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9 de agosto de 2012

Rosemary Brown e a arte mediúnica (Érico Bomfim) - II/2

Execução inédita por Érico Bomfim de um Noturno em fá menor, atribuído ao Espírito de F. Chopin pela médium Rosemary Brown. Assistir também E. Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Continuação da parte I do texto Rosemary Brown e a arte mediúnica por Érico Bomfim.

Rosemary Brown versus Fritz Kreisler

Rosemary Brown (1916-2001).
É verdade que há casos de imitações de estilos, inclusive convincentes imitações, na história da arte. Jorge Coli, em O que é arte, descreve alguns casos, tanto na literatura como na pintura e na escultura. As imitações enganaram muita gente, inclusive críticos especializados. No entanto, nenhum caso descrito reunia as características mencionadas acima, especialmente as dos itens a (trocando-se a palavra médium por imitador) e b.(para referência a esses itens, ver post anterior).
            Otto Maria Carpeux descreve um caso na música:
Caberia acrescentar várias sonatas ou movimentos isolados, sobretudo de Pugnani (Prelúdio e allegro), que o famoso violinista Fritz Keisler costumava executar em concerto; e que eram da sua própria lavra, imitações perfeitas e congeniais do estilo violinístico do Rococó. Durante muitos anos Kreisler esperava com paciência que os críticos e musicólogos despertassem do erro; pois todos eles aceitavam a “fraude”. Só quando o grande mestre Vincent d'Indy fez a observação de que a execução daquela “peça de Pugnani” por Kreisler não obedecia fielmente às intenções do compositor antigo, Kreisler resolveu revelar a verdade; provocando tempestade de indignação da parte dos mesmos críticos que tinham cometido tantas gafes.

O “caso Kreisler” é um sinal de advertência. É tão fácil imitar o estilo instrumental do Rococó porque a maior parte dos ouvintes só presta atenção a sinais exteriores daquele estilo: à dissolução das formas barrocas em ornamentação e arabescos. Pelo mesmo motivo, muita gente acredita reconhecer como “mozartiana” qualquer música do século XVIII. Os traços individuais são menos marcados que o ar de família da época. (CARPEUX, 2001, p. 94)
Vejamos as diferenças entre o caso apresentado por Carpeux e o caso Rosemary Brown.
F. Kreisler (1875-1962).
 
De acordo com a lista de composições de Fritz Kreisler (1), o grande violinista teria produzido, como imitação, apenas movimentos isolados, salvo um concerto para violino, imitando Vivaldi. Não consta nenhuma sonata inteira. Há imitações de apenas dois compositores que viveram até o Romantismo (Jean Baptiste Cartier e Joseph Lanner). A grande maioria são imitações de compositores clássicos, sobretudo do Rococó. Há também dois barrocos (Couperin e Vivaldi). Ao todo, são 21 peças; 20 movimentos isolados e o concerto falsamente atribuído a Vivaldi.

Já Rosemary Brown tinha noções de principiante em música, produziu obras nos estilos de bem mais de uma dezena de compositores __ a grande maioria entre os mais importantes da história da música ocidental __ e essas obras se contam às centenas, pertencendo aos mais diversos gêneros.

O contraste é flagrante:
a) Kreisler foi um dos maiores violinistas do século XX. Rosemary Brown tinha noções de uma principiante em música.
b) Kreisler produziu imitações quase apenas de compositores do Rococó, sendo que poucos dos compositores que Kreisler imitou listam-se entre os maiores. Rosemary produziu obras nos estilos de bem mais de uma dezena de compositores, quase todos listados entre os grandes.
c) Kreisler produziu, como imitações, praticamente apenas peças para violino ou violoncelo acompanhado por piano (a única exceção é o concerto para violino no estilo de Vivaldi). Rosemary produziu peças para os mais diversos conjuntos e pertencentes aos mais diversos gêneros.
d) Kreisler escreveu, como imitações, praticamente apenas movimentos isolados. Rosemary Brown tem obras inteiras.
e) Kreisler escreveu 21 imitações em toda vida. Rosemary produziu mais de 400 peças musicais em 6 anos, cerca de 20 vezes mais que toda a produção de Kreisler em imitações.
Note-se ainda que o estilo descrito por Carpeaux como o mais fácil de se imitar (o do Rococó) é o que menos aparece na produção de Rosemary. De fato, Rosemary atribui suas peças a compositores românticos, e é precisamente no Romantismo que os estilos dos artistas se tornam mais pessoais; em que surge a figura do gênio criador cuja subjetividade aflora em sua arte, tornando-a mais marcadamente individualizada e sua. E é desses estilos marcados por traços pessoais que a obra de Rosemary Brown demonstra o domínio.

Estórias do subconsciente

Nos 3 casos de arte mediúnica expostos (Rosemary Brown, Luiz Antônio Gasparetto e Chico Xavier), o médium alegava que a sua produção era, na verdade, de Espíritos. A primeira hipótese alternativa aventada costuma ser a fraude. Quando essa se mostra pouco convincente, troca-se, em geral, para teorias obscuras que mencionam o subconsciente. Essa última se mostra elástica o suficiente para admitir quaisquer fatos, de modo a evitar a todo custo a hipótese da sobrevivência. Em outras palavras, o subconsciente se torna capaz de produzir qualquer coisa, porque retém qualquer conhecimento que cruze com ele. Se o médium já viu um quadro de Renoir na vida, mesmo sem o saber, diz-se que seu subconsciente já é capaz de produzir uma grande quantidade de boas imitações. No caso de médiuns psicopictógrafos, essa alegação é justificada com base no fato de o médium entrar em transe. E, em transe, acessar-se-iam regiões obscuras da mente que reteriam os mais improváveis conhecimentos.

 No entanto, no caso de Rosemary, tal justificativa não serve. Ela escrevia música em estado de plena consciência. Ela era capaz de parar de escrever a música que estava escrevendo e conversar com uma pessoa. Isso não era nenhum problema. E isso aconteceu no documentário da BBC, quando ela achou estranha a peça de Liszt, então ainda incompleta, e pediu para tentar tocá-la. Como não conseguiu, Geoffrey Skelton, músico da equipe da emissora, foi tocá-la e se surpreendeu. Depois, Rosemary continuou a escrevê-la e a terminou. Isso se dava porque não se tratava de uma psicografia. Ela conversava com os Espíritos como quem conversa com qualquer pessoa. E os Espíritos lhe ditavam as notas das músicas. Por isso não havia transe. 

É verdade que Rosemary Brown tenha chegado a mencionar outros processos mediúnicos pelos quais lhe chegavam as composições, mas o que importa aqui é demonstrar que ela era capaz de escrever em perfeita consciência. Aliás, sabe-se que Chico Xavier também era capaz de responder, enquanto psicografava, a perguntas que lhe fossem feitas, o que demonstra que ele nem sempre psicografava em transe, fragilizando-se, assim, a hipótese alternativa mencionada no final do parágrafo anterior.

A arte mediúnica como evidência

A arte mediúnica, enquanto prova de sobrevivência do espírito, é de valor muito particular, em razão da sofisticação de seu conteúdo. Veja-se o caso do Parnaso de além-túmulo, que aguardou quase 70 anos (desde sua primeira edição) para ganhar um estudo mais profundo, na dissertação de mestrado de Alexandre Caroli Rocha. Note-se que na dissertação só foi possível analisar 5 seções da antologia, de 56 seções no total. Agora imaginemos quanto estudo não será necessário para se cobrir toda a literatura mediúnica de Chico Xavier! A propósito, em literatura, não são raros os pesquisadores que dedicam décadas de suas carreiras ao estudo de apenas um ou dois autores.


Para que uma obra de arte mediúnica se converta plenamente em prova da sobrevivência do espírito, são necessárias 2 pessoas, pelo menos: o médium, que nos traz a obra, e o pesquisador, que evidencia quanto conhecimento está embutido nela. Caroli, por exemplo, declara-nos que a seção Guerra Junqueiro do Parnaso sintetiza as características estilísticas desse poeta que foram evidenciadas pela crítica literária apenas 14 anos depois, em um trabalho de Amorim de Carvalho, o que nos mostra que a mediunidade pode ser pioneira em conhecimento. Não houvesse o pesquisador, não se saberia disso. A obra de arte (no caso, o Parnaso) não teria apresentado os desdobramentos que poderia, enquanto prova da sobrevivência da alma. São justamente a sutileza e a profundidade do conhecimento implícito numa obra de arte mediúnica que a tornam tão forte como prova de que o espírito sobrevive. Fica evidente através da pesquisa que a quantidade de conhecimento necessária para se elaborar a obra não pode ser obtida camufladamente. Seriam necessários grandes e profundos estudos. E uma grande trilha de estudo espera também todo aquele que quiser compreender as razões pelas quais é tão difícil furtar-se à hipótese da comunicabilidade dos Espíritos. Diferentemente das evidências trazidas pelos efeitos físicos, os efeitos inteligentes não convencem de imediato. Mas convencem muito mais e geram convicção muito mais firme, desde que se percorra um longo caminho de estudo. 

Uma vez que o espírito é o princípio inteligente, um efeito inteligente (como uma obra de arte ou uma carta psicografada) é uma prova mais forte de sua sobrevivência do que uma batida numa mesa ou outro efeito físico. Os efeitos físicos impressionam mais os sentidos, é verdade, mas o efeito inteligente carrega traços que constroem uma personalidade com muito mais clareza. Para quem lê uma carta psicografada ou aprecia uma obra de arte mediúnica, é especialmente nítida a sensação de que aquele indivíduo específico, dado como autor da carta ou da obra, sobreviveu à morte e passa bem.

As cartas

As cartas de pessoas “mortas” para seus parentes “vivos” também são provas bastante contundentes. Há interessantes semelhanças e diferenças entre uma carta de um parente “morto” e uma obra de arte de um “morto”, enquanto provas da sobrevivência da alma. Ambas contêm demonstrações de que a inteligência do indivíduo sobrevive à sua morte. No entanto, uma carta só se presta como prova da sobrevivência de seu autor para aqueles que conhecem pormenores da vida do “morto”. Àqueles que não o conheceram, uma série de informações reveladoras de identidade passará despercebida.

Uma obra de arte mediúnica contém também demonstrações de identidade. Porém, pode-se dizer que essas sejam mais universais, uma vez que qualquer um que esteja familiarizado com o estilo do artista “morto” pode reconhecê-lo, tendo uma nítida sensação de estar diante de uma obra dele __ no caso das obras convincentes. E quanto mais o apreciador da obra mediúnica em questão conhecer o estilo do autor a quem ela é atribuída, mais a obra se lhe revelará como do “morto” e mais nítida será a sensação que ele vai experimentar de que o “morto”, na realidade, vive.
            
Referências

BROWN, Rosemary. Immortals at my elbow. London: Bachman & Turner, 1974.

BROWN, Rosemary. Look beyond today. London: Bantam Press, 1986.

BROWN, Rosemary. Sinfonias inacabadas: os grandes mestres compõem do além. São Paulo: Edigraf, 1971.

CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de Ouro da História da Música. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

COLI, Jorge. O que é Arte. São Paulo: Brasiliense, 1990.

PARROTT, Ian. The Music of Rosemary Brown. London: Regency Press, 1978.

ROCHA, Alexandre Caroli. A poesia transcendente de Parnaso de além-túmulo: dissertação de mestrado. Campinas: UNICAMP, 2001.

Livro V - "Sinfonias Inacabadas" por Rosemary Brown.
O que se deve entender por 'fenômenos espirituais'. 
Érico Bomfim sobre Rosemary Brown (Junho/2012).

Notas

1 Disponível em: http://imslp.org/wiki/List_of_compositions_by_Fritz_Kreisler

21 de abril de 2012

Nova performance do fragmento mediúnico de sonata de Mozart (Érico Bomfim)

O Espírito de Mozart acaba de ditar ao nosso excelente médium, Sr. Bryon-Dorgeval, um fragmento de sonata. Como meio de controle, este último o fez ouvir por diversos artistas, sem lhes indicar a origem, mas lhes perguntando apenas o que achavam do trecho. Cada um nele reconheceu, sem hesitação, o estilo de Mozart. O trecho foi executado na sessão da Sociedade de 8 de abril último, em presença de numerosos conhecedores, pela senhorinha de Davans, aluna de Chopin e distinta pianista, que teve a gentileza de nos prestar o seu concurso. Como elemento de comparação, a senhorinha de Davans executou antes uma sonata que Mozart compusera quando vivo. Todos foram unânimes em reconhecer não só a perfeita identidade do gênero, mas ainda a superioridade da composição espírita. A seguir, com o seu talento habitual, a mesma pianista executou um trecho de Chopin. (A. Kardec, Revue Spirite, Maio de 1859)
Em comemoração à edição de 'O Livro dos Espíritos' em 18 de abril, apresentamos nova performance, por Érico Bomfim, do famoso fragmento de sonata atribuído ao Espírito de Mozart. Essa composição foi recebido pelo médium Brion D'Orgeval e tocada pela primeira vez pela Mlle. De Davans à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas em abril de 1859, coordenada, na época, por Allan Kardec. De Davans foi aluna de Frédéric Chopin.

A música corresponde ao mesmo fragmento que foi queimado no Auto da Fé de Barcelona (Nota 1), Espanha, a 9 de outubro de 1861.


O Manuscrito

O manuscrito original chegou a ser vendido a 2 francos na época (1860) conforme consta em diversos trechos de artigos da Revue Spirite (Janeiro de 1860): 
O do Sr. Oscar Comettant (vide le Siècle de 27 de outubro último, e nossa resposta na Revista de dezembro de 1859), produziu a venda, em poucos dias, na casa Ledoyen, de mais de cinquenta exemplares da famosa sonata de Mozart (que custa 2 fr., preço líquido, segundo a importante e espirituosa observação do Sr. Comettant).
Ou, em outro trecho:
Nota - O fragmento de sonata ditado pelo Espírito de Mozart acaba de ser publicado. Pode-se procurá-lo, seja no Escritório da Revista Espírita, seja na livraria espírita do senhor Ledoyen, Palais Royal, galeria de Orléans, 31 - preço: 2 francos. - Será remetida franqueada, contra remessa de uma ordem dessa quantia.
Hoje em dia, o manuscrito original pode ser comprado por centenas de libras em antiquários europeus (Nota 2 e figuras abaixo).
Capa do manuscrito original
Fragment de Sonate, dicté par l’Esprit Mozart à 
Monsieur Brion d’Orgeval, médium (Année 1859)


Parte I da imagem do fragmento de sonata com compassos numerados (clique na imagem para ampliar).

Parte II da imagem do fragmento de sonata com compassos numerados (clique na imagem para ampliar)

Referências
Sobre Érico Bomfim.

Nascido em 1991 no Rio de Janeiro e cursando (2012) o último ano de bacharelado em piano pela UFRJ. 






Nota 1
"Hoje, nove de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez e meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no lugar onde são executados os criminosos condenados ao último suplício, e por ordem do bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:

“A Revista Espírita, diretor Allan Kardec;

“A Revista Espiritualista, diretor Piérard;

“O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;

“O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;

“Que é o Espiritismo, pelo mesmo;

Fragmento de sonata ditada pelo Espírito de Mozart;

“Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Dr. Grand;

“A História de Joana d’Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance Dufaux;

“A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de Goldenstubbe.

“Assistiram ao auto de fé:

“Um sacerdote com os hábitos sacerdotais, com a cruz numa mão e uma tocha na outra;

“Um escrivão encarregado de redigir a ata do auto de fé;

“O secretário do escrivão;

“Um empregado superior da administração da alfândega;

“Três serventes da alfândega, encarregados de alimentar o fogo;

“Um agente da alfândega representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo.

“Uma inumerável multidão enchia as calçadas e cobria a imensa esplanada onde se erguia a fogueira.

“Quando o fogo consumiu os trezentos volumes ou brochuras espíritas, o sacerdote e seus ajudantes se retiraram, cobertos pelas vaias e maldições de numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição!

“Várias pessoas, a seguir, aproximaram-se da fogueira e recolheram cinza”. (A. Kardec, Revue Spirite, Novembro de 1861)
Nota 2  Entretanto, uma cópia do manuscrito apareceu em uma versão espanhola recente da Revue Spirite, volume 2 de 1859, p. 366-369 conforme a Ref. 2.




18 de março de 2012

O Espiritismo como forma de conhecimento (texto de Érico Bomfim)


Ao longo de nossos estudos no eradoespirito também podemos postar textos ou artigos originais de pessoas que tenham interesse em participar do blog. Este é um exemplo. Trata-se de um texto interessante para reflexão escrito por Érico Bomfim. Saiba mais sobre este autor no final do post. 

O Espiritismo se opõe frontalmente às tendências majoritárias da filosofia recente. Ao resgatar a sobrevivência da alma e a reencarnação, o Espiritismo é visto como uma verdadeira anomalia na história do pensamento; é visto como afinado com ideias antiquadas e primitivas, como sendo um aglomerado de velhas supertições. No entanto, como explica Kardec (2009a) “uma ideia não é supersticiosa senão porque ela é falsa; ela cessa de sê-lo desde o momento em que é reconhecida verdadeira. A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”.

É em razão de seu conteúdo, portanto, que o Espiritismo sofre ataques. Nunca em razão de sua forma. No entanto, os mais diversos conteúdos são examinados pelas ciências. Segue-se daí que não é o conteúdo que determina uma atividade humana como sendo uma ciência. É a forma. Explicamos.

Por forma, aqui, entendemos as estruturas de acordo com as quais constroem-se as diversas ciências, segundo a epistemologia contemporânea (ver Apêndice). Por conteúdo, entendemos o assunto abordado. Por exemplo, a Filosofia da Natureza, dos pré-socráticos, e as diversas ciências da natureza estudam, por vezes, os mesmos assuntos. No entanto, suas formas são diferentes. O nível de especulação na primeira é muito maior, porque o de observação é muito menor.

A observação restringe as teorias (muito mais do que as “comprova”). É por isso que confia-se muito mais nos postulados da astronomia do que nos da cosmologia pré-socrática. Pode-se dizer que a confiança que se tem na ciência se dá porque nela a observação dos fatos tende a não permitir que os equívocos se perpetuem. De fato, quando uma teoria está errada, espera-se que os fatos o mostrem.

O Espiritismo está para todos os sistemas metafísicos anteriores (religiosos ou filosóficos), assim como a astronomia está para a cosmologia pré-socrática. O Espiritismo é a primeira atividade humana a estudar o suprassensível pela forma científica. Todos os sistemas anteriores tinham um alto nível de especulação. A coisa é bastante simples: nunca antes houve uma ciência que perguntasse aos espíritos (após verificar sua existência* ) como é o seu mundo. É por fazer isso que os postulados espíritas gozam de tanta segurança. Negar o Espiritismo porque ele parece “anacrônico” ou “antiquado” seria como negar que o Sol é o centro do sistema solar porque Jesus não pode ter encarnado na periferia. Ora, se a Astronomia observa que o Sol está no centro do sistema solar, ele não se deslocará para satisfazer a um capricho cristão. Do mesmo modo, se os espíritos reencarnam e progridem, e se essas são leis do mundo espiritual, não deixarão de fazê-lo porque isso parece uma ideia ultrapassada. “A questão, pois, é saber se há, ou não, manifestações de espíritos”, porque, se houver, não deixará de haver porque são vistas como superstição. Mas ainda se fará uma objeção: será possível fazer ciência do que não se dá aos sentidos, mas está além desses; será possível fazer ciência do suprassensível?

A História, muitas vezes, nos fala de um passado do qual nós não tivemos a experiência e nem por isso deixa de ser ciência. A ninguém ocorre questionar que o Brasil se tornou independente de Portugal em 1822 por não poder vê-lo com seus próprios olhos. As manifestações espíritas equivalem aos documentos históricos, porque tanto as primeiras como os segundos nos pintam um mundo do qual nós não podemos ter conhecimento a não ser através deles.

Os críticos que unirem obstinação e ignorância extrema farão ainda um ataque final: “Como poderá haver ciência do sobrenatural, uma vez que este foge a quaisquer leis e regularidades, que são necessidades da atividade científica?” De fato, segundo Marilena Chaui (2010) a atitude científica “opera um desencantamento ou desenfeitiçamento do mundo, mostrando que nele não agem forças secretas, mas causas e relações racionais que podem ser conhecidas e que tais conhecimentos podem ser transmitidos a todos”.

Ora, todo aquele que está familiarizado com Kardec sabe que nada ilustraria melhor sua postura do que o trecho citado acima. Mas para os que ainda não o estão, deixemos que o próprio Kardec lhos mostre:
O Espiritismo repudia, no que lhe concerne, todo efeito maravilhoso, quer dizer, fora das leis da Naureza. Ele não faz nem milagres nem prodígios, mas explica, em virtude de uma lei, certos efeitos até hoje reputados como milagres e prodígios, e por isso mesmo demonstra sua possibilidade.(Kardec, 2009a) 
[O Espiritismo] diz e prova que os fenômenos sobre os quais se apoia não têm de sobrenatural senão a aparência. (…) Mas eles não são mais sobrenaturais que todos os fenômenos aos quais a Ciência hoje dá solução, e que pareceram maravilhosos numa outra época. Todos os fenômenos espíritas, sem exceção, são a consequência de leis gerais e nos revelam um dos poderes da Natureza, poder desconhecido, ou dizendo melhor, incompreendido até aqui, mas que a observação demonstra estar na ordem das coisas. (…) Aqueles que o atacam a esse respeito é porque não o conhecem(Kardec, 2009). 
O maravilhoso, expulso do domínio da materialidade pela ciência, entrincheirou-se no da espiritualidade, que foi o seu último refúgio. O Espiritismo, em demonstrando que o elemento espiritual é uma das forças vivas da Natureza, força incessantemente agindo concorrentemente com a força material, fez de novo entrar os fenômenos que dela ressaltam no círculo dos efeitos naturais, porque, como os outros, estão submetidos a leis. Se o maravilhoso foi expulso da espiritualidade, não tem mais razão de ser, e é então somente que se poderá dizer que passou o tempo dos milagres (Kardec, 2009b).
O Espiritismo, portanto, longe de se nutrir do sobrenatural, operou o desencantamento final do Universo.

Apêndice: alguns critérios para se avaliar uma teoria ou hipótese.

Aqui são expostos de maneira muito geral e extremamente simplificada alguns esboços dos critérios das principais teorias da filosofia da ciência contemporânea para se avaliar uma teoria ou hipótese:
  1. Popperiano: Para o filósofo da ciência Karl Popper, uma hipótese só é científica se for falsificável, isto é, apenas se houver algum fato que, se observado, a torne falsa. Uma hipótese que sabe-se de antemão que se encaixa em qualquer fato observável não é, portanto, tolerável na ciência. Por exemplo, se um criacionista diz que Deus forjou as provas da evolução para testar a nossa fé, é difícil imaginar qualquer fóssil ou qualquer prova da evolução que, se encontrado, convença-o de que sua hipótese é falsa. Ainda que se encontre um ancestral de uma espécie qualquer congelado e em perfeitas condições, o criacionista dirá que Deus criou aquela prova para testar a nossa fé. Não há qualquer fato que, se observado, torne a hipótese criacionista falsa, para um criacionista. Sua hipótese de que Deus criou as provas da evolução para testar a nossa fé se adapta a qualquer fato que se verifique, porque o criacionista alegará que Deus, sendo onipotente, pode ter criado qualquer prova da evolução, com aquele intuito de nos testar.
  2. Kuhniano: para o filósofo da ciência Thomas Kuhn, uma teoria resiste até que acumule anomalias, ou seja, fatos que ela não explica. Em outras palavras, quando observam-se diversos fatos que uma teoria não explica, essa teoria é substituída por outra em que os fatos se encaixem. A teoria em que os fatos se encaixam é parte de um paradigma estável, porque não acumulou anomalias.
  3. Lakatosiano: Para o filósofo da ciência Imre Lakatos, uma teoria é tão melhor quanto mais antecipa os fatos. Uma teoria que prevê os fatos, além de se adequar aos já observados, é considerada integrante de um programa de pesquisa progressivo. A teoria que faz previsões equivocadas e precisa de explicações adicionais para dizer por que errou, correndo assim atrás dos fatos, integra um programa de pesquisa degenerante.
(*) Não tratamos aqui das evidências da sobrevivência e da comunicabilidade dos espíritos. Este seria um assunto para muitos artigos.

Referências

Chaui M. (2010). “Convite à Filosofia”. Ed. Ática. São Paulo.
Chibeni S.. “O que é Ciência?”
Kardec A. (2009) . “O Livro dos Espíritos”. Ed. IDE. Araras, SP.
  • (2009a) “O que é o Espiritismo".  Ed. IDE, Araras, SP.
  • (2009b) “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”.  Ed. IDE, Araras, SP.

Sobre Érico Bomfim.

Nascido em 1991, no Rio de Janeiro e cursando (2012) o último ano de bacharelado em piano pela UFRJ.