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1 de fevereiro de 2024

Novidades sobre o Eletroma e campos morfogênicos

 

...todo remédio da farmacopeia humana é, até certo ponto, projeção de elementos quimioelétricos sobre as agregações celulares, estimulando-lhes as funções ou corrigindo-as, segundo as disposições do desequilíbrio em que a enfermidade se expresse.
A. Luiz [1]

Uma grande variedade de corpos se interpenetram e formam o corpo humano: o genoma como agregado de genes distribuídos, o proteonoma como agrupamento de elemento proteicos e muitos outros. O mais recente deles foi batizado de "Eletroma" [2] e é formado pelo agrupamento de elementos biológicos que são atuados pela eletricidade própria do organismo. Trata-se de um conceito relativamente novo em sua aplicação médica, porém, um assunto que já tem certa história. O objetivo de Luigi Galvani (1737-1798) com suas experiências elétricas e pernas de rã era estabelecer o papel da eletricidade nos organismos vivos.

A história porém está sendo reeditada com novas descobertas. Um exemplo são as pesquisas realizadas pela equipe do Dr. Michael Levin, que é diretor do Allen Discovery Center na Universidade Tufts [2b]. A reedição pode criar em uma verdadeira revolução na biologia e na medicina.

A equipe do Dr. Levin ressaltou o papel fundamental de campos elétricos na matéria viva que orientam o processo de formação de estruturas funcionais em embriões (girinos). Apresentam demonstrações experimentais em que a eletricidade é um tipo de "campo morfogênico" [3] para as células que participam da formação de embriões. 

Mas o que causa esses campos? Por enquanto, segundo a interpretação do Dr. Levin, eles são gerados pelas próprias células que, graças a um instinto inteligente primitivo  - uma espécie de "inteligência coletiva" - produz correntes elétricas e separação de cargas. Os campos criados pela separação das cargas induzem a formação apropriada de órgãos e outras estruturas menores "orientados" pelos campos elétricos. 

Uma parte considerável da explicação do Dr. Levin é que células contêm inteligência pela sua capacidade de resolver problemas no meio em que vivem. Cada célula de um tecido vivo sabe assim o que fazer conforme o ambiente em que seja colocada. Segundo esse pesquisador, elas "resolvem um problema computacional" enorme (como se tivem um tipo de "inteligência artificial") por meio dessa inteligência coletiva. Nesse processo, induzem à formação de padrões eletromagnéticos ou "campos bioelétricos configuracionais endógenos" [3] que foram registrados por equipamentos especiais desenvolvidos no centro coordenado pelo Dr. Levin. 

Para adiantar essas e outras conclusões, o emintente pesquidor utiliza a definição operacional de inteligência do famoso cientistas espiritualista ingles Willian James (1842-1910):
Inteligência é a capacidade de alcançar o mesmo objetivo usando meios diferentes.
Segundo o Dr. Levin [2b], um video de microscópio da bactéria Lacrymaria olor demonstra esse conceito. Um ser que não tem cérebro e nem sistema nervoso possui elevada competência na solução de problemas complexos em seu meio o que é intrigante, no mínimo. Assim, não importa o tipo de corpo em que a inteligência se manifeste: se o ser é inteligente ele tem competência para resolver problemas desde que confrontado com dificuldades e os estímulos apropriados. 

William James (1842-1910) pode ser invocado em uma definição operacional de inteligência que permite reconhecer essa propriedade mesmo em organismos unicelulares. 

Da Farmacêutica para a "Eletrocêutica"

Toda essa estória nos faz lembrar dos "campos morfogênicos" de R. Sheldrake [4] e, mais para trás no tempo, do "modelo organizador biológico" de Carlos A. Tinoco [5] e Hernani G. Andrade (1913-2003) [6] ou os campos "L" de Harold Saxton Burr (1889-1973). Antes, porém, que espíritas vejam nos campos elétricos morfogênicos do Dr. Levin uma comprovação das ideias de Sheldrake, Burr, Tinoco e Andrade, é preciso compreender as motivações das pesquisas do Dr. Levin que são bastante práticas. 

O objetivo é desenvolver novas formas de tratamento e regeneração de tecidos humanos, visando o projeto de futuros orgãos ou até membros no corpo humano. Não seria possível fazer crescer um novo braço em um amputado como aconteces nos axolotes? Além disso, algumas doenças como tumores poderiam ser tratados fazendo com que células tumorais reconhecessem o ambiente e passassem a se comportar como células normais com já se demonstrou em girinos... 

Para isso, separação de cargas (polarização) e campos elétricos específicos seriam "desenhados" ou "induzidos" por drogas específicas ou "quimioelétricas". Essas drogas seriam supridas por uma "eletroceutica" específica que começa pelo projeto de campos elétricos morfogênicos induzidas por elas. 

Consequências para a visão espírita

Feita essa introdução é possível especular com respeito à amplitude dessas descobertas recentes sobre o eletroma e o "corpo elétrico". Inicialmente, as conclusões sobre a importância dos "canais iônicos" [10] me fizeram lembrar do fragmento de texto citado no início deste post. Parece ser uma validação de uma ideia trazida por André Luiz em seu livro "A Evolução em dois mundos" [1]. Seria por isso que o autor espiritual já falava em 1958 sobre os "elementos quimioelétricos"? Mas nessa época, a descoberta do DNA e os avanços na genética destacavam a importância do "genoma" na formação do corpo humano. Não se via qualquer importância para a eletricidade no contexto da formação do corpo humano ou das doenças.

Notem bem a distância que essas novas descobertas [9] colocam a biologia: a morfogênese não se deve unicamente à ação de "genes" no "genoma" e reações bioquímicas, mas faz uso de um elemento invisível orientador e intermediário que é gerado no interior da matéria viva. Lembramos que campos elétricos são entidades físicas invisíveis e sem fronteiras definidas. O mecanismo de ação à distância que move íons e proteinas no citoplasma das células [8] é o conhecido "efeito de dieletroforese". Para a biologia, trata-se de um efeito "epigenético" que atua sobre as células fazendo-as modificar seu comportamento muito além do que está "programado"  pelos genes.

O primeiro passo dado em direção às consequências dos estudos do grupo do Dr. Levin para a visão espírita está na própria noção de inteligência que usa. Pois, se essa é definida como uma propridade sem referência ao tipo de "veículo de manifestação" (que é material), é que a inteligência é um princípio independente, o próprio "princípio inteligente" encontrado nas Questões 23-25 de "O Livro dos Espíritos" de A. Kardec.

Um dos experimentos do Dr. Levin  fornece a prova [2b]. Ao isolar células embrionárias que se tornariam a pele de um sapo, os pesquisadores da Universidade de Tufts descobriram que, ao invés de morrerem ou se desenvolverem como uma massa disforme de células de pele, elas se transformam em seres multicelulares novos, os Xenobots [7]. Esses nadam, se viram sozinhos em labirintos e até conseguem gerar novos xenobots pela assimilação de células da pele! Ou seja, é como se Xenobots tivessem uma "memória" de experiências passadas (que nunca teriam tido pela evolução Darwinista) quando não eram células de pele...

Assim, além da existência de um interface morfogênica, esses experimentos demonstram a existência do princípio inteligente em cada célula que compõe um organismo complexo. Cada célula de nosso corpo tem memória, inteligência e competência para resolver problemas desde que estimulada. É um ser a parte, que contribui com a sua "parte" no ambiente multicelular que  o envolve e cujo comportamento está apenas parcialmente "programado" nos genes que  carrega.

Ao mesmo tempo em que essas descobertas recentes parecem colocar um ponto final nos debates sobre "camposo morfogênicos", no meu entendimento, elas têm consequências tremendas para uma nova visão da vida e do papel do princípio inteligente (o espírito) na matéria.

Referências e comentários

[1] A. Luiz (1958). Evolução em dois Mundos, 2a  Parte 4a Ed. FEB.  Ver Cap. XIX.

[2]  V. Smink (2023) O que é electroma, rede do corpo humano recém-descoberta que pode revolucionar tratamento do câncer. Saúde "G1". Acessível em: https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/03/04/o-que-e-electroma-rede-do-corpo-humano-recem-descoberta-que-pode-revolucionar-tratamento-do-cancer.ghtml 

[2b] Youtube (2023). From Mind to Matter - Dr. Michael Levin. Ver vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Ed3ioGO7g10      

[3] Levin, M., Pezzulo, G., & Finkelstein, J. M. (2017). Endogenous bioelectric signaling networks: exploiting voltage gradients for control of growth and form. Annual review of biomedical engineering, 19, 353-387. Acesso aqui.



[6] H. G. Andrade. O psi quântico. Ed. Casa Editora Espírita "Pierre-Paul Didier". H. G. Andrade chamou esse campo de "CBM" ou "campo biomagnético" e acreditava ser possível induzir campos eletrostáticos em um "continuum" quadridimensional a partir de campos magnéticos. As descobertas modernas apontam para algo bem mais simples: os campos são eletrostáticos, porém, são estabelecidos por correntes de íons (os tais "canais iônicos") que existem em torno e dentro de qualquer célula viva. 

[7] Blackiston, D., Lederer, E., Kriegman, S., Garnier, S., Bongard, J., & Levin, M. (2021). A cellular platform for the development of synthetic living machines. Science Robotics, 6(52). Acesso aqui.

[8] Henslee, E. A. (2020). Dielectrophoresis in cell characterization. Electrophoresis, 41(21-22), 1915-1930.

[9] Nunn, A. (2023). We Are Electric: The New Science of Our Body's Electrome, by Sally Adee. Bioelectricity, 5(2), 147-149.

[10] Funk, R. H., Monsees, T., & Özkucur, N. (2009). Electromagnetic effects–From cell biology to medicine. Progress in histochemistry and cytochemistry, 43(4), 177-264.



2 de novembro de 2020

Comentários a um trabalho recente sobre psicografias


Fazemos aqui alguns comentários ao trabalho recente de Freire et al "Testando a alegada escrita mediúnica: um estudo experimental controlado", apresentado na lista de referências como a Ref. [1] e citado em [1b]. Nosso objetivo é fazer uma apreciação inicial dele, sobre como seus resultados podem ser interpretados diante de eventuais críticas ou contra-críticas - tanto espíritas como céticas.

Resumo

Por ser bastante elucidativo como apresentação, traduzimos abaixo o resumo de [1]:

Contexto: a mediunidade é entendida como um tipo de experiência espiritual em que uma pessoal (isto é , um médium) diz estar em comunicação com, ou sob o controle de seres espirituais. Nas últimas décadas, ressurgiram estudos sobre aspectos psicológicos, psiquiátricos e neurocientíficos da mediunidade, assim como estudos avaliando alegações de que médiuns podem obter informação anômala de pessoas falecidas.

Objetivo: avaliar a evidência da recepção de informação anômala de pessoas falecidas em textos produzidos através da alegada mediunidade de escrita (cartas psicografadas) sob rigorosas condições eperimentais de controle.

Método: oito médiuns e 94 consulentes participaram no estudo. Dezoito sessões de escrita mediúnica foram realizadas usando consulentes organizados em protocolo duplo-cego. Depois, cada consulente recebeu uma carta alvo e cinco cartas de controle pareadas por gênero e idade. Os consulentes pontuaram às cegas a acurácia das seis cartas tanto com conforme uma escala global como para cada um dos itens objetivamente verificáveis de informação apresentada nas cartas. Pontuações de cartas de controle e tratamento foram comparadas. 

Resultados: não houve diferenças na avaliação global e adequação específica das pontuações entre cartas de controle e alvo. Os médiuns envolvidos na pesquisa não foram capazes de mostrar evidências de fornecer informação anômala sobre pessoas falecidas sob condições de controle rigoroso. Discutimos sobre o estabelecimento de um compromisso razoável entre condições ecologicamente válidas e de controle.  

​Não foram poucos as pesquisas desde a época de Kardec que provaram que a mediunidade "não existe" com base em resultados negativos de experimentos. Mas, cada nova negativa sempre foi pontuada por manifestações mais ou menos extraordinárias, obtidas em condições de "inexistência de controle" ou com médiuns igualmente extraordinários que são, entretanto, muito raros.  O consenso presente, envolvendo as chamadas "ciências psi" é de que não é possível reproduzir facilmente (leia-se "replicar à vontade") o fenômeno. De qualquer forma, não foi objetivo do trabalho [1] "provar" qualquer coisa em relação à realidade do fenômeno ou demonstrar sua inexistência.

A seção "Discussão" de [1] discorre sobre três possíveis causas para o resultado negativo: i) que a mediunidade não existe; ii) que os médiuns usados não são, de fato, (bons) médiuns para produzir  fenômeno e; iii) não observância das "condições ecológicas" da manifestação pelo uso das condições de controle rigoroso. Os autores de [1] tomam a maior parte do espaço da seção citada discutindo sobre tais condições ecológicas, e sobre a influência negativa da presença dos consulentes "representantes" (proxy sitters).

Os autores propõem ser desnecessário usar de tais representantes porque "não há realimentação imediata enquanto um médium está escrevendo uma carta psicográfica", ou seja, não ocorreria "cold reading" (leitura fria), supostamente existente em sessões em que médiuns, estando face a face com seus consulentes, "leem mensagens ocultas" nas expressões e gestos  desses últimos, o que permitiria aos primeiros escreverem sobre os parentes falecidos. 

Em síntese: o protocolo usado é uma exigência da teoria cética da leitura fria como causa da mediunidade. Obviamente que isso gerou consequências para o resultado da pesquisa.

O problema da replicabiliade de "psi"

No contexto da parapsicologia, fenômenos psíquicos são explicados pela chamada "hipótese psi". Psi é concebido como uma causa difusa e desconhecida, que é supostamente captada pela mente humana nos "sensitivos".  Alguns parapsicólogos associam faculdades praticamente oniscientes a psi, que pode acessar o passado, o presente e o futuro, e é independente da distância. 

Além disso, psi se comporta como um deus caprichoso: não é possível garantir que atuará da mesma forma em todos os experimentos em que supostamente atuou, nem mesmo se agirá de fato. No trabalho "Porque a maior parte das descobertas em psi são falsas: a crise da replicabilidade, o paradoxo de psi e o mito de Sísifo" [2],  T. Rabeyron explora e fornece uma descrição atualizada das principais interpretações e trabalhos sobre psi. 

O problema da replicabilidade é a tendência observada em estudos (não só em parapsicologia, mas em psicologia e em medicina) de um determinado efeito "deixar de ser observado" ao se tentar replicá-lo posteriormente. Uma das causas imaginadas para isso são as chamadas "práticas de pesquisa questionáveis" que existiriam nos trabalhos iniciais de um pesquisa e deixariam de existir - com o suposto efeito - em trabalhos aprimorados posteriores. 

Conforme analisado por Rabeyron, esse não é, entretanto, o problema de psi. Houve muitas tentativas de replicação em parapsicologia, algumas em que o fenômeno se manifestou, enquanto outras não. O problema parece se relacionar com uma interferência do "observador" (ou experimentador), porque psi supostamente também interage com ele. O experimento do artigo [1], se interpretado segundo psi, seria mais uma instância do problema da replicabilidade. A situação é tão grave que o autor de [2] conclui ser impossível, simplesmente por repetição exaustiva de experimentos (dai a referência ao "Mito de Sísifo"), demonstrar de forma satisfatória o efeito e nem sua causa:

O problema subjacente é que, mesmo se um efeito significativo seja encontrado a cada passo, não há como concluir nada sobre a natureza do efeito e, consequentemente, não há como se produzir conhecimento científico sobre a fonte de psi: ele provém dos participantes? Do experimentador? Ele tem origem em cada experimentador separadamente? Ou ele é uma influência mais forte do primeiro que analisa os dados? Ou, talvez, daquele que projetou o experimento? [2]
O "efeito do declínio" ou "desparecimento de "psi" é então entendido como um problema de replicabilidade genuíno devido à interação do experimento com o experimentador:  
Um experimento de psi é como um ovo onde a casca encerra um sistema organizado fechado. Pode ser possível manter o efeito psi desde que esse envólucro organizacional não seja rompido, isto é, desde que o ovo não seja quebrado para ver o que há dentro. Nessa interpretação, as interações de psi são possíveis desde que o observador não interfira no sistema. Uma vez feito isso, "o jogo acabou". Isso explicaria porque a fonte de psi não pode ser determinada precisamente porque o processo de determinação destruiria as condições necessárias para a emergência de psi. [2]

É importante reconhecer que, em nenhum momento, o trabalho [1] considera a hipótese "psi". Porém, para a comunidade científica em que ele se insere, o resultado podem ser interpretados em função da replicabilidade de psi (ou seja, fora da "hipótese da sobrevivência").

Apelo a Kardec

Numa época em que se fala tanto de Kardec nos meios espíritas (o que é muito bom), como ele procedia nesse tipo de pesquisa? Certamente, não usava o método de "grupo de controle e tratamento" para analisar mensagens psicografadas. Seu procedimento foi desenvolvido ao longo de 15 anos de investigações. Consistia essencialmente  na observação comparada do ambiente onde o fenômeno ocorria na presença de médiuns. Kardec sempre esteve ciente de que o fenômeno, para acontecer, depende de inúmeros detalhes e não apenas do(s) médiun(s). 

Sua advertência justificada em fatos é:

Os fenômenos espíritas diferem essencialmente dos das ciências exatas: não se produzem à vontade; é preciso que os colhamos de passagem; é observando muito e por muito tem­po que se descobre uma porção de provas que escapam à pri­meira vista, sobretudo, quando não se está familiarizado com as condições em que se pode encontrá-las, e ainda mais quando se vem com o espírito prevenido. (Grifos nossos) [3]
Ao longo de mais de uma década, Kardec desenvolveu uma espécie de intuição ou sensibilidade sobre quem seria um bom médium para cada tipo de mediunidade possível. Então, passou a convidar pessoas que ele julgava por essa intuição para as sessões da Sociedade Espírita. É óbvio que, dispondo de bons médiuns desde essa perspectiva e conhecendo as condições de ocorrência do fenômeno [3b], ele conseguiu resultados extraordinários. 

Finalmente, é importante ressaltar a postura de Kardec em suas pesquisas. Ele não considerava a sobrevivência como uma mera "hipótese de trabalho", nem buscou orientar seu trabalho de forma a ressaltar a comunicação com "supostos falecidos". O impacto que essa postura tem sobre o sucesso das manifestações ainda merece ser estudado.

Os médiuns julgados

Recomendamos vivamente ao leitor a leitura do artigo "Médiuns julgados" na Revue Spirite de janeiro de 1858 [4]. Nele Kardec analisa um caso de não replicabilidade obtida com médiuns americanos (ou seja, isso não acontece apenas com "médiuns brasileiros" como destacado em [1b]). Para não cansar nosso leitor, destacamos desse artigo um importante comentário de Kardec:
Essa experiência prova, uma vez mais, da parte de nossos adversários, a absoluta ignorância dos princípios sobre os quais repousam os fenômenos das manifestações espíritas. Entre eles há a idéia fixa de que tais fenômenos devem obedecer à vontade e reproduzir-se com a precisão de uma máquina. Esquecem completamente ou, melhor dizendo, não sabem que a causa deles é inteiramente moral e que as inteligências, que lhes são os agentes imediatos, não obedecem ao capricho de ninguém, sejam médiuns ou outras pessoas. Os Espíritos agem quando e na presença de quem lhes agrada; freqüentemente, quando menos se espera é que as manifestações ocorrem com mais vigor, e quando as solicitamos elas não se verificam. (Grifos nossos) [4]
Eis ai boa parte da razão para a não replicabilidade dos fenômenos psi dada por Kardec em 1858. O leitor deve notar que não estamos a falar nada novo, mas de algo que, logo nas primícias da Codificação, era conhecido. 

Essa descoberta original de Kardec confirma as conclusões do trabalho de Rabeyron [2], porque nunca se produzirá conhecimento sobre a verdadeira causa de psi enquanto não se souber exatamente o que ele é. E não há como saber o que ele é, pois, em grande parte dos experimentos "projetados" para isso, ele se recusa a manifestar...

Conclusão

Com relação ao trabalho [1] nossa conclusão, baseada na seção "Discussão", é que os autores consideram relevante o problema da manutenção das "condições ecológicas" para a replicação positiva do efeito buscado. Tais condições ecológicas concordam com a necessidade de observar ou medir o fenômeno onde ele ocorre, sem amarras metodológicas e sem impor condições que possam destruir a manifestação. Isso concorda com as conclusões de Kardec logo no início da Codificação.

O que então aconteceu? Pode ser que o resultado negativo não se deve à presença dos consulentes proxy (como grupo) sem força de vontade suficiente para permitir comunicação, mas à própria tentativa de forçar comunicações, o que não agradou aos responsáveis "do lado de lá". Pode ser também que alguém (uma única pessoa) tenha atuado como escolho ao experimento (ou várias pessoas). Dado a descrição que fazem dos médiuns (de que eles são considerados bons em relatos "anedóticos" de sessões), a ideia de que a culpa seria deles é mais remota. A "hipótese da sobrevivência" é um fundamento que gera inúmeras consequências: se há comunicação, pode não ser o caso que ela seja possível no intervalo de tempo projetado para o experimento: "é preciso que sejam colhidas de passagem", como diria Kardec.

Se existem problemas de percepção da excelência mediúnica em grupos espíritas no Brasil, eles não serão resolvidos pela aplicação da metodologia do trabalho comentado aqui. Como na época de Kardec, não será simplesmente pela separação entre grupos em "controle" e "tratamento" dos recipientes das mensagens que se resolverá esses problemas. 

Do ponto de vista epistemológico, um experimento é sempre um resultado de uma teoria que tem determinadas hipóteses subjacentes. É importante, entretanto, prever ou considerar o risco de que uma metodologia, baseada em hipóteses que não correspondem à realidade do fenômeno, pode se tornar um escolho para a manifestação dele. Portanto, deve-se considerar protocolos que anulem todas efeitos que não a "hipótese nula", porém, não demais ao ponto de destruir todas as condições para a manifestação dessa mesma hipótese.  

De forma geral: é plenamente justificável em algumas ciências (como é o caso da fisiologia, medicina, sociais etc) estabelecer controles para tornar evidente um efeito. A ideia é que, a aleatorização de amostras e a separação entre grupo de controle e tratamento, elimine todas as condições externas que não aquelas ligadas ao efeito que se pretende tornar relevante. Mas, o que acontece se o fenômeno depender de condições externas para ocorrer? É uma consequência lógica (ou seja, independente da ciência em particular) que, nesse caso, o efeito a ser pesquisado desaparece, não se observando diferenças entre grupo de controle e de tratamento. 

A história da fenomenologia mediúnica mostra que médiuns extraordinários são muito raros. A regra geral é que mesmo excelentes médiuns não podem ser encontrados facilmente. E mais, ainda na presença desses, eles não são capazes de fornecer comunicações conforme desejos ou caprichos dos sitters

Dos problemas discutidos aqui, o mais grave, segundo nosso entendimento, é tentar forçar comunicações. É provável que, mesmo médiuns medianos, comunicações excelentes sejam possíveis, desde que observadas as condições naturais e não forçadas de ocorrência. 

É quando se pretende encerrar o fenômeno dentro de um quadro ou contexto pré-definido que ele deixa de ocorrer. E isso é válido tanto nos ambientes de pesquisa acadêmica do assunto como provavelmente nos muitos ambientes espíritas (independente da nacionalidade) em que comunicações são buscadas "a qualquer preço". 

Referências e comentários adicionais

[1] E. S. Freire et al. Testing alleged mediumistic writing: An experimental controlled study. EXPLORE, 2020. https://doi.org/10.1016/j.explore.2020.08.017

[1b] J. Sampaio (2020). Muitos resultados negativos na análise de cartas psicografadas por médiuns brasileiros. Disponível em: http://espiritismocomentado.blogspot.com/2020/10/muitos-resultados-negativos-na-analise.html (acesso em outubro de 2020)

[2] Rabeyron, T. (2020). Why most research findings about psi are false: the replicability crisis, the psi paradox and the myth of Sisyphus. Frontiers in Psychology, 11, 2468. https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2020.562992/full (Acesso em outubro de 2020)

[3] A. Kardec. O que é o Espiritismo? Capítulo I - Pequena conferência Espírita, Primeiro diálogo - O crítico. Versão www.ipeak.com

[3b] Tanto isso é verdade que, em inúmeras passagens da Revue Spirite, Kardec registra sempre ter pedido autorização a S. Luís para invocar os Espíritos. Ela sabia muito bem que não se pode forçar comunicações, pois são vários os impecilhos para sua ocorrência genuína.

[4]  A. Kardec (1858). Revue Spirite. Os Médiuns julgados. Janeiro de 1858, p. 50. Versão FEB disponível em https://www.febnet.org.br/ba/file/Downlivros/revistaespirita/Revista1858.pdf (acesso em outubro de 2020).


24 de novembro de 2019

Espiritismo, ciência e materialismo


The day science begins to study non-physical phenomena, 
it will make more progress in one decade than 
in all the previous centuries of its existence. (N. Tesla) 
O Espiritismo, na forma com que foi codificado por Allan Kardec, apresenta uma grande quantidade de conhecimento e informações que apenas foram marginalmente compreendidos. Sua contraparte científica - sem querer apresentá-lo como uma disciplina, mas como uma visão de mundo - foi explicitada por Kardec em diversas passagens de sua obra. Com relação ao seu caráter progressivo, por exemplo, explica Kardec:
"O Espiritismo, portanto, não estabelece como princípio absoluto senão o que é demonstrado com evidência, ou o que ressalta logicamente da observação. Abrangendo todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio de suas próprias descobertas, ele assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, sejam de que ordem forem, que tenham atingido o status de verdades práticas e que tenham saído do domínio da utopia, sem o que ele suicidar-se-ia. Deixando de ser o que é, ele mentiria à sua origem e ao seu objetivo providencial. Marchando com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrassem que está laborando em erro num ponto, modificar-se-ia nesse ponto; se uma nova verdade se revela, ela a aceita." [1]
Entretanto, muitas pessoas leem essa e outras passagens de uma forma apressada. É preciso reconhecer antes de tudo que as verdades as quais a Doutrina Espírita se refere são raramente reconhecidas como 'objeto de pesquisa' no sentido comum desse termo. A ciência moderna e sua enorme especialização fez do elemento material seu maior objeto. Assim, apenas em algumas poucas 'interfaces' entre a manifestação da matéria e do espírito é que pode haver algum reconhecimento desde o ponto de vista dessa ciência dedicada à matéria.

A busca por novos fenômenos nessa interface é ainda prejudicada pela necessidade de recursos materiais. Em um contexto de explosão demográfica e consequente aumento da demanda por esses recursos, faz sentido levantarem-se vozes que tentarão obstar qualquer dedicação ao tema. Tal como no estado em que se encontrava o estudo dos fenômenos materiais, quando a sociedade não reconhecia a importância dos benefícios da pesquisa, a sociedade e a comunidade científica atual (com algumas exceções) - na sua política de investimento em pesquisa - não reconhece ainda os benefícios que uma incursão de pesquisa no mundo do espírito traria à Humanidade. 

Em parte, essa situação se deve ao estabelecimento de uma aliança entre a ciência (entendida como a visão de mundo da comunidade de cientistas) e o materialismo. Do fato de a ciência estudar a matéria não deve seguir necessariamente que ela deva ser materialista em sua crença. Na prática das ciências, entretanto, alguns pressupostos paracientíficos são utilizados que podem se basear em uma visão não religiosa (e até antirreligiosa) do mundo. As vezes isso é visto inclusive como algo necessário para uma suposta 'isenção' por parte dos cientistas.

Por exemplo, dado um fenômeno natural, é disseminada a crença que sua origem deve sempre ser associada a uma ocorrência ou fato natural, entendido esse como uma força 'naturalmente' explicada. Como tal, essa força não tem 'propósito', 'inteligência' ou 'direção': ela é 'cega'. Essa recorrência faz com que coisas naturais sejam sempre explicadas em termos 'naturais' como em um sistema fechado que tem a Natureza como seu universo. Nas ciências humanas, entretanto, a causa dos fenômenos são entidades inteligentes (o homem, o grupo social, a comunidade etc), de forma que apenas nesses casos é que causas não naturais são reconhecidas de uma forma evidente. 

Em sua essência, o reconhecimento da existência dos fatos psíquicos ou mediúnicos esconde de forma indissociável o reconhecimento de uma fonte inteligente e independente da matéria bruta como causa dos fenômenos. Esse reconhecimento tornou possível a Kardec (e os que, após ele, seguiram essa orientação) prever uma série de novos fatos e fornecer explicações para a não reprodutibilidade, inteligência, diretividade e aparente aleatoriedade associada a tais fatos. Entretanto, não é um passo trivial reconhecer a existência dessa nova fonte de fenômenos.

Assim, uma nova ordem de causas 'naturais' deve ser reconhecida na Natureza, a das inteligências 'incorpóreas' que, dispondo de uma interface para se manifestarem quando querem, são a origem de um grande número de fatos que, ao longo da história humana, passaram como sobrenaturais, miraculosos ou extraordinários. Eles somente são considerados assim porque sua presença está oculta, não obstante ser ubíqua. Para uma fonte tão diferente de causa, será necessária uma metodologia completamente nova de pesquisa. É por isso que exportar métodos das ciências ordinárias não trará novos resultados. É necessário desenvolver uma ciência completamente nova que parte de princípios próprios. Sem reconhecer a existência desses princípios, qualquer pesquisa ou estudo dos fenômenos psíquicos será sempre uma atividade frustrante ou mal compreendida. 

Referência

[1] "Revue Spirite", setembro de 1867, Parágrafo 55, 'O caráter da revelação espírita'.

22 de maio de 2019

Sobre a existência dos Espíritos: diferença entre percepção e observação (I)

Cena do livro "Emperor of Thorns"  (Arte da obra por
Broken Empire Omnibus ed. Jason Chan)
Podemos dizer com toda a certeza que o problema da aceitação da existência dos Espíritos - enquanto forças externas a nós - pode ser colocado em uma forma semelhante ao problema da aceitação da existências de coisas não observáveis pela Ciência. Já discutimos esse problema aqui neste blog, quando apresentamos um artigo de P. Churchland [1] onde esse autor descreve o chamado "movimento Browniano" como uma das evidências para a existência de átomos. Por muito tempo, a questão sobre a existências de átomos foi debatida, mas somente foi definitivamente aceita com avanços mais recentes da física moderna. 

A questão da existência dos Espíritos parece ser um capítulo parecido numa obra sobre a "aceitação dos invisíveis", ou seja, sobre a existência de entidades que não sensibilizam diretamente os sentidos humanos comuns. Assim, há coisas no mundo que, não obstante existirem, não são percebidas por nós diretamente. Mas, como podemos estar certos de que elas de fato existem?  Quais são as condições de sua aceitação? 

A história recente da Ciência é uma progressão de evidências que acabaram por nos separar definitivamente da ideia de que somente aquilo que podemos perceber diretamente existe [2]. A existência dos Espíritos adiciona um novo capítulo porque não parece haver por enquanto qualquer meio (instrumento, [2b]) capaz de transmitir a nós a sensação da existência deles.

Obviamente, o problema não existe para os que sentiram ou sentem a presença os Espíritos. Os sentidos humanos, desde que expandidos (como no caso da mediunidade) podem percebê-los. Em nossa discussão inicial, nos referimos aos sentidos humanos ordinários para depois abordar a questão dos sentidos expandidos. Trataremos disso em um último post de uma série de três. 

O assunto é interessante e envolve uma mudança mais ou menos radical na noção do senso comum de acreditar nas coisas. De fato, essa mudança se verificou ao longo de diversas ciências (como a física e a química), que foram "obrigadas a crer" em coisas que não podem ser observadas diretamente, mas que existem. 

Diferença entre percepção e observação

É necessário, antes de tudo, distinguir entre 'percepção' e 'observação' dos fenômenos da Natureza. 
Uma percepção nada mais é que um estado mental (ou seja, um estado privado ao indivíduo que percebe) que não implica diretamente em qualquer conhecimento próprio sobre aquilo que é percebido [2c]. 
Exemplo: vejo um lápis em um copo com água, ele parece quebrado. Mas sei que o lápis não está quebrado de fato. A visão do lápis quebrado é uma imagem que se forma na minha mente, mas que não corresponde ao conhecimento que tenho sobre o lápis. 

As ciências antigas (antes do renascimento) eram muitas vezes baseadas em percepções dos sentidos. Mas, mesmo os antigos já sabiam que os sentidos são facilmente enganados. Para que uma percepção gere conhecimento, ela deve estar acompanhada de outras informações sobre a coisa percebida. Esse conhecimento pregresso é muitas vezes obtido de diferentes maneiras e representa um tipo de concepção própria pré-existente do mundo (que pode ser herdado, aprendido etc). De certa forma,  nossa percepção é revestida dessa informação adicional para que aquilo que sentimos seja aceito como verdadeiro de fato.

As ciências modernas são baseadas nas chamadas 'experiências sensíveis' que são, verdadeiramente, observações [3]. De forma geral, podemos dizer que observações incluem as percepções dos sentidos, mas não se restringem a elas [2c] porque as observações são guiadas por algo mais.

Entretanto, podemos argumentar que as ciências modernas em nada modificaram a necessidade das percepções quando instrumentos foram desenvolvidos para permitir que os invisíveis (no sentido amplo) se tornasse 'visíveis', ou seja, acessíveis aos sentidos humanos.  De fato, instrumentos são úteis em Ciência porque eles permitem [2c]: 
  • Melhorar a acurácia da percepção;
  • Padronizar as observações feitas através deles.
Considere a imagem da Figura 1. Ela é o registro de vírus da Hepatite A conseguida por meio de um microscópio eletrônico. Se não tenho como ver um vírus com meus olhos, com o microscópio posso inclusive medir o seu tamanho em uma escala e compará-lo ao de outros objetos igualmente invisíveis a sua volta. 
Fig. 1 Imagem de um microscópio mostrando vírus da Hepatite A. Como posso estar certo de que  essa imagem realmente corresponde a um vírus da Hepatite A? Mais ainda, ela é uma prova de vírus existem? 
Entretanto, penso de forma ingênua quando acredito que minha percepção foi apenas expandida quando observo essa imagem do vírus pelo microscópio. Somente devo acreditar que a imagem corresponde mesmo ao vírus se souber como o microscópio funciona, ou seja, sou obrigado a crer em uma sequência grande de suposições, aproximações e informações que justificam categoricamente que aquela imagem é mesmo da tal entidade (o vírus) invisível. 

Ora, todas essas coisas adicionais não são obtidas exclusivamente por meio de observações e, muito menos, percepções. Elas resultam de estudos em inúmeras outras ciências que, muitas vezes, nada tem a ver com o objeto que percebo através do instrumento. Esse conjunto de raciocínios, aproximações e informações é conhecido como teoria e constitui elemento fundamental de uma observação científica:
Uma observação é um procedimento complexo no qual tanto a percepção como um prejulgamento de natureza teórica concorrem para produzir uma afirmação a respeito da coisa observada, o que inclui sua própria existência, caso ela não seja percebida pelos sentidos [2c]. 
Uma maneira de tentar salvar nossa crença exclusiva nas percepções (o popular "ver para crer") é justamente só aceitar como existindo aquilo que é validado por nossas percepções e rejeitar qualquer coisa que venha por meio de uma teoria. Mas, ao se fazer isso:
  • Somente aquilo que é percebido é real;
  • Qualquer observação, para ser válida, deve ser reduzida a uma percepção.
Portanto, aceitar esse ponto de vista leva a rejeição de quase tudo que a ciência moderna descobriu. Não é possível aceitar uma observação por instrumentos porque elas não envolvem apenas percepções. Logo, não há como escapar à conclusão:
Ao se aceitar a existência de entidades não observáveis (os invisíveis) estamos também obrigatoriamente aceitando a teoria que postula sua existência e as teorias por meio das quais os instrumentos de sua observação são validados.
De forma simbólica:
A existência de uma entidade I (invisível) implica na aceitação da teoria T para a qual I existe. O oposto também vale: ao se aceitar uma teoria T para a qual I existe, também aceitamos a existência de I
Assim, a imagem do vírus da Hepatite A (Fig. 1) não constitui a única prova da existência desse vírus. De fato, se ela não estivesse disponível, a medicina ainda acreditaria na existência dos vírus como entidades necessárias para explicar uma quantidade grande de patologias. Em ciência muitas vezes não é necessário que provas sensíveis existam (de forma a sensibilizar os sentidos humanos, ainda que por meio de aparelhos) para que as causas dos fenômenos sejam aceitas.

Esse tipo de postura é chamada realista, mas trata-se de um tipo específico de realismo que agora nada tem a ver com o realismo ingênuo das meras percepções. Assim, por exemplo, tenho toda razão em rejeitar que aquela imagem seja mesmo a da entidade invisível (o vírus da Hepatite A na Figura 1) se a teoria que explica como ela é gerada estiver errada. Isso pode acontecer se o instrumento de medida estiver com defeito, por exemplo [5]. A maior parte das pessoas aceita a imagem, entretanto, por uma crença ingênua que dispensa entender os aspectos teóricos envolvidos.

Por causa de certo preconceito adquirido, nossa tendência é desejar que o "senso de realidade" das coisas invisíveis seja o mais parecido possível com aquilo que percebemos através das percepções. Essas estão originalmente associadas à maneira primitiva como nós aprendemos sobre o mundo a nossa volta. Trazemos uma representação desse mundo na mente que foi inteiramente adquirida por meio das percepções. Essa representação é reforçada por estímulos externos que frequentemente nos alcançam (pelos mesmos sentidos), de forma que tomamos como real apenas aquilo que nos chegam exatamente por eles.

A dependência de nossa crença pelas teorias

A conclusão que tiramos sobre a dependência crucial que a crença em coisas invisíveis tem da teoria que as postula aumenta consideravelmente a importância das teorias como mecanismos de apreensão da realidade a nossa volta.

De fato, uma teoria tem como características [2c]:
  • Uma explicação logicamente suficiente sobre fatos ou objetos observados,
  • O máximo que se pode exigir de uma teoria é que ela seja compatível com os dados existentes,
  • Não necessariamente, uma teoria é uma explicação "cogente" [4] do objeto que explica.
Em outras palavras, quando aceitamos uma teoria como base para a crença na existência de coisas invisíveis (os não observáveis) estamos de fato dando um "salto no escuro" porque não temos meios adicionais (exceto pelos próprios dados disponíveis que são limitados) de "comprovar" que aquela teoria é, de fato, verdadeira.

Fig. 2 Síntese dos conceitos descritos aqui: a observação como resultado das percepções guiadas com argumentos de natureza teórica que leva ao conhecimento.
Entretanto, nem tudo o que uma determinada teoria admite como existindo para explicar um ou mais fenômenos na Natureza necessariamente tem sua existência na realidade. Assim a entidade I postulada pode ser apenas um "instrumento teórico" necessário para a explicação e nada mais. A questão do realismo é presentemente um debate com aspectos profundos porque levanta dúvidas por parte dos que são céticos dessa postura realista. Entretanto, permanece com grande força o argumento: se as entidades teóricas postuladas não existem de alguma forma, como é possível que teorias científicas tenham tamanho sucesso preditivo?

No próximo post: realismo e ceticismo.

Referências e Comentários

[1]  Como a parapsicologia poderia se tornar uma ciência. (P. Churchland).

[2] Uma ponto de vista sobre as coisas conhecido como "realismo do senso comum": somente o que pode ser observado é "real".

[2b] Há diversas evidências sobre a ação dos Espíritos em equipamentos eletrônicos. O fenômeno das "Vozes Eletrônica" é um desses casos que merecem melhor investigação. Entretanto, salvo contrário, não se pode deixar de qualificá-los como um tipo de mediunidade de efeitos físicos que ainda prescinde da presença humana para sua manifestação.

[2c] Agazzi, E., & Pauri, M. (Eds.). (2000). The reality of the unobservable: Observability, unobservability and their impact on the issue of scientific realism (Vol. 215). Introduction by E. Agazzi e M. Pauri. Springer Science & Business Media.

[3] Eis uma importante face da revolução do renascimento: a invenção da ciência moderna que viria a fundamentar a crença na observação (como definido acima) e na teoria.

[4] Diz-se de um argumento expresso de forma clara e que é capaz de persuadir as pessoas. Suas premissas são verdadeiras, mas a conclusão é apenas provavelmente verdadeira.

[5] Nesse caso, a imagem produzida terá sido alterada de forma mais ou menos substancial por outros fatores que não fazem parte da "explicação normal" da teoria do microscópio. É óbvio que uma teoria verdadeiramente abrangente do microscópio conseguirá prever inclusive o efeito de fatores que gerem os defeitos.


1 de dezembro de 2018

Notícias de trabalhos científicos para o Movimento Espírita: novembro 2018


Grübelei/Liszt por Érico Bomfim (novembro de 2018)

Imagem do vídeo de Érico Bomfim contendo a mais nova versão de Grübelei por Brown/Liszt. Clique na imagem para acessar o video.
A conhecida médium inglesa Rosemary Brown, uma das mais importantes mediunidades musicais no Século XX, compos uma peça em frente às câmeras de TV ditada pelo Espírito de Liszt. Diz-se que críticos musicais ficaram bastante impressionados com o feito, dado que a música refere-se ao estilo tardio de Franz Liszt e não ao de suas composições popularmente mais conhecidas. 

Diversas versões de Grübelei foram lançadas e podem ser achadas no youtube. Agora, um músico brasileiro acaba de gravar uma nova versão. Para ouvir a belíssima composição mediúnica tocada por Érico Bomfim (disponível no Youtube):


Mais sobre Rosemary Brown: A colaboração Schubert-Rosemary Brown.
Lançamento de "A Sobrevivência da Alma em Foco" 

Recebi de Jáder Sampaio o Vol. 8 da "Série Pesquisas Brasileiras sobre Espiritismo" editado pela CCDPE que contém a coletânea de textos do 14o ENLIHPE  realizado em 2018. Esse livro traz artigos interessantes de pesquisas científicas recentes em mediunidade e história do Espiritismo que foram apresentados na reunião deste ano.

Sem prejuízo aos diversos autores que contribuiram para a obra, considero particularmente interessante destacar o trabalho de natureza empírica em mediunidade "Experimentos de Evocação de Pessoas Falecidas por Meio do Método de Varredura Medianímica" de Raphael V. Carneiro e L. P. de Souza. Trata-se de uma proposta inovadora para a pesquisa em mediunidade, que visa extrair o máximo de informação de um grupo de médiuns, principalmente naqueles que não dispõem de colaradores com mediunidade muito extensiva. Essa proposta é interessante porque pode ser replicada por qualquer grupo sério de médiuns nos inúmeros centros espíritas que existem no país. 

Interessados em adquirir a obra podem consultar o site do CCDPE.

Dados de "A Sobrevivência da Alma em Foco".

  • Série Pesquisas Brasileiras Sobre o Espiritismo – Vol. 8
  • Organizadores Jáder dos Reis Sampaio e Marco Antônio F. Milani Filho
  • Autores Diversos
  • Gênero: Cursos e Estudos
  • Assunto: Estudos e Pesquisas
  • Idioma: Português
  • Editora: CCDPE-ECM
  • ISBN: 978-85-64907-09-6
  • Número de Páginas: 272
  • Tamanho: 16,00 x 23,00 cm

14 de agosto de 2013

Reflexões sobre uma pseudociência espírita (crítica a um texto CEPA 2012)

Muitos indivíduos, entretanto, mantêm uma visão ingênua da ciência baseado nas seguintes assunções: i) Fatos estão disponíveis diretamente a observadores sem preconceito por meio dos sentidos; ii) Fatos vem antes e não dependem de uma teoria; iii) Fatos constituem uma base sólida e confiável para o conhecimento. Essas assunções tentam explicar a certeza na ciência. Se analisadas com cuidado, entretanto, elas não não têm sentido. (The theory laden observation, super fun...?. Mikesphilosophyblog)

O texto "Reflexões sobre uma ciência espírita" (1), que foi publicado na última reunião da CEPA em 2012, é uma tentativa de se construir uma crítica à ciência espírita, conforme definida por Kardec. Mas, essa crítica parte de uma noção de ciência ultrapassada, que não pode ser aplicada à ciência tal como a conhecemos hoje em dia.

É importante ressaltar que este post é sobre teorias da ciência, sobre teorias do conhecimento, a chamada 'epistemologia da ciência', que pode ser aplicada tanto ao estudo do que está bem estabelecido (as chamadas 'ciências ordinárias') como aquelas que ainda não tiveram tanta sorte, como no caso das ciências psíquicas. Essa aplicação exige considerável tempo de estudo e meditação, conhecimento abrangente do assunto, que é inerentemente complexo. Em suma, é necessário, muitas vezes, formação em uma ciência em particular (2) para que o candidato a epistemólogo 'sinta na pele' o que é verdadeiramente fazer ciência.

O autor de (1) pede que não se cite Kardec em qualquer réplica ao trabalho dele. Ele, certamente, tem razão, uma vez que isso realmente não é necessário. Iremos nos concentrar exclusivamente nos conceitos epistemológicos aventados nesse texto, que podem ser comparados ao que é modernamente conhecido sobre eles.

Uma visão indutivista ingênua

Destacamos algumas frases colhidas de (1) que demonstra um ponto de vista indutivista ingênuo (naïve inductivism):
...a ciência possui características que a distinguem das demais instâncias do conhecimento e a posicionam de forma clara como um saber essencialmente objetivo, experimental e metódico. (p. 2) 
Uma ciência deve pautar-se pelo exame dos fenômenos observados, seu objeto, por meio de experimentos orientados por métodos rigorosos que sustentem alguma garantia demonstrativa das hipóteses formuladas. (p. 4) 
Enfim, para uma proposta científica, que não prescinde de observações que garantam a adequada aplicação da indução, não parece que o tamanho da amostra seja significativo para a consecução de qualquer conclusão acerca do objeto estudado. (grifos meus, p. 8)
A ênfase na 'objetividade', no caráter metódico e experimental caracteriza e define o preconceito indutivista e sua visão de ciência. O indutivista realmente acredita que conhecimento científico genuíno e verdadeiro pode ser gerado a partir de suas 'induções' que requerem um grande número de observações e induções, se possível feitas da maneira mais 'isenta' e 'controlada' possível. Isso é patente no texto (1), onde a palavra 'teoria' ou 'paradigma' não é utilizada pelo autor em suas concepções de ciência. Um indutivista jamais concederá a uma teoria qualquer valor, porque ele acha que abordagem dos fenômenos deve ser feita 'sem preconceito' e uma teoria é uma visão preconceituosa da natureza para ele.

É importante que nossos leitores prestem atenção para essa visão de ciência, pois ela é a base que será usada em (1) para acusar Kardec de ter criado um 'imbróglio epistemológico'. Um verdadeiro imbróglio realmente surge ao se adotar a visão indutivista e ultrapassada de ciência, que não concede às teorias a importância que têm na gênese do conhecimento científico.

Continuando nesse caminho, lemos em (1):
A experiência é a pedra angular do conhecimento científico. Todas as hipóteses jamais passarão disso se não forem corroboradas por experimentos que demonstrem sua pertinência. (p.2)
Toda e qualquer ciência começa com uma teoria e não uma
observação experimental. Em física, por exemplo, é impossível
montar experimentos sem uma teoria que diga como fazer isso.
Como dissemos, a palavra 'teoria' não tem nenhum papel a desempenhar em (1). Ela é substituída por 'hipóteses' que devem ser rigorosamente 'corroboradas por experimentos'. Acontece que qualquer estudante de epistemologia sabe que 'experimentos' só podem ser feitos na linguagem de uma teoria (3). Por causa disso, aprendizes de uma ciência passam anos sendo 'doutrinados' no domínio de várias teorias em particular (um curso de física, por exemplo, dura, no mínimo quatro anos)  Apenas depois que eles demonstrarem domínio da teoria, é que conseguem propor e executar experimentos.
Destarte, é necessário que o objeto a ser perscrutado pelo pesquisador seja passível de verificação empírica, caso contrário não se poderá falar em ciência. (p.2)
O que é passível de verificação empírica é dependente demais da teoria e do estágio de desenvolvimento tecnológico para que seja erguido a 'objeto' de uma ciência. O autor de (1) não percebe que esse empiricismo extremado já se demonstrou em desacordo (3) com o desenvolvimento das ciências. Felizmente, epistemólogos modernos já conseguiram desatar esse 'nó empiricista' que limita severamente o que pode ser estudado cientificamente, além de algemar o processo de pesquisa a uma noção idealizada de rigor e objetividade. Porém, entusiastas do cientificismo ainda acreditam piamente nele.
O método é o que faz um conjunto de fatos observados tornar-se conhecimento científico, pois é o método científico que estipula um conjunto de regras e técnicas com base nas quais devem ser feitos os estudos que se proponham científicos. (p. 3)
Não é o 'método' que torna fatos em ciência, mas uma teoria. Conforme já aventamos (4):
...é a teoria ou paradigma que confere status de ciência a um conjunto de fatos observados, é o paradigma que estipula as regras e procedimentos que devem ser seguidos para se montar experimentos, propor instâncias de observação etc. E, conforme a teoria, tal é a visão que se tem dos fatos. Na grande maioria dos empreendimentos científicos, foi a assunção preliminar de hipóteses e a tentativa de elaboração de teorias que permitiram a construção de novos equipamentos e métodos de investigação. Um exemplo clássico foi o desenvolvimento da teoria atômica na química, não obstante os blocos constituintes da matéria – os átomos – (que são hoje os ingredientes fundamentais de qualquer descrição química da Natureza), não tivessem sido “observados” experimentalmente até a década de 1930.  A doutrina do atomismo, desenvolvida a partir de noções elementares de antigos filósofos gregos, tornou-se crença científica nos séculos que se seguiram ao renascimento na Europa. Reações químicas eram vistas como evidência indireta da natureza fragmentada da matéria a partir de elementos que se combinavam microscopicamente , embora provas diretas dos átomos jamais existissem. (p. 3) 
Ainda sobre a questão de objeto de estudo, encontramos em (1):
É interessante notar que em todas essas ciências particulares o objeto é empírico, ou seja, passível de verificações factuais a partir de metodologias específicas adequadas a cada objeto. As especialidades científicas conseguem “fazer falar” seus respectivos objetos." (p. 4)
Claramente confunde-se o 'objeto' de uma ciência em particular com os fenômenos que ele gera. É objetivo da física estudar 'átomos' ou 'moléculas', desvendar as leis que regulam a interação entre esses constituintes não observáveis do universo (5). Isso é feito através do estudo de fenômenos. Não é objetivo da física simplesmente 'estudar fenômenos' (isso é apenas uma maneira polissêmica de se usar a palavra 'estudo'), mas sim as suas causas. Repetimos: o objeto de estudo da física é, na verdade, os átomos ou suas leis de interação, através dos fenômenos. O leitor deve se atentar para essa importante distinção de escopo, porque ela é a base para a confusão que analisamos a seguir.

Consequências para a ciência espírita.

É com essa visão de ciência que o autor de (1) passa a criticar a proposta de Kardec:
Afinal, não há demonstrações objetivas da existência de espíritos, pois, em verdade, os espíritos seriam uma hipótese a ser verificada, se possível, do fenômeno observado por Kardec e por tantos outros, jamais um “ponto de partida”.(p. 5) 
No caso espírita, o fenômeno observado não é o espírito, que se enquadraria então não como objeto, mas como hipótese daquilo que se pesquisa. (p. 6)
Que objeto poderia, então, fundamentar uma ciência espírita? Aquilo que Kardec chama de fenômeno mediúnico. E apenas isso. (p. 15)
A crítica nesses moldes feita a Kardec, poderia se aplicar plenamente à existência de átomos, conforme discutimos anteriormente. Afinal, quais são as 'demonstrações objetivas' para a existência de átomos e moléculas? Imagens modernas de microscópio de força atômica? Mas, esses microscópios, eles mesmos jamais teriam sido construídos se a 'hipótese' (na terminologia do artigo (1)) da existência átomos não tivesse sido admitida à principio. Essas entidades foram assumidos como existindo na criação de partes e componentes dos microscópios, o que, ou torna a existência delas suspeita, ou invalida a ideia de que o objeto de estudo de uma ciência corresponde apenas aos fenômenos. Portanto, espíritos não tem demonstração sensorial, assim como várias outras entidades não têm: não apenas em átomos, mas campos magnéticos, elétricos, partículas elementares, forças escuras, campos gravitacionais, energias, genes etc. Mas, isso não é problema algum para a ciência ao contrário do que pensa o autor de (1).
Manifestações “inteligentes” podem e são estudadas por outras especialidades científicas, que propõem hipóteses mais coerentes com o fenômeno observado, haja vista não lançarem mão de proposições imateriais para a explicação desses fatos, que caracteriza o princípio lógico da navalha de Ockham. (p. 6)
Não se detalha quais seriam as 'outras especialidades científicas' que estudariam as manifestações inteligentes, mas, diante do quadro apresentado em (1), as causas dessas manifestações podem todas ser reduzidas aos átomos e suas interações que seriam as 'hipóteses mais coerentes', afinal, se não são espíritos ou forças inteligentes independentes, só podem ser os próprios átomos (igualmente invisíveis, mas materiais) nas diversas teorias materialistas da mente em moda na atualidade. É interessante ver o conceito 'navalha de Ockham' (6) na frase acima. Ela parece corroborar a noção simplória de que teorias não são necessárias em ciência, mas que experimentos devem ser feitos para se decidir sobre 'hipóteses' e de que, quando mais de uma hipótese está no páreo, deve-se escolher a mais simples, sem se especificar o que é 'simplicidade' nesse caso (6).

Conclusões

A visão exposta em (1) condena não só a ciência espírita de Kardec, mas toda a ciência moderna ao obscurantismo, a uma época onde apenas aquilo que se podia olhar, ouvir, cheirar ou degustar seria chamado de 'objeto digno de pesquisa'. Julgamos que essa proposta descaracteriza o conhecimento científico tal como o conhecemos, o que explica o título deste post.

Um microscópio de força atômica para 'ver' átomos .
 Esses dispositivos só puderam ser concebidos, 
montados e testados porque uma teoria
que assumia a existência de átomos foi aceita por princípio. 

O erro de se considerar como escopo de uma ciência somente seus fenômenos está na base de várias tentativas fracassadas de se tratar fenômenos psíquicos, dentre elas a metapsíquica de Richet (4) e a parapsicologia (7). O horror a hipóteses e teorias nesse último caso é a causa principal da estagnação desse campo de pesquisa (8).

Para se apreciar corretamente a fenomenologia mediúnica é preciso aceitar integralmente a teoria espírita criada por Kardec, da mesma forma que, para se apreciar corretamente fenômenos físicos é preciso conhecer e aceitar a teoria física que os explique. Infelizmente, no caso das ciências da matéria, estudantes passam anos se dedicando a absorver conceitos e princípios teóricos antes de vislumbrarem qualquer contribuição que possam fazer, muito menos ainda ousar contestar a teoria. Não nos parece fazer sentido rejeitar todo um paradigma científico e querer contribuir, de fato, na explicação de seus fenômenos particulares sem apoio de uma teoria. Repetimos, não existe ciência sem aceitação tácita de uma teoria.

O espírito ou princípio espiritual tem propriedades que não se confundem com a matéria ordinária. Por isso, uma ciência especial deve ser desenvolvida para lidar com ele e com sua interação com a matéria. Os princípios dessa ciência estão contidos na teoria espírita (queiram ou não, é o melhor que temos, por enquanto). Por causa dessa diferença de objeto, é um absurdo querer julgar o caráter científico dessa nova teoria simplesmente invocando-se um empiricismo a partir dos sentidos ordinários que servem exclusivamente à matéria.

Invocar a navalha de Ockham para decidir questões em ciência sem antes conhecer a fundo suas consequências e diversas interpretações pode ser altamente enganoso. Deve-se levar em conta a complexidade das teorias científicas modernas, onde o 'mais simples' parece ser uma questão de estética,  gosto pessoal, preconceito ou falta de conhecimento de um assunto. Graças a Deus, a natureza é o que é e não nos pede permissão para decidir sobre o que deve existir ou não no universo.

Notas e referências

(1) S. Maurício Pinto (2012). Reflexões sobre uma ciência espírita, XXI Congresso Espírita Pan-Americano, Santos, São Paulo.

(2) Por causa da natureza peculiar e independente de seu objeto de estudo, recomenda-se formação em uma "ciência da Natureza" (física, química, biologia etc) e não qualquer outra disciplina que receba essa denominação independente desse objeto.

(3) Chalmers, A. (1999). What is this thing called Science, 3rd Edition. Cambridge: Hackett Publishing Company, Inc.

(4) Xaver A. (2013, Reflexões sobre a ciência espírita, J. Est. Esp. 1, 010202.

(5) Da mesma forma, diríamos que é papel da genética estudar os 'genes' e suas leis (entidades invisíveis responsáveis pelas características de seres vivos) e não apenas os seres que carregam esses genes. Na química, é objeto de estudo estudar as leis que regulam a interação entre moléculas em diversos meios, soluções etc através de reações químicas etc.

(6) O que é conhecido como 'navalha de Ockam' parece ter sido criado como mito no Século 17 e atribuído ao filósofo medieval Guilherme de Ockham (1287-1347), e pode ser expressada pelo aforismo "Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem". Em outras  palavras, que se deve manter a simplicidade e não se multiplicar desnecessariamente o número de causas numa explicação. Ao longo do tempo, esse princípio foi estudado na filosofia por vários pesquisadores. Fora dos círculos acadêmicos e, mais especificadamente nos debates que ocorrem na web entre céticos e os proponentes da fenomenologia psíquica, a 'navalha de Ockam' é usada como arma retórica para defender determinados pontos de vista. Um materialista, por exemplo, pode invocar esse princípio para negar a existência da alma ou princípio espiritual, porque assim não se estaria 'multiplicando as causas'. Entretanto, há vários contra exemplos que desqualificam o argumento ou que o modificam para invocar um ideal de 'simplicidade' de outra maneira. Por exemplo, um espiritualista, por outro lado, poderia invocar a navalha de Ockham e postular a existência da alma ou espírito para salvar qualquer teoria da mente que se tornaria extremamente complexa sem o princípio espiritual. Quem tiver interesse em estudar seriamente a navalha de Ockham deve consultar:
(7) Esse assunto foi tema de vários posts aqui:

15 de maio de 2013

Jornal de Estudos Espíritas

"Não se pode contestar a utilidade de um órgão especial, que ponha o público a par do progresso desta nova Ciência e o previna contra os excessos da credulidade, bem como do ceticismo." (A. Kardec, Revista Espírita, Introdução, Janeiro de 1858.)

Um novo periódico espírita, o Jornal de Estudos Espíritas (JEE), será lançado em breve, como fruto de esforços na direção de se discutir e desenvolver o aspecto verdadeiramente científico do Espiritismo. Ele tem como principal editor o Alexandre Fontes da Fonseca que, numa iniciativa pioneira, materializa o fruto de o sonho de se ter uma revista voltada para o Movimento Espírita, nos moldes de revistas acadêmicas. Esse novo periódico receberá contribuições de vários setores do movimento, por autores que estejam interessados em divulgar seus trabalhos de pesquisa tanto em Ciência Espírita em si como na fronteira entre o Espiritismo e as ciências.

Importante! O volume I de 2013 não está fechado. O JEE recebe continuamente artigos em seus volumes. No que segue, colhemos algumas informações (em azul) diretamente acessíveis pelo site.

Do projeto do JEE

O Jornal de Estudos Espíritas (JEE) é um projeto piloto de um periódico espírita em moldes acadêmicos destinado à divulgação de pesquisa original em Espiritismo. Seu escopo é amplo e abrange tópicos puramente doutrinários e multidisciplinares em que outras áreas do conhecimento humano possam contribuir para o progresso do Espiritismo em quaisquer um dos seus aspectos científico, filosófico e religioso. De modo similar às revistas científicas e acadêmicas, o JEE adotará a metodologia de seleção de artigos conhecida como método de análise por pares (também conhecido pela sua expressão em inglês: peer review) em que árbitros ou pareceristas anônimos são convidados para analisar a validade de cada artigo de acordo com um conjunto de critérios previamente definidos. Embora alguns periódicos e coletâneas espíritas já realizem a aplicação dessa metodologia em maior ou menor grau, o presente projeto apresenta uma nova revista que: 


Imagem da seção com instruções aos autores para submissão de trabalhos.

i) seguirá moldes similares aos de revistas científicas e acadêmicas profissionais; 
ii) servirá a todo o movimento espírita de modo independente de qualquer sociedade, instituição ou órgão federativo espírita; e 
iii) será gerida e editada apenas por espíritas que possuem experiência acadêmica profissional de pesquisa.

Mais informação: Jornal de Estudos Espíritas.

Da missão do JEE

O JEE tem como missão estimular a pesquisa espírita séria que, com base nos fundamentos da Doutrina Espírita, desenvolva o caráter progressivo do Espiritismo valorizando-o na forma como foi revelada pelos bons Espíritos ao tempo de Kardec. Isso, por sua vez, contribuirá para a formação de uma massa crítica de pesquisadores espíritas capazes de desenvolver uma tradição de pesquisa espírita. 

Mais informação: Projeto JEE.

Das seções do JEE

O JEE possui três seções principais: comentários; artigos regulares; e artigos reproduzidos. A primeira consiste de breves comentários a respeito de artigos já publicados no JEE, publicados em outras revistas, resenhas de livros ou erratas. A segunda consiste dos artigos de pesquisa propriamente ditos. A terceira consiste da republicação de artigos considerados pelos Editores interessantes para o aspecto científico e progressista do Espiritismo.

Mais informações: Seções do JEE.

Volumes do JEE

Acesse a seção com o I volume do JEE.

Está aberto o recebimento de novas contribuições para os próximos volumes do JEE.

Se você tiver interesse em enviar algum trabalho ou contribuição ainda em 2013 (Volume I), acesse o site e veja as instruções para os autores. Veja os tipos de contribuição diretamente nas seções do JEE. Ajude a construir no movimento espírita a tradição de pesquisa para o desenvolvimento da nova ciência do Espírito.

O JEE será lançado oficialmente durante o próximo 9o. ENLIHPE.

Referências

Veja uma entrevista com Alexandre Fontes em: Espiritismo Comentado. (Junho/2013)


4 de março de 2013

Convite antecipado para participação do 9o ENLIHPE (2013)


Desde 2003, o Encontro Nacional ENLIHPE tem sido o espaço de encontro da LIHPE - Liga de Pesquisadores do Espiritismo. A Liga é um grupo virtual de pessoas interessadas no estudo do Espiritismo nos moldes acadêmicos. Isto quer dizer que se estuda a temática espírita de acordo com regras acadêmicas. Os membros não necessitam ser espíritas para participar, basta que respeitem os códigos de conduta do grupo e obviamente tenham interesse no Espiritismo.

A LIHPE foi criada para incentivar o registro e discussão da história do Espiritismo, e aos poucos, foi agregando interessados que trabalhavam na fronteira entre o Espiritismo e as chamadas áreas do conhecimento: filosofia, física, psicologia, ciências sociais, antropologia e muitas outras.

Desde seu fundador, Eduardo Carvalho Monteiro, percebeu-se que apenas o intercâmbio à distância é insuficiente para estabelecer grupos de trabalho e aproximar os membros. Foi então criado o ENLIHPE, que é o encontro nacional, este de caráter presencial.

São Paulo abriu as portas para o ENLIHPE, especialmente o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - CCDPE, que é uma casa fundada com o esforço de muitas pessoas e o acervo bibliográfico e documental do Eduardo, doado após a morte.

Há cinco anos as paredes do Centro de Cultura têm recebido membros da LIHPE e outros interessados dos quatro cantos do país. Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Piauí, Ceará, Bahia e Goiás são alguns dos estados que já enviaram representantes ou expositores, ou mesmo participantes para o evento. Houve a presença de um antropólogo italiano na participação do evento e o intercâmbio posterior possibilitou a publicação de um trabalho monográfico na área da antropologia em seu país.

Se você tem algum trabalho na fronteira entre o Espiritismo e as ciências reconhecidas pelo CNPq e até outras não reconhecidas (como é o caso da parapsicologia), comece a preparar seu artigo para submissão. O ENLIHPE ocorre tradicionalmente em Agosto (este ano ocorrerá em 24-25 de Agosto) de forma que ainda tem muito tempo para participar. Evite, porém, deixar para a última hora. Mais informações sairão no site da LIHPE: