24 de novembro de 2014

XXVI - Pequeno manual de falácias não formais com exemplos do ceticismo (4)

Quarta parte da série de posts sobre falácias, com exemplos tirados do ceticismo. Para o post anterior dessa série clique aqui.

Será que cães andam de bicicleta?

Um cético pode argumentar que essas imagens são de um embuste, onde um anão (ou uma criança) vestido de cachorro pretende convencer pessoas de boa fé de que cães podem andar de bicicleta. Os detalhes claramente indicam isso: o "cachorro" é grande, o que facilitaria a farsa, o cão tem pelos longos, o que tornaria a fantasia mais realista, o "cão" tem dificuldades em conduzir a bicicleta - seus olhos podem estar parcialmente encobertos dificultando o controle do veículo etc. Além disso, cachorros nunca foram vistos andando de bicicleta em circunstâncias insuspeitas. Para ele, a evidência é claramente uma fraude...


Falácia do acidente (Dicto Simpliciter) e generalização apressada (acidente convertido).

Um tipo muito comum de erro de argumentação ocorre quando evidências se apresentam de forma estatística, ou seja, não acontecem sempre que determinadas circunstâncias são observadas. Há ocorrências que se mostram de forma espalhada, algumas vezes de forma recorrente, de outras vezes  rara, compondo uma imagem aparentemente inconclusiva para quem não percebe, com atenção devida, nuances mínimas que as diferenciam. De outras vezes, as características que distinguem um caso são tão raras que eles são facilmente desprezados. 

A falácia do acidente e de generalização apressada são dois tipos de falácia relacionadas e que surgem de forma "inversa". No primeiro caso (acidente), ocorre quando uma exceção é simplesmente ignorada na formação de uma regra geral. Já apresentamos aqui o caso da "Avestruz cética e do peru indutivista" (2). Nessa estória, o pobre peru acreditou que nada poderia acontecer a ele porque todas as evidências da véspera do natal nada indicavam que ele seria morto para a ceia. Essa estorinha se apresenta como um paradigma para o induvitismo ingênuo que é bastante comum na argumentação cética. 

No segundo caso (acidente convertido) a generalização é tomada como a própria exceção. A Fig. 2 é uma síntese dessa falácia. É logicamente possível afirmar que "existem patos brancos".  Mas, um cético, a quem essa conclusão não agrade, ao observar apenas a existência de alguns casos de cor preta, terá prazer em generalizar: "todos os patos são pretos".

Fig. 2 Acidente convertido: a exceção torna-se a regra.
Na vida real, e, principalmente, com os fenômenos psíquicos e espíritas, a situação não é tão simples assim. Nesses casos mais complexos ocorre:
  • Existência do que lógicos chamam de 'silogismo estatístico'. Ou seja, não é sempre verdade que A se comporte como B-nunca-visto; algumas vezes isso ocorre. Dai a inferência feita é frequencial, quanto mais acontece, mais "força" ganha o argumento;
  • Comparação mal feita entre A e B que leva à generalização. De fato, A não se assemelha com B em todas as aparências, mas apenas em algumas, o que é suficiente para criar a generalização;
  • Má vontade ou ponto de vista abertamente contrário à aceitação de uma evidência aparentemente extraordinária que leva à generalização apressada por sua falsidade. 
A fenomenologia psíquica sempre foi estigmatizada por céticos que "colocam em um mesmo cesto" todos os médiuns pelo fato de se terem reportados médiuns que fraudaram. Esse ponto foi bastante discutido por Kardec (3):
Do fato de haver charlatães que preconizam drogas nas praças públicas, mesmo de haver médicos que, sem irem à praça pública, iludem a confiança dos seus clientes, seguir-se-á que todos os médicos são charlatães e que a classe médica haja perdido a consideração que merece? De haver indivíduos que vendem tintura por vinho, segue-se que todos os negociantes de vinho são falsificadores e que não há vinho puro? De tudo se abusa, mesmo das coisas mais respeitáveis e bem se pode dizer que também a fraude tem o seu gênio. Mas, a fraude sempre visa a um fim, a um interesse material qualquer; onde nada haja a ganhar, nenhum interesse há em enganar. Por isso foi que dissemos, falando dos médiuns mercenários, que a melhor de todas as garantias é o desinteresse absoluto.
Como na representação da Fig. 2, para os céticos, "todos os médiuns são desonestos", porque alguns (mal intencionados) foram pegos a fraudar. Como é previsível, quanto mais rara for a ocorrência mediúnica - como no caso dos fenômenos de efeitos físicos - tanto maiores serão as acusações de fraude não apenas por causa da raridade, mas pelo caráter extraordinário e "facilmente" replicável das aparências (ver "Teoria das evidências fotográficas e de outros tipos", 4). 

Infelizmente, com a imensa maioria das ocorrências naturais, a natureza é muito mais extraordinária e complexa que o raciocínio humano ordinário consegue compreender. 

Referências

(1) Fallacy-a-day Podcast. Excelente blog sobre falácias.
(3) A. Kardec, "O Livro dos Médiuns", II Parte, "Das manifestações espíritas", Capítulo XXVIII - Do charlatanismo e do embuste, Fraudes espíritas. (versão IPEAK).

15 de novembro de 2014

"O espiritismo, as ciências e a filosofia” em Belo Horizonte


Recebi de Jader Sampaio o comunicado abaixo:

Instituições espíritas convidam para noite de autógrafos do livro “O espiritismo, as ciências e a filosofia” em Belo Horizonte


A Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE), a Aliança Municipal Espírita de Belo Horizonte (AME-BH) e a Associação Espírita Célia Xavier (AECX) convidam para a noite de autógrafos do livro “O espiritismo, as ciências e a filosofia” que ocorrerá em 6 de dezembro, às 18h30, na sede da AECX, na Rua Coronel Pedro Jorge, 314, no Bairro Prado, Região Oeste da capital. O evento terá a participação de Adilson Assis, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), coordenador do projeto “Ciência do Invisível” e do próximo Encontro Regional da LIHPE, em 2015. A entrada é gratuita.

O livro “O espiritismo, as ciências e a filosofia”, de diversos autores, é composto de duas partes. Na primeira se encontram trabalhos que mostram reflexões sobre as relações entre o pensamento espírita e o pensamento filosófico, especialmente o platonismo. Encontra-se também uma revisão dos métodos usados por Allan Kardec para a fundamentação epistemológica do espiritismo e uma síntese do impacto da obra de Herculano Pires na filosofia de sua época.

A segunda parte é composta de temas na fronteira entre o espiritismo e a ciências humanas e naturais como o trabalho social de casas espíritas, a geografia do “mundo espiritual” e a relação tumultuada de Machado de Assis com as ideias espiritas de sua época. Também são discutidos os conceitos da física usados dos livros espiritualistas “A Grande Síntese” e “A teoria corpuscular do espírito”.

Há um evento criado no facebook com mapa e lista de presença cuja confirmação é necessária para ajudar à organização do evento.  O endereço é: 

4 de novembro de 2014

Alguns pontos sobre a visão espírita do suicídio assistido.


"Sua alma, embora separada do corpo, ainda está completamente mergulhada no que se poderia chamar o turbilhão da matéria corpórea; as ideias terrestres ainda são vivazes; ele não acredita que está morto." (A. Kardec, "O Céu e o Inferno", Segunda Parte, Exemplos, Capítulo 5, Suicidas: O suicida de Samaritaine)

O suicídio assistido (eutanásia ativa, 1) é a liberdade dada a pacientes considerados terminais, sem cura, de planejarem  e executarem a própria morte. Vimos um caso  recente, o da americana Brittany Maynard de 29 anos (2) que, diante de um tumor de cérebro incurável, decidiu se suicidar. Nesse caso, cremos não haver diferença com qualquer outro ato de suicídio conscientemente decidido, já que a impossibilidade de cura não é justificativa para o ato como discutimos abaixo.

A questão da decisão pelo suicídio assistido ou eutanásia é considerada um tabu na sociedade pelas incertezas sobre a vida futura ("medo da morte"). Com a onda de liberalismos crescentes, grupos se fortalecerão propondo sua aplicação de forma sistemática. Há uma clara fronteira entre a vida e a morte em uma sociedade que tem muita dificuldade em lidar com a morte.

Discutimos aqui alguns pontos que devem ser considerados no esboço da visão espírita do suicídio assistido. Eles não pretendem ser definitivos, mas devem ser lembrados no contexto do avanço do conhecimento trazido pela Doutrina Espírita. Esses pontos também se aplicam ao suicídio de forma geral.

O "Livro dos Espíritos", questão 953.
Quando uma pessoa vê diante de si um fim inevitável e horrível, será culpada se abreviar de alguns instantes os seus sofrimentos, por uma morte voluntária? 
“É sempre culpado aquele que não aguarda o termo que Deus lhe marcou para a existência. E quem poderá estar certo de que, malgrado as aparências, esse termo tenha chegado; de que um socorro inesperado não venha no último momento?” 
a) – Concebe-se que, nas circunstâncias ordinárias, o suicídio seja repreensível; mas estamos figurando o caso em que a morte é inevitável, e em que a vida só é encurtada de alguns instantes. 
“É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do Criador.”
Antes que o leitor cético conclua que a proibição do suicídio para o Espiritismo - mesmo no caso assistido - se baseia em um critério de autoridade, é preciso lembrar o suporte empírico que a Doutrina Espírita apresenta ao problema. De fato, seria um critério exclusivamente de autoridade, não dispusesse o Espiritismo de métodos e processos de demonstração com os quais ele ilustra seus princípios. Isso diferencia bastante o conhecimento espírita de outras tradições religiosas ou culturais. Basta ver o Capítulo 5 de "O Céu e o Inferno" de A. Kardec para colher informes sobre o estado futuro daqueles que cometem suicídio. Além do sofrimento, suas maior consequência, para quem o pratica, é uma profunda desilusão por se perceber vivo, por reconhecer a inutilidade do ato. 

Não há dúvidas de que o suicídio é uma opção. É a aplicação da "lei de liberdade" (Questão 843 em "O Livro dos Espíritos), não há razão para se duvidar desse direito. Mas, a decisão sobre a conveniência ou não de um ato obviamente não pode se basear exclusivamente na existência do direito de praticá-lo. Proponentes do suicídio assistido, eutanásia ou do aborto justamente reduzem a questão à discussão de direitos porque confundem progresso com liberdade irrestrita.

É fora de dúvida que temos o direito de praticar muitos atos dentro da liberdade que dispomos. Mas, nem todos esses atos são convenientes. Certamente, a liberdade de se atirar do vigésimo andar de um prédio deve ser ponderada pelos sofrimentos que colheremos como consequência da queda. Inúmeros outros exemplos são frequentemente adiantados por médicos e especialistas em saúde quanto ao sofrimento material do uso de drogas, de práticas ilícitas etc.

Ainda assim, vemos céticos que acusam os espíritas de usar o medo como arma de convencimento. É claramente irracional desprezar evidências, quaisquer que sejam elas, o que se aplica também às resultantes da mediunidade, que sinalizam que o suicídio leva ao sofrimento. Contra essas, o recurso final é "negar sistematicamente", por isso nos posicionamos tanto aqui contra o ceticismo.
Ora, se evidências de sofrimento certo não servem para convencer alguém da inconveniência de um ato, nenhum outro argumento será suficiente.
16. A incredulidade, a simples dúvida sobre o futuro, as idéias materialistas, numa palavra, são os maiores incitantes ao suicídio; ocasionam a covardia moral. Quando homens de ciência, apoiados na autoridade do seu saber, se esforçam por provar aos que os ouvem ou leem que estes nada têm a esperar depois da morte, não estão de fato levando-os a deduzir que, se são desgraçados, coisa melhor não lhes resta senão se matarem? Que lhes poderiam dizer para desviá-los dessa conseqüência? Que compensação lhes podem oferecer? Que esperança lhes podem dar? Nenhuma, a não ser o nada. Daí se deve concluir que, se o nada é o único remédio heroico, a única perspectiva, mais vale buscá-lo imediatamente e não mais tarde, para sofrer por menos tempo. 
A propagação das ideias materialistas é, pois, o veneno que inocula a ideia do suicídio na maioria dos que se suicidam, e os que se constituem apóstolos de semelhantes doutrinas assumem tremenda responsabilidade. Com o Espiritismo, tornada impossível a dúvida, muda o aspecto da vida. O crente sabe que a existência se prolonga indefinidamente para lá do túmulo, mas em condições muito diversas; donde a paciência e a resignação que o afastam muito naturalmente de pensar no suicídio; donde, em suma, a coragem moral. ("O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo 5, O Suicídio e a Loucura).
Ao invés de se fixar no sofrimento, a crença na vida futura antevê o estado de felicidade em que se encontrará o ser depois de passar pelas dificuldades da existência Uma verdadeira revolução opera naquele que adquire a certeza da continuidade da vida. Ele sabe que o sofrimento é transitório e que, mesmo se sua vida material terminar, continuará a existir em outro estado, livre da matéria e das vicissitudes por ela impostas. Essa é a verdadeira visão espírita, aquela que deverá assinalar uma mudança completa na maneira como encaramos o sofrimento e a morte.

Conclusões

A dúvida sobre a vida futura é dissipada pelo conhecimento espírita, que traz informações, declaradas pelo próprio ser depois da morte, sobre seu estado. E as informações da via mediúnica mostram que a prática do suicídio leva ao sofrimento do Espírito no curto prazo, à ponderação quanto a sua inutilidade e à necessidade futura de reparação (3).   Se há sofrimento "do lado de cá", também há "do lado de lá", resultado do continuísmo da vida. Mas, os que confundem progresso com liberdade irrestrita, pensam o contrário e desprezam os relatórios mediúnicos como novas versões do inferno cristão.

O suicídio é, acima de tudo, consequência do materialismo, da incredulidade, da ignorância total da vida futura e da transitoriedade dos sofrimentos, da falta de resignação do indivíduo cujo orgulho o faz crer ser indigno da situação a ser vencida. Somente uma crença forte, escorada em evidências e em um método, é capaz de vencer esse estado de coisas. As milhares de mensagens e comunicações daqueles que partiram pedem que tenhamos mais paciência com nossas provas. Elas são passageiras e um futuro grandioso aguarda os que souberem suportá-las com coragem e resignação.

Referências

(1) http://pt.wikipedia.org/wiki/Eutan%C3%A1sia

(2) http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/podemos-decretar-a-propria-morte

(3) O suicídio leva não só ao aumento do sofrimento, mas exige o retorno as mesmas conjunturas que  resultaram ao ato. O Espírito praticamente se força a nova existência quando terá que vencer a prova onde falhou. Isso acontecerá tantas vezes quanto ele capitular na prova.