial dele). Nesta nossa discussão, apresentaremos brevemente alguns dos fenômenos quânticos que se tornaram notórios no desenvolvimento da física quântica, a dificuldade de compreensão desses fenômenos pelo “bom senso” que nos guia diariamente, e um panorama geral da situação atual acadêmica da interpretação física desses mesmos fenômenos. Por causa da dificuldade intrínseca do assunto, não poderemos senão apresentar uma descrição necessariamente qualitativa e elementar, deixando aspectos quantitativos e mais complexos de lado para inúmeras referências que existem. 

Se o domínio dos fenômenos quânticos é muito diferente do nosso, por que conhecer física quântica é importante? Uma resposta a essa questão não pode ser dada fora das aplicações dessa nova física. Isso porque todo conhecimento científico que é útil tem uma aplicação definida de onde aproveitamentos práticos podem ser feitos. Todos os equipamentos eletrônicos que usamos modernamente têm como elementos básicos componentes que funcionam utilizando fenômenos ou propriedades de sistemas quânticos. Também nos processos de comunicação a distância (telecomunicações) alguns princípios quânticos importantes tais como a noção de comprimento de onda, freqüência etc são utilizados. Dificilmente porém teremos que nos preocupar com a física quântica em se tratando dos fenômenos que impressionam diretamente nossos sentidos, pois a maior parte dos fenômenos quânticos não podem ser apreendidos dessa maneira. 

3. Alguns fenômenos quânticos

Experimento das duas fendas.

Um fenômeno quântico antigo que é de fácil montagem experimental é o fenômeno de interferência de ondas  (também chamado de experimento das duas fendas). Esse fenômeno era bem conhecido muito antes do nascimento da física quântica, pertencendo à óptica, pois se acreditava então (até o fim do século 19) que a luz fosse formada por vibrações (ondas) propagando-se em um meio especial chamado éter. Uma imagem  ilustrativa do experimento é mostrada na Fig. 1. Uma anteparo com uma fenda (S1) é iluminado uniformemente desde a esquerda. A luz, propagando-se inicialmente seguindo frentes de onda plana (regiões de mesma intensidade de luz), ao passar pela fenda, propaga-se com frentes de onda esférica ou circular como mostrado. Se essa onda passar agora por duas fendas (S2), por causa da interferência entre as oscilações provenientes de cada fenda, um anteparo distante registrará a interferência na forma de regiões claras e escuras como mostrado.
Fig. 1 Experimento das duas fendas.
Observamos que, invocando a natureza ondulatória do fenômeno, esse experimento pode ser feito tanto com luz como com som. No caso de som, o que se registra na região de interferência é a alternação entre zonas de ruído e zonas de silêncio. Uma extrapolação do experimento de duas fendas que foi confirmada na prática experimental e que constitui uma assinaturas da natureza quântica da matéria é a seguinte: se, ao invés de luz, lançarmos matéria na forma de partículas desde a esquerda, esperamos intuitivamente que as partículas atravessem as fendas discretamente, não se observando figura alguma de interferência no anteparo final. Isso acontece porque nossa concepção aprendida de matéria é de algo bem definido no espaço. Partículas são tratadas como 'bolinhas' que se movimentam no espaço colidindo-se umas com as outras, sem chance de interferirem.

Fig. 2 Experimento de duas fendas com 'ondas de matéria'.
Entretanto isso não acontece! Lançando muitas partículas no experimento de duas fendas, encontramos no anteparo final partículas que se distribuem no espaço segundo uma padrão de interferência característico (Fig. 2). Poderíamos achar que o padrão de interferência final fosse resultado da colisão (interação) entre as muitas partículas que lançamos e que atravessam as fendas ao mesmo tempo. Isso porém não é verdade, pois o padrão de interferência aparece ainda que lançemos uma partícula por vez. A única explicação possível é mudar nosso conceito usual de partícula ou matéria e associarmos um comportamento ondulatório a ela. Dizemos que uma determinada partícula (pode ser um elétron, um átomo, coleções de átomos etc) está associado uma onda que tem um certo comprimento de onda ou freqüência característica e que se propaga no espaço prescrevendo nele a intensidade de probabilidade de se encontrar a partícula em um dado ponto.

Uma Partícula  está associada a 


que é uma representação simbólica para a onda da partícula (letra grega psi, na representação acima pronuncia-se 'psi de x', uma função matemática especial). Ela está associada à probabilidade, por exemplo, de se achar a partícula em uma certa posição do espaço dado por x. A primeira diferença da nossa descrição usual (clássica) do mundo aparece. De fato, a matéria descrita do ponto de vista quântico não pode ter sua posição fornecida com infinita precisão; existe uma incerteza dada pela onda de probabilidade. Na experiência das duas fendas, essa onda de probabilidade se manifesta na forma de interferência. Cada orifício na fenda 2 produz ondas de probabilidade que se interferem para formar a figura no anteparo. Perceba que isso é verdade mesmo que tivéssemos uma única partícula. Mas como pode uma partícula interferir com ela mesma? Há algo que se espalha no espaço, ligado a uma partícula que, ao passar pelas duas fendas, é modificado no espaço, resultando na figura de interferência que se observa no anteparo. Notamos, porém, que no caso de uma única partícula, esta é capturada em algum ponto no anteparo apenas nas zonas previstas pela distribuição de probabilidade modificada (Ver fig. 3 para uma simulação de uma partícula que se encontra confinada inicialmente em uma região circular do espaço em vermelho). É preciso utilizar muitas partículas para se formar uma figura de interferência 'por acumulação' como aquela obtida por meio da luz.

Fig. 3 Fenômeno de espalhamento de uma onda quântica definida em uma região circular do espaço sobre um anteparo com dois orifícios. Se fosse uma 'partícula clássica', ela teria ricocheteado na parede e nada seria visto do outro lado ou ela teria atravessado um dos orifícios (caso fosse menor que eles). No caso de uma partícula quântica, há interferência de sua onda de probabilidade, e a partícula pode ser encontrada do outro lado. (De acordo com Fernandez Palop, 2009)
Essa 'onda de probabilidade' orienta a posição da partícula. Mas não só isso, ela orienta também a velocidade dessa partícula. Como tudo é feito de partículas - átomos e seus agregados - então a matéria que conhecemos tão bem no chamado 'nível macroscópico' como sendo algo tangível e de posição definida, não o é no nível microscópico. Como então acontece de não percebermos essa variação apreciável na probabilidade de posição tão comum no nível quântico? A resposta é que, no nível macroscópico, quando se agregam muitos milhares de bilhões de partículas em agregados, a discretização possível de interferência observada torna-se microscópica, tão pequena que é imperceptível: surge então uma descrição absolutamente contínua da realidade, desaparecem as incertezas e o 'universo clássico' se estabelece. Isso é algo semelhante à ilusão provocada pela contemplação de uma imagem num computador: essa imagem é feita, de fato, por milhões de "pixels", mas cria uma ilusão de continuidade se vista a certa distância.

No próximo post:  efeito fotoelétrico; tunelamento quântico (efeito túnel).

Sobre alguns termos
  • Estado - diz respeito a determinadas características de um sistema físico. Ao se descrever o estado de um sistema físico, se está também definindo o próprio sistema. Esse conceito será foco de um futuro post.
  • Sistema físico - é a região do espaço definida por determinados objetos físicos submetidos a condições específicas. Um sistema físico tem determinadas características que o descrevem, uma delas é o seu estado.
Referências