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11 de fevereiro de 2012

Muitos mundos, muitas vidas: uma heresia que se torna realidade.

Todo ser aspira, em virtude de sua constituição, ao alvo de sua existência. O homem tende à perfeição intelectual e espiritual! Se o homem é destinado a conhecer o Universo, que eleve seus olhos e seus pensamentos para o céu que o cerca e para os Mundos que voam por cima de si. É um quadro, um espelho em que ele pode contemplar e ler as formas e as leis do bem supremo, o plano e a organização de um perfeito connjunto...Estudar a ordem sublime dos Mundos e dos entes que se reúnem em coro para constar a grandeza de seu Senhor, é a ocupação mais digna de nossas inteligências. (Giordano Bruno, 1591, "De Immenso et Innumerabilibus".)

A época que vivemos é muito especial para a Astronomia. Temos visto notícias fascinantes, sobre a descobertas de novos mundos, novos astros, novas Terras. Em pouco tempo, cresceram as conclusões do mundo científico em direção à realidade de outros planetas fora de nosso sistema solar.

A velocidade com que essa constatação é feita só não é maior do que a expressividade com que ela é confirmada: quantos seriam os planetas fora de nosso sistema solar disponíveis? Até pouquíssimo tempo, havia a esperança de que talvez fossemos capaz de  descobrir alguns planetas parecidos com a Terra no enorme redemoinho de estrelas que constitui a chamada 'Via-Láctea'. Agora, a realidade é bem diferente.

A Via-Láctea (Fig. 1) é um turbilhão composto de aproximadamente 300, quiçá 400, bilhões de estrelas (isso mesmo 'bilhões', o número exato não é conhecido, Nota 1) unidas por uma força coesiva em direção ao seu centro. A dimensão desse sistema é coisa inimaginável: um raio de luz partindo de uma borda levaria cerca de 100 mil anos para chegar a outra borda. Esse mesmo raio de luz viaja a outros inimagináveis valores de velocidade, de forma a atravessar 10 trilhões de quilômetros em 1 ano (o que equivale a 300 mil quilômetros por segundo). As escalas são grandes demais, tudo é inconcebível para a mente humana. Por exemplo, o Sol viajando a impressivos 250 quilômetros por segundo em torno de seu centro leva cerca de 250 milhões de ano para completar uma revolução completa (o chamado 'ano galáctico'). As dimensões da escala galáctica atestam a dificuldade e insignificante probabilidade de conseguirmos detectar diretamente um mundo como nosso orbitando uma estrela desse sistema colossal.

Fig. 1 Concepção artística moderna da Via-Lactéa vista 'do topo'. Um sistema estelar com quase meio trilhão de  estrelas e, agora, quase um trilhão de planetas. O sol localiza-se a 30 mil anos luz do centro no chamado 'braço de Órion'. Crédito da Imagem: R. Hurt, SSC. 
Mas esses não seriam os únicos números colossais que a Astronomia iria revelar sobre a Via-Láctea. Em um artigo recente (Cassan, 2012), um time de astrônomos usando modernas técnicas indiretas de 'microlentes gravitacionais' demonstraram que o número médio de planetas orbitando estrelas na nossa galáxia é estimado como maior que 1, possivelmente 2 (ou mais). Essa quantidade varia conforme o tamanho do planeta (planetas menores que Júpiter seriam mais numerosos). Dado um limiar superior de meio trilhão de estrelas na Via Láctea, há implicações diretas sobre o número total de planetas existentes em toda galáxia: talvez algo próximo a 1 trilhão de planetas! A heresia de Giordano Bruno (Nota 2) se torna realidade. Embora a dificuldade na medida das dimensões de planetas do tamanho da Terra, já  foram descobertos diversos planetas externos (ver Fig. 2) pela missão Kepler, baseando-se em buscas em estrelas muito próximas ao Sol.

De fato, o que o time liderado por Arnaud Cassan (Cassan, 2012) mostrou é que planetas são regra e não exceção ("We conclude that stars are orbited by planets as a rule, rather than the exception"). As forças que arregimentam a matéria no processo de formação estelar quase sempre deixam restos que se torna planetas. Diante desse novo número astronômico, as perspectivas de se encontrar vida como a nossa em outros planetas tornam-se incontestáveis. 

Uma ideia antiga que o Espiritismo tem como princípio.

A ideia de que existiriam outros mundos semelhantes à Terra e de que eles seriam habitados não é nova (Nota 3). Mas, certamente, tal noção não foi muito popular ao longo dos séculos, pois contava com o obstáculo de que não se tinha uma ideia precisa do que eram as estrelas. No ocidente, a noção arraigada de que os astros seriam luminares feitos para 'adornar a noite dos homens' certamente deu força às concepções geocêntricas, da unicidade e especialidade do homem no Universo. A pluralidade dos mundos habitados carecia de qualquer fundamento e era claramente contrária a princípios religiosos que reservam um lugar especial ao homem pela Divindade. A heresia (Nota 3) foi contudo cultivada por alguns poucos e, de todas as ideias já classificadas como hereges, a pluralidade dos mundos habitados é a que terá um fim mais notável em direção a sua realidade.

A noção foi ostensivamente afirmada pelo Espíritos já em 1857 na questão 55 e muitas outras como as questões 56, 57,  58, 234, 235, 236 do "Livro dos Espíritos" e é um tema recorrente em diversas assuntos tratados nele (ver questão 172 abaixo). Há um artigo sobre a Pluralidade dos Mundos Habitados na Revue Spirite de Março de 1858. Foi o Espiritismo que também interpretou nesse sentido as palavras altamente figuradas do Evangelho de João no Capítulo 14, versículos 1 e 2: "Não se turbe o vosso coração. – Credes em Deus, crede também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai". Isso acontece porque a pluralidade dos mundos é uma necessidade diante da nova dinâmica espiritual revelada pelos fundamentos da Doutrina Espírita:

Questão #172. As nossas diversas existências corporais se verificam todas na Terra?

“Não; vivemo-las em diferentes mundos. As que aqui passamos não são as primeiras, nem as últimas; são, porém, das mais materiais e das mais distantes da perfeição.”

Poucos perceberam a extensão das implicações da existência de muitos mundos do ponto de vista espiritual. Desde que a consciência não se limita à matéria, diante da lei das vidas sucessivas, a migrações de Espíritos entre diversos mundos é uma necessidade. Tal lei nunca foi representada, nem mesmo de forma alegórica, pela maioria das religiões. Essa possibilidade era reduzida diante da necessidade de se 'demonstrar' efetivamente a realidade da existência desses mundos. Agora, com quase 1 trilhão de mundos disponíveis só na Via-Láctea, quem sabe religiosos mais dogmáticos compreendam a extensão dessa descoberta para suas crenças.

Fig. 2 Comparação de dimensões de diversas 'Terras' ou planetas rochosos com dimensões semelhantes à da Terra que já foram descobertos. Para comparação, a Terra (Earth) e marte (Mars) são mostrados na figura. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech.

Em outro post, discutiremos alguns aspectos epistemológicos importantes da questão e sua relevância para a pesquisa do Espírito.

Referências
Notas 

1 - Ver N. Wethington (2008). How Many Stars are in the Milky Way? Interessante sobre isso é ler a nota de rodapé de A. Kardec em 'A Gênese', Capítulo 6, "Uranografia Geral", "Os desertos do espaço", que traz a concepção do século XIX dessa descrição que fazemos aqui: "A nossa Via-Láctea é uma dessas nebulosas. Conta perto de 30 milhões de estrelas ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas de extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos uma média de 20 planetas habitados circulando em torno de cada sol: teremos 600 milhões de mundos só para o nosso grupo. Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa para outra, aí estaríamos como em meio da nossa Via-Láctea, porém com um céu estrelado de aspecto inteiramente diverso e este, malgrado às suas dimensões colossais, nos pareceria, de longe, um pequenino floco lenticular perdido no infinito. Mas, antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante que deixa uma cidade e percorre vasto país inabitado, antes que chegue a outra cidade. Teríamos transposto incomensuráveis espaços desprovidos de estrelas e de mundos, o que Galileu denominou os desertos do espaço. À medida que avançássemos, veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós, diminuindo de extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria aquela para a qual nos dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa de centelhas de bomba de fogos de artifício. Transportando-nos pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados" Tal descrição é condizente o estado do conhecimento astronômico e com os recursos tecnológicos disponíveis naquele tempo. Hoje, descobriu-se que a maior parte da matéria não pode ser observada diretamente, o que não era conhecido na época de Kardec.

2 - Dizemos 'heresia' pois Giordano Bruno (1548-1600) foi queimado vivo por defendê-la. Dentre as muitas 'heresias' de Bruno estavam a crença na reencarnação,  a ideia de que o Universo era infinito, de que as estrelas eram outros sóis e de que cada uma delas tinha planetas abrigando vida inteligente.

3 - A ideia remonta às discussões filosóficas dos antigos gregos. No século XIX um grande popularizador da ideia foi Camille Flammarion (1842-1925) grande admirador de Allan Kardec.