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2 de novembro de 2017

Onde estão os teus mortos?


“O coração não pode errar. A carne é um sonho; ela se dissipa. 
Se esse desaparecimento fosse o fim do homem, tiraria à nossa existência toda sanção. 
Não nos contentamos com esta fumaça que é a matéria; precisamos de uma certeza. 
Quem quer que ame, sabe e sente que nenhum dos pontos de apoio do homem está na Terra. 
Amar é viver além da vida. Sem essa fé, nenhum dom perfeito do coração seria possível; 
amar, que é o objetivo do homem, seria o seu suplício. 
O paraíso seria o inferno. Não! digamos bem alto, a criatura amante exige a criatura imortal. 
O coração necessita da alma. (Victor Hugo)

Para que nos lembremos uns dos outros,
Bastam as nossas dores como são,
Uma pequena cruz, um nome e a relva verde e mansa,
Que nos falem de paz e de esperança
Na saudade sem fim do coração.
(Maria Dolores,  1)
A crença da morte como o fim de toda existência é um delírio criado pela condição dos vivos encerrados na carne, com suas limitadíssimas capacidades sensoriais. Não se deve senão culpar a essa limitação material toda dificuldade presente em apreciar verdadeiramente a vida futura. Essa restrição é necessária para que a experiência do Espírito imortal se restrinja temporariamente àquela determinada pelos sentidos do corpo limitado. É um delírio quase que perpétuo na mente dos que ficam, para sempre destinados ao fim porque seus corpos não permitem ver mais além.

Ainda assim, nossos antepassados em todos os tempo intuíram a continuidade da vida além da morte. A prova disso está na presença da religião, desde os tempos mais primitivos, como uma forma de se cultuar os mortos. O culto aos "antepassados e aos mortos" esteve na origem de todas as crenças antigas (2). Mas, desde uma perspectiva antropológica moderna, incapaz de perceber essa realidade e desprezando as evidências do Espiritismo - que está na origem de todas as religiões - a crença na vida maior é uma resposta meramente psicológica do homem à ameaça representada pela morte do rompimento de seus laços terrenos, suas amizades, sua família, sua segurança doméstica e social. A única realidade estaria no niilismo e no materialismo. Como colocou o sociólogo Zygmund Bauman (1925-2017), "as sociedades (modernas) existem para esconder de seus integrantes o fato real da morte como o fim da vida. Pois se as pessoas percebessem que vida não tem sentido, perderiam toda esperança e abandonariam definitivamente a vida que têm (3)". Felizmente, isso não acontece de forma generalizada - embora represente a força principal que motiva os que tentam o suicídio todos os dias - porque a grande maioria das pessoas traz inconscientemente uma noção ainda que precária da vida maior, renovada todos os dias durante o sono.

Adquire relevância incomparável assim todos os esforços de pesquisa passados e presentes para demonstrar a comunicação dos espíritos, a ampliação dos sentidos humanos libertos dos laços materiais e as provas da imortalidade. Elas representam a única saída para a mente racional quando confrontada com a morte e seu fim aparente. Não foi por mera coincidência que a fenomenologia espírita se desenvolveu a partir de 1850, numa época marcada como o apogeu do materialismo. Esse desenvolvimento foi a resposta da providência ao espírito questionador do tempo moderno que zombava da religiões desgastadas pelos excessos de crenças inúteis e contrárias à razão. É como se uma resposta fosse dada aos que acreditavam Deus estar morto, confirmando a precariedade das religiões instituídas - sim porque a alma sobrevive, mas não está condenada eternamente - e ao mesmo tempo reafirmasse a razão última de todos os credos, a existência de um Deus como causa primária de todas as coisas e uma vida real além daquela experimentada pelos sentidos restritos do corpo.

A morte encerra a verdadeira vida em si como um dos seus mais bem guardados mistérios. Os teus mortos estão vivos. Se hoje deles guardamos alguma lembrança, incapazes ainda de entrar em comunicação direta com os nossos mortos, guardamos igualmente a certeza que nos reuniremos inexoravelmente a eles um dia. Por hora apenas a certeza intelectual e intuitiva da sobrevivência, pontuada por inúmeras revelações e evidências constantemente desprezadas pela cultura do momento. Amanhã a certeza final pela prova definitiva dos sentidos do espírito imortal em sua caminhada sem fim.

Referências

1 - M. Dolores, Conversa no Campo Santo, "Dádivas de Amor", psicografia F. C. Xavier.
2 - R. A Segal (Ed.)(2006). The Blackwell companion to the study of Religion. Blackwell Publishing. Nessa referência, pode-se ler (p. 7):
De acordo com Spencer, a religião surgiu da observação que, nos sonhos, o eu deixa o corpo. A personalidade humana tem portanto aspecto dual e, depois da morte, o espírito ou alma continua a aparecer para os descendentes ainda vivos através dos sonhos. Fantasmas de ancestrais remotos ou personalidades famosas eventualmente adquiriram status de deuses.
Tal era a crença entre os primeiros antropologistas. A situação mudou consideravelmente depois, entretanto.
3 - Citado em (2), p.236.


24 de agosto de 2012

O que é a morte ? (Victor Hugo*)

"A morte é uma continuação. O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra, onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade."

O que é que faz o homem livre?

A alma. Quem diz livre, diz responsável.

Responsável por tudo nesta vida?

Efetivamente não, porquanto nada há mais demonstrado do que a prosperidade possível e frequente dos maus e o infortúnio imerecido dos bons durante a sua passagem sobre a Terra.

Quantos homens justos não tiveram só angústias e misérias até o seu derradeiro dia? Quantos homens criminosos viveram até a mais extrema velhice no gozo pacífico e sereno de todos os bens deste mundo, neles incluindo a consideração e o respeito de todos! É o homem, então, responsável depois da vida? Evidentemente sim, pois que não o é durante ela. Alguma coisa dele sobrevive para submeter-se a essa responsabilidade: a alma.

A liberdade da alma explica a sua imortalidade. A morte não é, portanto, o fim de tudo. Ela não é senão o fim de uma coisa e o começo de outra. Na morte o homem acaba, e a alma começa. Tome-se por testemunho o que considerar do rosto de um ente amado com essa ansiedade estranha feita de esperança e de desesperança. Digam esses que atravessaram essa hora fúnebre, a última alegria, a primeira do luto, digam se não é verdade que bem se sente que ainda há ali alguém, que tudo não acabou?

Sente-se em roda dessa cabeça como o frêmito de asas que acabaram de expandir-se, uma palpitação confusa e inaudita que flutua no ar ao redor desse coração que não mais bate. Essa boca aberta parece chamar o que acaba de partir e dir-se-ia que deixa cair palavras obscuras no Mundo Invisível.

Eu sou uma alma.

Bem sinto que o que darei ao túmulo não é o meu Eu, o meu Ser. O que constitui o meu Eu, irá além.

Terra, tu não és o meu abismo.

O homem outra coisa não é senão um cativo.


O prisioneiro escala penosamente os muros da sua masmorra, sobe de saliência em saliência, coloca o pé em todos os interstícios para alcançar o respiradouro. Aí, olha, distingue ao longe a campina, aspira o ar livre, vê a luz.

Assim é o homem.

O prisioneiro não duvida que encontrará a claridade do dia, a liberdade. Como pode o homem duvidar se vai encontrar a Eternidade a sua saída? Por que não possuirá ele um corpo sutil, etéreo, de que nosso corpo humano não é nada mais que grosseiro esboço?

A alma tem sede do absoluto e o absoluto não é deste mundo. É por demais pesado para esta Terra. Há duas leis, a lei dos globos e a lei do Espaço. A lei dos globos é a morte. O limite exige a destruição. A lei do Espaço é a Eternidade. O Infinito permite a continuação.

Entre os dois mundos, entre as duas leis, há uma ponte: a transformação. A ambição do vivo dos globos deve ser, pois, tornar-se um vivo no Espaço.

O mundo luminoso é o Mundo Invisível. O Mundo do Luminoso é o que não vemos. Os nossos olhos carnais só vêem a noite. Ai do que vive com os olhos abertos sobre o mundo material e com as costas voltadas para o mundo desconhecido!

A morte é uma mudança de vestimenta.

Alma, tu estavas vestida de sombra, agora vais te vestir de luz. É no túmulo que o homem faz o último progresso.

Na morte, o homem se torna sideral. A morte é a vindita da alma. A vida é o poder que tem o corpo de manter a alma sobre a Terra, pelo peso que faz nela. A morte é o poder que tem a alma de arrebatar o corpo fora da Terra pela assimilação.

Na vida terrestre, a alma perde o que irradia. Na vida extraterrestre, o corpo perde o que pesa.

A morte é uma continuação. O meu olhar penetra o mais que é possível nessa sombra, onde vejo, a uma profundidade que seria amedrontadora, se não fosse sublime, dealbar-se o imenso arrebol da eternidade.

As almas passam de uma esfera para outra, tornam-se cada vez mais luz, aproximam-se cada vez mais e mais de Deus.

O ponto de junção é o infinito.

O que dorme e desperta, desperta e vê que é homem.

O vivo que morre, desperta e vê que é Espírito.


(*) Gostaria de agradecer a Jérémie Philippe por ter encontrado a referência original:  V. Hugo, "De la Vie et de la Mort", Extrait de Post-scriptum de ma vie, 1901. O texto acima é uma tradução de trechos extraídos desse trabalho original de Victor Hugo.

O texto corresponde, com algumas modificações, ao que pode ser encontrado no livro "O Espiritismo nas Ciências Contemporâneas - Textos selecionados dos terceiro e sétimo encontros nacionais da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE)" (Ed. CCDPE-ECM, 2012).  No artigo "Algumas anotações sobre o Advento do Espiritismo" (p. 153-175) dessa referência, Eduardo C. Monteiro atribui sua autoria a Victor Hugo.