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8 de abril de 2014

Sobre a energia escura do cérebro e o determinismo genético.


"Com o tempo, a energia escura neural talvez 
se revele a própria essência que nos move." M. Raichle

“Não confundais o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades que lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.” ("O Livro dos Espíritos", resposta à questão #370)
Cosmologistas chamam de "energia escura" um campo que permeia todo o Universo e que é responsável por acelerar as galáxias e causar a expansão do cosmos. É "escura" porque não tem traço detectável, a menos da própria expansão, ou seja, poderia também ser chamada de "energia invisível".

Recentemente, o neurocientista Marcus Raichle divulgou resultados interessantes (1) sobre a atividade do cérebro em repouso e também invocou o conceito de "energia escura". Toda a questão se deve ao fato de que neurocientistas em geral acreditavam que o cérebro de alguém "em repouso" (2) não deveria apresentar sinal de atividade. De fato, os estudos feitos até então (2010) sempre procuraram detectar variações nos sinais de tomografia computadorizada (via PET Scan e ressonância magnética) por meio de diferença entre imagens que mostram o fluxo sanguíneo em áreas do cérebro, que é uma medida da atividade local de suas partes. Mas, tal processo cria uma limitação metodológica porque, quando duas imagens são subtraídas, o chamado "ruído de fundo" é eliminado.

Com isso, detalhes imperceptíveis ou fenômenos peculiares da atividade subjacente do cérebro são desprezados. Entre tais detalhes estão as chamadas "flutuações espontâneas" do cérebro, um ruído que até então se acreditava sem importância. Segundo Raichle, surpreendentemente, descobriu-se que o gasto energético de um cérebro em repouso é maior do que quando ele realiza alguma atividade sob estímulo externo.

Isso é algo até então difícil de ser compreendido porque, na visão puramente funcionalista do cérebro, somente deve haver atividade quando o órgão realiza uma tarefa. Existe, obviamente, um "metabolismo basal" que determina um gasto energético que não pode ser reduzido em um órgão em repouso. Portanto, imaginava-se que o cérebro deveria apresentar atividade reduzida em uma situação de repouso, na ausência de estímulos externos ou atividades cognitivas.

Esse novo estado de atividade foi chamado "default mode network" (DMN) ou "rede de modo padrão" e uma analogia com a energia escura foi feita. Segundo Raichle (1):
"Acredita-se que o DMN comporte-se como um regente de uma orquestra sinfônica, enviando sinais de temporização como o regente faz com sua batuta para coordenar a atividade de diferentes partes do cérebro. Tal controle - exercido sobre partes visuais e auditivas do córtex - provavelmente garante que todas as regiões do cérebro estejam prontas para reagir coordenadamente a um estímulo."
Essa é uma metáfora interessante, porque implica que é possível detectar no cérebro atividades relacionadas a uma supervisão central, o que Raichle qualifica como algo inesperado e que está, provavelmente ligado a funções superiores de consciência. Relações entre a DMN e a ocorrência de doenças tais como Alzheimer, depressão e a esquizofrenia parecem sugerir isso (3).

Portanto, é uma visão ultrapassada imaginar o cérebro como um sistema meramente reativo, executor de uma função. Há nele algo independente, que tem "vida própria", e que está no topo da hierarquia de comandos de diversas outras subfunções menores, detendo prioridade sobre elas, mas que aparentemente se silencia quando o indivíduo passa a executar alguma tarefa mental.

Como é possível existir a rede DMN nas próprias estruturas do cérebro, sendo desnecessária uma parte ou região específica para isso (4)? Várias regiões do cérebro estão associadas a funções específicas, mas o controle geral se estabelece de forma disseminada e coordenada por todas as regiões.

Qual é a relação que existe entre a DMN e a contraparte extrafísica do ser humano? Em suma: Quem controla a DMN?

Onde está a informação para a montagem do cérebro?

No mesmo número da  revista, é possível ler um interessante raciocínio numérico feito pelo físico e neurocientista Remy Lestienne (5):
Como a construção do sistema nervoso central poderia ser ditada pelo programa genético? Sabemos que o genoma humano contém cerca de 3 bilhões de "letras" (nucleotídeos) e estima-se em menos de 30 mil o número de genes realmente expressos (traduzidos em proteínas) no decorrer da formação de um organismo adulto. Esse número é insuficiente para dar conta de todos os detalhes do plano de organização do sistema nervoso. Apenas ele contém cerca de 100 bilhões de neurônios. E esses neurônios estão largamento conectados: não é raro que um neurônio receba informações provenientes de milhares de neurônios diferentes. Estima-se em mais de 100 mil bilhões  (10^14) o número de contatos de sinapses entre neurônios no sistema nervoso central. É, portanto, estritamente impossível que os cabos transmissores de um determinado sistema dependam  de um plano detalhado, inscrito no patrimônio genético de uma pessoa, como num feixe de esquemas de montagem de um televisor.  (grifos meus)
Comparando o cérebro a um dispositivo ou máquina, os genes representariam os planos ou "blue-prints" que orientariam sua montagem. Porém, sabe-se que a quantidade de informação contida nesses planos (material genético) não é suficiente para montar toda a máquina. A maior parte está faltando. 

Dada a ordem de conexões e elementos que formam o cérebro, como é possível que ainda insistam em determinismo genético para sua formação? Genes desempenham uma influência, mas, considerando a complexidade das estruturas do sistema nervoso, os genes certamente não contêm informação suficiente para organizar o cérebro e muito menos para determinar coisas mais difíceis de definir tais como sentimentos, memórias ou lembranças.

Em suma, as perguntas que aqui fazemos são questões que deixamos para meditação do leitor, ciente que somos de que essas descobertas talvez prenunciem outras ainda mais extraordinárias...

Notas e referências

(1) Raichle M. (2010), "The Brain's Dark Energy". No Brasil, a matéria foi publicada na revista "Scientific American Brasil", Edição especial #57 em 2014. O artigo original em inglês está disponível aqui: www.braininnovations.nl/Dark-Energy.pdf

(2) "Repouso" aqui não significa sono. Simplesmente é o estado de vigília sem qualquer tipo de atividade mental ou recepção de estímulos externos.

(3) Na verdade, a "explicação" fornecida cai na categoria das "justificativas". O DMN é necessário para manter o estado de vigilância constante do cérebro.

(4) O que seria uma espécie de "estação de controle".

(5) R. Lestienne, "O Cérebro não é uma máquina". "Scientific American Brasil", Edição especial #57 em 2014. 


20 de junho de 2013

1/2 - Memória Genética e Reencarnação


Artigo publicado na Revista Espiritismo & Ciência nº. 90, São Paulo: Mythos Editora, nov/2011, páginas 34 a 42. Todas as referências estão no segundo post a ser publicado na sequência.

Acesse a parte 2/2 aqui.

1 - Introdução

É comum que, nos grandes debates entre ideias concorrentes, não se dê suficiente atenção para as consequências 'secundárias' (ou colaterais) da adoção de certas posturas, por causa do afã dos debatedores em se ver reconhecido o mais rapidamente possível como do lado da verdade. Tal é o caso das inúmeras explicações que encontramos do lado dos que criticam a reencarnação. O objetivo principal deste texto, entretanto, não é defender a ideia de reencarnação, mas chamar a atenção para a precariedade de um tipo de argumento que é lançado contra essa ideia.

Reencarnação, de forma muito simples, é entendida como o retorno da 'personalidade' à vida corporal. O Espírito é, na verdade, o ser verdadeiro que tem apenas uma vida: a espiritual. Entretanto, para que possa progredir, é preciso que ele se una à matéria, de onde extrai suas experiências e realiza seu aprendizado.  Assim, a reencarnação não é uma lei fundamental, mas uma consequência de um princípio anterior e mais fundamental que ela. Porém, antes de se aceitar a ideia de reencarnação, pressupõe-se um conjunto de outros princípios tais como: a sobrevivência de 'algo' no ser humano além da morte do corpo físico, que esse 'algo' carrega consigo informação a respeito de sua vida pregressa, mas não só isso, que carrega também toda sua personalidade e memórias de sua vida anterior. É natural que muitos rejeitem a reencarnação como princípio, por falta de uma visão inicial de todos esses conceitos auxiliares.

Para se gerar conhecimento científico de qualidade é preciso, antes de tudo, definir termos e esclarecer conceitos. Ora, nada é mais complexo e difícil de ser definido do que a personalidade humana, sua psicologia, seus traços morais, suas inclinações e sua memória. Ninguém conseguiu até hoje criar um 'medidor de personalidade' por uma razão simples: a personalidade humana é um objeto que não se presta a mensurações por equipamentos ou aparelhos, como é o caso da matéria. Portanto, na discussão e tratamento de fenômenos relacionado a memórias profundas e outras anomalias psicológicas, estamos diante de um assunto para o qual não é tão simples defender determinados pontos de vista a partir, única e exclusivamente, de evidências empíricas. Mesmo assim, muitos pretendam lançar mão de provas conclusivas que, segundo eles, resolveriam o debate.

Existem vários caminhos para se conhecer o princípio da reencarnação:
  1. Via 'filosófica': trata-se da via adotada pela Doutrina Espírita (Kardec, 1991). A reencarnação é aceita como um postulado através do qual é possível prever certas consequências para a vida humana e sua relação com noções de Justiça Divina. É bastante claro que essa via não será aquela trilhada por quem sequer aceita a existência de Deus. Entretanto, os maiores opositores deste caminho são, na sua maioria, religiosos que fundamentam suas crenças na autoridade, tanto da tradição quanto em interpretações particulares de livros considerados sagrados; 
  2. Via 'Empírica'. Diante da fragilidade e falta de concordância (universal) entre especialistas sobre definições do que seja a personalidade humana, trata-se da tentativa de se obter evidências comprobatórias para existência ou não de vidas anteriores. Por essa via se estabelece um debate, entre pesquisadores reencarnacionistas e seus opositores, em sua maior parte materialistas. O materialismo não prevê que algo deva sobreviver à morte do corpo físico. Portanto, as evidências clamadas para a reencarnação, segundo eles, devem ser explicadas a partir de uma variedade de hipóteses tais como: fraude, alucinação, coincidência, clarividência, criptomnésia ou 'memória genética' - termo que será objeto de análise neste texto.
  3. Crença pura: é a via religiosas, ancorada na tradição de textos antigos como os do Hinduísmo e no Budismo, com interpretações diversas daquela expressa pela Doutrina Espírita. 
No século 20, o maior expoente do caminho 2 descrito acima foi o Dr. Ian Stevenson. Ele reuniu uma quantidade fabulosa de casos considerados anomalias psicológicas, sobre pessoas que se lembram de vidas anteriores. Em seus quase meio século de pesquisas, conseguiu juntar 2.600 casos de crianças que se lembraram espontaneamente de outras vidas, tendo publicado várias obras, entre elas: 20 Casos sugestivos de Reencarnação (Stevenson, 2010a, 2010b) e os ainda sem tradução para o português (Stevenson,1997a, 1997b, 1997c; Andrade, 2002; Côrtes, 2002). Essas obras de Stevenson em 2 tomos tem 1200 e 1100 páginas, respectivamente, e representam compêndios com muitos dados sobre evidências de reencarnação.  Obviamente, muitos de seus críticos julgam-se no direito de criticar os trabalhos de Stevenson sem dar nenhuma atenção a essa montanha de dados, o que não é uma atitude razoável e, muito menos, científica. Também fazem parte do grupo 2 inúmeros terapeutas de vidas passadas (TVP). Para consultar diversos casos, ver "Casos" em "Web (blogs)" e o artigo de Paulo Neto Reencarnação e as pesquisas científicas. 

Frequentemente, opositores da reencarnação invocam argumentos de grupos de 'mesmo objetivo' para refutar a reencarnação. Assim, vamos encontrar grupos cristãos sectários que fazem uso de ideias materialistas para refutar a reencarnação, sem se dar conta da postura absurda que acabam envergando.

2 - Memória genética e Eugenia

Da mesma forma que existe claramente descendência de caracteres morfológicos e funcionais entre todas as espécies de seres vivos (incluindo plantas), a memória genética é concebida como uma suposta capacidade de se herdar não só memórias dos antepassados, mas também traços de suas personalidades. Afinal, quem herda a memória, também haveria de herdar o resto, segundo a visão puramente material do ser humano. Não há como separar as duas coisas, o ser humano é um todo integral.

Como dissemos, existe uma dificuldade intrínseca no objeto de estudo: a personalidade humana. Por si só, tal fato seria suficiente para eliminar qualquer tentativa de se explicar o comportamento humano com base em equivalentes de laboratório como ratos ou mesmo planárias (Di Bernardi, ver blog 'Portal do Infinito'). Mesmo assim, a tradição de pesquisa em laboratório e o positivismo costuma extrapolar comportamento de ratos e outros animais para os seres humanos. Mesmo diante de tais dificuldades, alguns biólogos e geneticistas acreditam (Dawkins, 1990; Wilson, 2000) que seria possível relacionar tais traços a informação gravada em nível atômico nos genes. Tal postura tem sua razão de ser na crença materialista para a qual o ser humano, assim como todos os animais, é apenas produto da organização genética. Os genes, segundo essa visão, carregariam toda informação necessária para se 'fazer' um ser humano, o que inclui eventuais 'memórias' passadas, que poderiam induzir determinados comportamentos. Obviamente, essa herança genética seria a responsável não só pela perpetuação de supostas memórias armazenadas nos genes como também traços da personalidade e explicaria as evidências encontradas a favor da reencarnação.

É preciso relembrar a história da ciência frequentemente esquecida, que nos instruí a respeito de debates semelhantes ocorridos no passado não muito distante. Na década de 1970 ficou famosa a teoria de E.  Wilson conhecida posteriormente como Darwinismo Social ou Sociobiologia. Ela pregava um determinismo estrito pelos genes e foi acusada de levar ao racismo científico. Não é difícil ver que, se o ser humano é produto de seus genes, então a competição entre populações de espécies leva inexoravelmente à perpetuação dos mais aptos em todos os sentidos. Assim, não só caracteres físicos e funcionais essenciais para a manutenção da vida são perpetuados, mas também caracteres não físicos tais como: traços da personalidade, caráter, inteligência e até cultura.

A Sociobiologia parte do princípio de que deveriam existir genes que programem os seres humanos para tais traços não físicos.  Assim, existiriam genes para a bondade ou maldade, para a perseverança ou falta de caráter, para o espírito ditatorial ou democrático, ou seja, para toda e qualquer tipo de personalidade, nas mais variadas gradações e disposições.  Esses genes seriam herdados dos antepassados e utilizariam o ser humano como um 'recipiente', fazendo valer seus interesses de perpetuação (Dawkins, 1990).

Se caracteres não físicos podem ser herdados, então existem, de fato, 'raças superiores e inferiores' por uma questão de definição: as 'superiores' seriam aquelas que teriam, em seu conteúdo genético, a maior carga de genes considerados superiores. Tais raças seriam as mais aptas por terem maior inteligência e cultura.  Sociobiologia, Darwinismo Social e memória genética são todos conceitos irmãos que levam diretamente à Eugenia e ao racismo científico (Blanc, 1994). Não são teses aceitas hoje no meio acadêmico, embora possam ser encontrados defensores isolados que tentam abrandar as críticas com um discurso de que a evolução 'é cega' para superioridade ou inferioridade entendida como conceitos com raízes culturais. Discutimos a situação atual na Seção 4.

Continua no próximo post.