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5 de fevereiro de 2016

O texto mais importante do "Evangelho segundo o Espiritismo"

"A luz do Tabor". C. H. Bloch (1800).
O consolador... ele vos ensinará todas as 
coisas e vos fará lembrar tudo o que disse. (João, 14:26)

O que o homem destroi ou mata, 
a lei de Deus (que é a lei da Natureza) 
recria e reconstrói em outro lugar.

Qual é o texto mais importante no "Evangelho segundo o Espiritismo" (ESE)? Por "importância" entendemos um grau de relevância que certamente depende do momento que vivemos. Sugerimos aqui a leitura de um texto exemplar, motivado não só pelos ataques terroristas recentes em nome da religião, mas também pelos sempre presentes problemas humanos da sobrevivência e significado da vida.

Lançado por Allan Kardec em 1864 como uma nova interpretação dos Evangelhos, o "Evangelho segundo o Espiritismo" (ESE) (em frances L'Évangile Selon le Spiritisme) é um compêndio de máxima de Cristo interpretadas de acordo com o ensinamento dos Espíritos no contexto dos movimentos espírita e espiritualista que apareceram na Europa no último quartel do século XIX.  

Mas aqui um situação curiosa se nos apresenta. Os ensinos dos Espíritos sempre foram rejeitados pela imensa maioria das denominações cristãs (protestantes e católicas), tanto com base nas implicações desses ensinos (aceitação da reencarnação, por exemplo, é vista como a negação desses credos), como nas proibições existentes no Velho Testamento de se invocar Espíritos. Se Espíritos não podem ser invocados é porque eles existem, mas, ainda assim, a proibição foi mantida como um dogma que contrasta claramente com tantos outros abandonados pela sociedade moderna. Além disso, a internet complicou ainda mais a situação porque agora podemos contactar muitas outras pessoas ao redor do planeta, pessoas que pertencem a culturas com ideias muito diferentes em questão de religião, o que reduz ainda mais a importância de se manter uma postura dogmática.

Ao invés disso, o ensino dos Espíritos expõe o ridículo e o erro das interpretações presentes dos ensinos de Cristo e de muitas outras religiões dogmáticas que vieram depois. O Espiritismo é o novo consolador, o "advogado" que veio para restabelecer todas as coisas e relembrar o que Cristo disse, mas que foi esquecido. Avanços na ciência tornaram tópicos como mediunidade e reencarnação possibilidades tangíveis a continuamente ameaçar religiões estabelecidas de base dogmática. Que visão religiosa poderia atualizar o pensamento diante das conquistas da ciência? Que nova doutrina pode fornecer bases sólidas para a aceitação dos ensinos de Cristo depois de tantas interpretações equivocadas? 

ESE Capítulo 2: Meu Reino não é deste Mundo. "Um ponto de vista". 

Na seção que abre o Capítulo 2 ("Meu Reino não é deste Mundo"), "A Vida Futura", Kardec esclarece porque o assunto desse capítulo é de maior importância:
Esse princípio pode, portanto, ser tomado como o eixo do ensino do Cristo, pelo que foi colocado num dos primeiros lugares a frente desta obra. É que ele tem de ser o ponto de mira de todos os homens; só ele justifica as anomalias da vida terrena e se mostra de acordo com a justiça de Deus. 
Aceitar e entender bem a vida futura é um ponto crucial, uma "bifurcação" de pensamento que está destinada a mudar a Humanidade para sempre. Sem considerar a falta de aceitação universal desse princípio, a sobrevivência é a única possibilidade de acordo com a Justiça Divina ("Ninguém poderá ver o Reino de Deus se não nascer de novo", ESE Capítulo 4 e Fig. 1).  A outra opção é o materialismo e a não existência eterna. Com a certeza na vida futura - assim como os detalhes de sua realidade ("de uma maneira clara e precisa") - fornecida de forma científica, a Humanidade alcança um novo patamar, uma nova compreensão da vida bem como outro objetivo.

Fig. 1 A noção da reencarnação é a chave para se reestabelecer o significado original dos ensinamentos de Cristo e para se sustentar a ideia básica da justiça Divina, não importa sua consequência para o dogma estabelecido. Ver ESE, Capítulo 4. O que o homem destrói e mata, a lei de Deus (que é a lei natural) recria e reconstrói em outra parte. 

O texto abaixo intitulado "Ponto de Vista" foi escrito por Kardec e representa uma argumentação brilhante que sumariza as consequências e as implicações lógicas da sobrevivência. Lembramos que esse texto foi escrito antes de 1864, portanto antes da fundação da "Sociedade de Pesquisa Psíquica" em Londres pelos pais fundadores da pesquisa psíquica ou do movimento teosófico. Esse trecho do ESE testifica a profundidade de pensamento de Kardec já no terceiro quartel do século XIX como conclusão de sua própria pesquisa no assunto.
A ideia clara e precisa que se faça da vida futura proporciona inabalável fé no porvir, fé que acarreta enormes consequências sobre a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual encaram eles a vida terrena. Para quem se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é indefinida, a vida corpórea se torna simples passagem, breve estada num país ingrato. As vicissitudes e tribulações dessa vida não passam de incidentes que ele suporta com paciência, por sabê-las de curta duração, devendo seguir-se-lhes um estado mais ditoso. À morte nada mais restará de aterrador; deixa de ser a porta que se abre para o nada e torna-se a que dá para a libertação, pela qual entra o exilado numa mansão de bem-aventurança e de paz. Sabendo temporária e não definitiva a sua estada no lugar onde se encontra, menos atenção presta às preocupações da vida, resultando-lhe daí uma calma de espírito que tira àquela muito do seu amargor. 
Pelo simples fato de duvidar da vida futura, o homem dirige todos os seus pensamentos para a vida terrestre. Sem nenhuma certeza quanto ao porvir, dá tudo ao presente. Nenhum bem divisando mais precioso do que os da Terra, torna-se qual a criança que nada mais vê além de seus brinquedos. E não há o que não faça para conseguir os únicos bens que se lhe afiguram reais. A perda do menor deles lhe ocasiona causticante pesar; um engano, uma decepção, uma ambição insatisfeita, uma injustiça de que seja vítima, o orgulho ou a vaidade feridos são outros tantos tormentos, que lhe transformam a existência numa perene angústia, infligindo-se ele, desse modo, a si próprio, verdadeira tortura de todos os instantes. Colocando o ponto de vista, de onde considera a vida corpórea, no lugar mesmo em que ele aí se encontra, vastas proporções assume tudo o que o rodeia. O mal que o atinja, como o bem que toque aos outros, grande importância adquire aos seus olhos. Àquele que se acha no interior de uma cidade, tudo lhe parece grande: assim os homens que ocupem as altas posições, como os monumentos. Suba ele, porém, a uma montanha, e logo bem pequenos lhe parecerão homens e coisas. 
É o que sucede ao que encara a vida terrestre do ponto de vista da vida futura; a Humanidade, tanto quanto as estrelas do firmamento, perde-se na imensidade. Percebe então que grandes e pequenos estão confundidos, como formigas sobre um montículo de terra; que proletários e potentados são da mesma estatura, e lamenta que essas criaturas efêmeras a tantas canseiras se entreguem para conquistar um lugar que tão pouco as elevará e que por tão pouco tempo conservarão. Daí se segue que a importância dada aos bens terrenos está sempre em razão inversa da fé na vida futura.
Mas "se toda a gente pensasse dessa maneira, dir-se-ia, tudo na Terra periclitaria, porquanto ninguém mais se iria ocupar com as coisas terrenas" continua Kardec, como que prevendo uma contra-argumentação na forma de um moderno mergulho na "idade das trevas" com a aceitação da sobrevivência. Contra isso, Kardec considera: 
Não; o homem instintivamente, procura o seu bem-estar e, embora certo de que só por pouco tempo permanecerá no lugar em que se encontra, cuida de estar aí o melhor ou o menos mal que lhe seja possível. Ninguém há que, dando com um espinho debaixo de sua mão não a retire, para se não picar. Ora, o desejo do bem-estar força o homem a tudo melhorar, impelido que é pelo instinto do progresso e da conservação, que está nas leis da Natureza. Ele, pois, trabalha por necessidade, por gosto e por dever, obedecendo, desse modo, aos desígnios da Providência que, para tal fim, o pôs na Terra. Simplesmente, aquele que se preocupa com o futuro não liga ao presente mais do que relativa importância e facilmente se consola dos seus insucessos, pensando no destino que o aguarda. (Parágrafo 6)
Além da defesa de Kardec do bem estar do homem citado acima, poderíamos acrescentar a importância de se compreender bem as condições operacionais da vida futura. Pois ela não é um estado conseguido de graça, não pode ser igualada à entrada em um paraíso ou, do contrário, a um estado de eterna separação do bem eterno conforme ainda ensinam muitas concepções cristãs. O esforço contínuo que a alma deve fazer para progredir torna cada segundo bem gasto nesta vida material uma benção e uma oportunidade que nunca deve ser desprezada. Para Espíritos ainda em evolução - uma condição de praticamente toda a Humanidade - a vida futura é, de certa forma, uma garantia de retorno à vida material, de forma que quanto mais o ser se dedica a melhorar a si mesmo, ajudando os outros, tanto mais rápido ele é capaz de se libertar deste mundo. Do contrário, quanto mais uma pessoa susta o progresso destruindo, matando ou prejudicando seu próximo, tanto mais lenta será sua capacidade de lidar com a vida futura: ele terá que restituir tudo o que destruiu porque assim exige a lei Natural.

Não existe avanço instantâneo da alma, não há entrada fácil na "Glória Eterna" e isso é, compreensivelmente, bastante combatido pelo pensamento cristão tradicional. Entretanto, é ainda mais claro que a vida futura, entendida em dimensão mais dilatada, dificilmente imporá à Humanidade um retorno a uma idade de descuidados com a vida material. Ao invés disso, a evolução requer cuidado e atenção com a presente vida em todos os aspectos, tanto morais como materiais. 

Referências

(1) A. Kardec. "O Evangelho segundo o Espiritismo. As citações do ESE apresentadas neste texto foram reproduzidas de versões do site www.ipeak.com.br.

22 de janeiro de 2012

Crenças Céticas XVIII - O que o ceticismo dogmático produz de útil ?

Um tema que passa muitas vezes despercebido nas discussões céticas versa sobre as consequências de longo prazo da postura cética em relação aos fenômenos psíquicos e, porque não, com outras ocorrências anômalas que sabemos existir no mundo. De forma mais geral, quais são as consequências práticas do ceticismo, se principalmente dogmático, para o avanço do conhecimento humano? Será que ele é capaz de produzir algo útil, além de mais adeptos a sua escola? 

Se tivéssemos que investir tempo e recursos para a pesquisa de novos fenômenos, de novas realidades além do que conhecemos de forma ordinária, no que investiríamos: numa postura que aceita a realidade deles ou que os nega de forma peremptória? Qual dessas posturas será capaz de fazer nosso conhecimento avançar com relação a esses fenômenos? Podemos também encarar essa última questão como a proposta para uma competição: daqui para frente veremos quem consegue, seguindo cada qual sua maneira de encarar as coisas, realmente produzir algo útil.

Porque conhecimento só tem valor se for útil

Não há nenhuma dúvida de que a ciência moderna só conseguiu chegar no ponto de desenvolvimento presente porque ela se constituiu em um método capaz de gerar conhecimento útil. Hoje, o desenvolvimento científico só acontece a partir de uma decisão de investimento. Depois de uma descoberta científica, qualquer que seja ela, a pergunta crucial é: ok, o que podemos fazer de bom com isso? Qualquer fundo privado, por exemplo, somente irá investir em ideias que se possam mensurar em termos de retorno financeiro, desde que produzam algo que tem valor para alguém, algo que pode ser "comercializado". Isso se torna ainda mais forte em períodos de crise econômica e aversão ao risco.

Alguns analistas erroneamente consideram que a tecnologia moderna é fruto de uma ciência cética e materialista. Isso está longe de ser verdade. O desenvolvimento tecnológico é fruto da ciência aplica e de decisões de investimento calcadas em análises de mercado onde o objetivo é certamente o lucro financeiro. Empresas organizam suas atividades de "P&D" (pesquisa e desenvolvimento) de forma a maximizar o retorno de capital em projetos de pesquisa que tragam claramente vantagens de crescimento para a empresa. Portanto, aquilo que se oferta em tecnologia depende da existência de claras oportunidades de mercado. A existência de mercados para determinados produtos tecnológicos, impulsiona o desenvolvimento da ciência aplicada em um ciclo virtuoso, mas que eventualmente tem o seu fim com a descoberta ou desenvolvimento de novas tecnologias. 

Desta forma, grande parte do avanço tecnológico moderno está sendo feito a partir de pesquisas aplicadas dentro de corporações privadas, onde o conhecimento gerado dificilmente se torna público. Assim, há uma grande quantidade de conhecimento genuíno e útil fora do ambiente acadêmico, o que torna difícil defender o ponto de vista limitado de que avanços tecnológicos foram frutos de pesquisas acadêmicas tão somente. Esta última é, majoritariamente, apoiada por recursos estatais, onde as decisões de investimento são tomadas a partir de outros critérios (por exemplo, acadêmicos) que não o da utilidade pública ou do mercado.


Por que essa discussão é importante? Em um sentido mais amplo, nossa postura sobre o mundo também pode ser vista como uma decisão de investimento. Essa é, por si só, uma maneira pragmática de se decidir no que acreditar. Trata-se de se escolher aquela postura que fará o conhecimento não somente crescer, mas produzir algo prático à sociedade. Por 'conhecimento útil' entendemos assim o conhecimento que seja capaz de:
  • Gerar mais conhecimento que, por sua vez, também deve ser útil a alguém;
  • Gerar métodos ou procedimentos capazes de melhorar a vida das pessoas.
Historicamente, céticos (um exemplo é Carl Sagan) tem se colocado contra o estudo da fenomenologia psíquica por entenderem que ele deriva de uma maneira arcaica de ver o mundo. Muitos céticos extremados acreditam-se investidos da função de críticos contrários a essa visão arcaica e irracional que estaria ameaçando nossa sociedade. Criaram um duelo fictício entre uma sociedade tecnologicamente avançada e outra que se torna marginalizada por conta na crença na existência de fatos e coisas que eles consideram sem fundamento. A utilidade, assim, desse ceticismo, seria livrar a sociedade moderna do 'perigo de se retornar à idade das trevas', que se constitui, claramente, numa crença sem fundamento e até mesmo ingênua. Outros céticos  temem, na verdade, que recursos financeiros sejam desviados de seus temas preferidos de pesquisa e conhecimento. 

Uma busca minuciosa por uma aplicação prática desse tipo de ceticismo dificilmente resultará em algo além da proposição 'livrar as pessoas da ignorância, evitar com que a sociedade caia de novo nas trevas, evitar que sejamos enganados' e coisas desse tipo. O medo maior de todo cético extremado é 'ser enganado', esquecendo-se que ele se engana a si mesmo. 

O ceticismo exagerado é, pois, uma postura infértil, incapaz de gerar conhecimento útil e que só serve para cumprir determinados propósitos fechados em si mesmo.

Do que a história do ceticismo está cheia.

A. R. Wallace (1) descreve num relato breve o maior papel desempenhado pelo ceticismo na história do desenvolvimento tecnológico e científico moderno. É possível assim traçar, na história da Ciência, o verdadeiro papel desempenhado por essa maneira peculiar de ver o mundo.
"Não é necessário mais do que referir-se aos nomes universalmente conhecidos de Copérnico, Galileu e Harvey. As grandes descobertas que fizeram, como sabemos, foram violentamente combatidas por todos os seus contemporâneos do meio científico, para quem elas pareceram absurdas e inacreditáveis; mas nós temos exemplos igualmente contundentes muito mais próximos aos nossos dias. Quando Benjamin Franklin trouxe o assunto dos condutores de raios ante a Sociedade Real, ele foi ridicularizado como se fosse um sonhador, e seu artigo não foi aceito para a revista Philosophical Transactions. Quando Young propôs suas provas maravilhosas da teoria ondulatória da luz, ele foi igualmente vaiado como absurdo pelos populares escritores científicos de sua época[1]. A revista Edimburg Review exortou o público a colocar Thomas Gray “em saia justa” por sustentar a praticabilidade das estradas de ferro. Sir Humphrey Davy riu da ideia de Londres ser sempre iluminada com gás. Quando Stephenson propôs empregar locomotivas nas estradas de ferro de Liverpool e Manchester, os homens instruídos colocaram em evidência a impossibilidade de se locomover a doze milhas por hora. Outra grande autoridade científica declarou ser igualmente impossível navios a vapor oceânicos cruzarem o Atlântico. A Academia Francesa de Ciências ridicularizou o grande astrônomo Arago quando ele desejou discutir sobre o assunto do telégrafo elétrico. Médicos ridicularizaram o estetoscópio quando ele foi descoberto. Operações sem dor durante o transe mesmérico foram consideradas impossíveis, e depois imposturas. 
Mas um dos mais formidáveis, por se tratar de um dos mais recentes casos de oposição, ou pelo menos descrença em fatos que se opunham à crença corrente de sua época, entre homens que estão geralmente encarregados de ir mais distante na outra direção, é o da doutrina da “Antiguidade do Homem”. Boué, um experiente geólogo francês, em 1823 descobriu um esqueleto humano a oitenta pés de profundidade no loess ou lodo endurecido do rio Reno. Foi enviado para o grande anatomista Cuvier, que desacreditou completamente do fato. Ele considerou este fóssil como sem valor, como se fosse inútil, e o perdeu. Sir C. Lyell, a partir de uma pesquisa pessoal no local, agora acredita que as afirmações do observador original eram bastante precisas. Nos idos de 1715, armas de pedra foram encontradas com o esqueleto de um elefante em uma escavação em Inn Lane, na região de Gray, na presença do Sr. Conyers, que as colocou no Museu Britânico, onde elas permaneceram completamente sem notícia até muito recentemente. Em 1800, o Sr. Frere encontrou armas de pedra juntamente com os restos de animais extintos em Hoxne, Suffolk. De 1841 a 1846, o célebre geólogo francês Boucher de Perthes descobriu grandes quantidades de armas de pedra nos aluviões de cascalho do norte da França; mas por muitos anos ele não conseguiu convencer nenhum de seus colegas, homens de ciência, que se tratava de trabalhos de arte, nem mereceu a mais leve atenção. Por fim, contudo, em 1853 ele começou a fazer adeptos. Em 1859-60 alguns de nossos mais eminentes geólogos visitaram o local, e confirmaram totalmente a veracidade de suas observações e deduções. 
Outro ponto neste assunto foi tratado de forma ainda pior, se for possível. Em 1825, o Sr. Mc Enery, de Torquay, descobriu pedras trabalhadas junto aos restos de animais extintos na célebre caverna King's Hole; mas o relato de suas descobertas foi simplesmente ironizado. Em 1840, um de nossos primeiros geólogos, o falecido Sr. Godwin Austen, trouxe este assunto à Sociedade Geológica, e o Sr. Vivian, de Torquay, enviou um artigo confirmando completamente as descobertas do Sr. McEnery; mas ele foi considerado muito improvável para ser publicado. Quatorze anos depois, a Sociedade de História Natural de Torquay fez observações posteriores, confirmando inteiramente as anteriores, e enviou um relato delas para a Sociedade Geológica de Londres; mas o artigo também foi rejeitado, considerado muito improvável para publicação. Agora, contudo, a caverna foi sistematicamente explorada sob a superintendência de um comitê da Associação Britânica, e todos os relatórios anteriores enviados durante quarenta anos foram confirmados, e foi mostrado serem ainda menos maravilhosos que a realidade. Deve ser dito que “este era um cuidado próprio da ciência”. Talvez fosse; mas todos esses eventos provam este importante fato: que neste, assim como em todos os outros casos, os humildes e frequentemente desconhecidos observadores estavam certos; os homens de ciência que rejeitaram suas observações estavam errados. 
Agora, são os observadores modernos de alguns fenômenos, usualmente denominados sobrenaturais e inacreditáveis, menos dignos de atenção que os outros já citados?"
Os que tem interesse em procurar a verdade, devem se perguntar sempre sobre o melhor caminho a seguir quando se trata de gerar conhecimento genuíno a respeito de fenômenos e ocorrências naturais. Devem também se questionar sobre a utilidade do que acreditam. A insistência em permanecer na defesa de ideias e posturas inférteis pode representar uma perda de tempo inestimável.


Referência

(1) A. R. Wallace. O 'Diálogo com os Céticos' (2011). Editora 3 de Outubro.

Nota de A. R. Wallace
[1]  As citações que se seguem são exemplos escolhidos dentre os artigos do Edimburg Review em 1803 e 1804: “Outra leitura Bakeriana, contendo mais fantasias, mais asneiras, mais hipóteses sem fundamento, mais ficções gratuitas, todas sobre o mesmo campo, e do fértil, mas infrutuoso cérebro do mesmo eterno Dr. Young.” E novamente: “Ele não ensina verdades, não reconcilia nenhuma contradição, não organiza nenhum fato anômalo, não sugere novos experimentos e não conduz a novas investigações”. Alguém pode supor que se trate de um cientista moderno desdenhando do espiritualismo!

20 de maio de 2011

Fim da Religião ou do irracionalismo religioso?

Se a religião, apropriada em começo aos conhecimentos limitados do homem, tivesse acompanhado sempre o movimento progressivo do espírito humano, não haveria incrédulos, porque está na própria natureza do homem a necessidade de crer, e ele crerá desde que se lhe dê o pábulo espiritual de harmonia com as suas necessidades intelectuais.  A. Kardec (4) ('O Céu e o Inferno', Parte I, Capítulo, 1: 'O Porvir e o Nada', parágrafo 13).

Recentemente uma reportagem publicada na 'Folha de S. Paulo' (Maio de 2011) (1) trouxe afirmação de líderes da Igreja Católica de que a ascensão social reduzirá a quantidade de pessoas nas fileiras do protestantismo ou outras denominações religiosas que surgiram como religiões reformadas. Deixando a polêmica de lado, o mais correto seria dizer que a ascensão social, que resulta em maior acesso ao conhecimento, não só reduz o número  de adeptos das igrejas reformadas, mas de todas as religiões que fundamentam sua teologia ou crença em tradições difíceis de serem defendidas, diante da nova imagem do mundo revelada pelo conhecimento científico. Tal observação tem consequências particulares. Para o Ocidente (onde se encontram a maior quantidade de pessoas consideradas cristãs - lê-se - que fundamentam sua crença em interpretações tradicionais da Bíblia) haveria um aumento no número de não cristãos. Essa previsão, em verdade, foi plenamente confirmada por pesquisas de opinião.
Fig. 1. Gráfico do percentual de pessoas na população que se dizem cristãs (azul), agnósticas (verde) e não cristãs (laranja) em uma pesquisa britânica. Há uma clara tendência para o 'desaparecimento' das religiões cristãs. 
Avaliações recentes feitas em pesquisas de atitudes sociais britânicas  (2) demonstraram que, na Inglaterra, o número dos que se dizem 'cristãos' está se reduzindo a uma taxa bastante grande, que se pode considerar 'alarmante' para os líderes das religiões tradicionais (Fig. 1). A época que vivemos é, assim, uma época muito especial, pois parece representar o fim de uma era. Não acreditamos que seja o fim das religiões, mas certamente o fim do dogmatismo religioso, da intransigência e do irracionalismo implicado por determinadas crenças. Para que tenha alguma utilidade, as religiões tradicionais deverão aprender a conviver juntas, de certa forma relativizando as implicações de seus dogmas que, de outra forma, já demonstraram levar a sua recíproca destruição.
A pesquisa britânica demonstra uma tendência em países mais 'desenvolvidos' ou em lugares onde as pessoas tem acesso à educação de qualidade - principalmente científica para o desaparecimento das religiões cristãs. Se nada for feito (e não parece que o será), a curva cinza da Fig. 1 encontrará a origem em duas vezes o intervalo amostrado da pesquisa, que é de 26 anos. Ou seja, em meio século, grupos cristãos serão minoria semelhante aos 'não cristãos' em países mais desenvolvidos.
Fig. 2 Mapa da Europa na pesquisa da Eurobarômetro (2005), Ref. 3, do percentual de pessoas que responderam 'sim'  à questão: 'você acredita em Deus?'
Isso claramente ocorre por conta do efeito 'anti-religão' provocado pelo ensino (Fig. 2). Ao se educar as crianças a compreender que a imagem moderna do Universo não corresponde àquela ensinada pelas antigas crenças, deixa-se de justificar outras crenças como o juízo final, céu, inferno, julgamentos terminais ou a existência de Deus feito à imagem e semelhança dos homens. Isso certamente está na origem para o declínio das religiões tradicionais. Basta que analisemos também, o que recente pesquisa demonstrou na Suécia, reconhecidamente o país o terceiro mais ateu país da Europa. Segundo a Wikipedia: Demographics of Atheism:
'Vários estudos mostraram que a Suécia é um dos países mais ateus do mundo. 23% dos cidadãos Suecos responderam que 'acreditam em um Deus', enquanto que 53% responderam que 'acreditam que existe algum tipo de espírito ou força vital'. Os outros 23% restantes não acreditam nem em Deus ou na existência de um tipo de espírito ou força superior.
Portanto, a conclusão da autoridade católica que analisamos no começo deste texto e que afirmou ser a ascensão social motor para a redução de protestantes, também vale para outros tipos de crenças, inclusive a católica. E, não é o enriquecimento que causa o esmorecimento da fé nas antigas crenças, mas o acesso à educação (de qualidade). Não obstante o enfraquecimento da crença na existência de Deus (conforme a imagem ensinada pelas religiões tradicionais), a maior parte da população ainda crê na existência de algo superior. A pesquisa 'Eurobarômetro' (3) de 2005 resultou no gráfico da Fig. 3. 

Fig. 3 Percentual da população que responderam 'sim' à questão: 'você acredita na existência de um Espírito ou força superior?'  Fonte: Pesquisa Eurobarômetro 2005, Ref. 3.
A Fig. 3 traz o percentual dos que responderam positivamente à questão sobre a crença em um Espírito ou força superior. Curiosamente, os países onde mais se acredita em Deus (Fig. 2), tem o menor percentual de crença no Espírito ou 'força superior'. Tais resultados demonstram positivamente a influência de fatores culturais (através da educação) sobre a crença e demonstram que, por trás dessa 'geografia do ateísmo' o que se vê é o desaparecimento de antigos modelos de crença religiosa. Conforme o parágrafo de Kardec que citamos na introdução deste artigo, a educação científica não fará desaparecer a religião - entendida como movimento que nasce a partir da necessidade de se crer inata no ser humano - como pretenderiam alguns ateus mais duros. O que se está a observar é uma ampla validação do que foi previsto por Kardec  em várias de suas obras (4):
A crença na eternidade das penas perde terreno dia a dia, de modo que, sem ser profeta, pode prever-se-lhe o fim próximo. ('O Céu e o Inferno', Cap. 6, parágrafo 1); 
É isso que se dá hoje com a Humanidade, saindo da infância e abandonando, por assim dizer, os cueiros. O homem não é mais passivo instrumento vergado à força material, nem o ente crédulo de outrora que tudo aceitava de olhos fechados. ('O Céu e o Inferno, Cap.6, parágrafo 22); 
Por muito tempo essa fórmulas lhes satisfizeram a razão; porém, mais tarde, porque se fizesse a luz em seu espírito, sentindo o vácuo dessas fórmulas, uma vez que a religião não o preenchia, abandonaram-na e tornaram-se filósofos.('O Céu e o Inferno, Cap.1, parágrafo 12)
Nenhuma crença religiosa, por lhes ser contrária, pode infirmar os fatos que a Ciência comprova de modo peremptório. Não pode a religião deixar de ganhar em autoridade acompanhando o progresso dos conhecimentos científicos, como não pode deixar de perder, se se conservar retardatária, ou a protestar contra esses mesmos conhecimentos em nome de seus dogmas, visto que nenhum dogma poderá prevalecer contra as leis da Natureza, ou anulá-las. Um dogma que se funde na negação de uma Lei da Natureza não pode exprimir a verdade. ('Obras Póstumas', Manifestação dos Espíritos, parágrafo 7). 
Assim, longe de estarmos vivendo o 'final dos tempos', amanhece um novo dia para a Humanidade.

Referências

(1) http://www1.folha.uol.com.br/poder/915670-ascensao-social-reduz-evangelicos-diz-lider-da-cnbb.shtml
(2) http://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_atheism
(3) http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/ebs/ebs_225_report_en.pdf
(4) A. Kardec: 'O Céu e o Inferno', 23a. Ed. FEB,  'Obras Póstumas', 15a Ed. FEB.