Mostrando postagens com marcador psicografia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador psicografia. Mostrar todas as postagens

3 de junho de 2015

Divaldo Franco e Rabindranath Tagore

Esta vida é travessia de oceano
onde nos encontramos em um estreito navio. Na morte,
alcançamos a praia e nos dirigimos a diferentes mundos.
(R. Tagore, em Stray Birds, 1916 (4))

Assim cantarei, e os meus serão poemas e canções imortais.
(R. Tagore, psicografia de Divaldo Franco, Pássaros Livres, 1990 (5)).

Certas coisas têm acontecido comigo,
quando sozinho em meu quarto 
que me convenceram de que há inteligências espirituais
nos advertindo e guiando.  
William Butler Yeats (1865-1939).
De acordo com A. Kardec, a mediunidade, como faculdade das "pessoas que servem como intermediárias entre os Espíritos e os homens", não é simplesmente a capacidade de se comunicar ou trocar informação. A psicografia, em particular, é a capacidade que médiuns têm em emprestar suas mentes para que os Espíritos escrevam e manifestem conteúdo, artístico inclusive. Nesse processo, o Espírito mentalmente induz ideias e conceitos ao médium que pode ou escrever com suas próprias palavras ou captar e transcrever expressões semânticas inteiras conforme sugerido pelo autor. Nesse caso, concebemos a existência de uma escala de transparência mental entre o médium e o autor espiritual, de forma que alguns médiuns conseguem fielmente replicar o que o autor pretende escrever, enquanto que outros apenas pobremente transmitem o que mentalmente recriam para si ouvindo ou vendo. O uso de linguagem poética, entretanto, é uma boa indicação da eficiência do processo de "canalização" entre o desencarnado e o médium, porque elementos sutis de identificação podem ser transmitidos. A escrita automática é o termo dado a um tipo específico de mediunidade. O termo "psicografia" é muito mais geral para representar a experiência mediúnica de escrita. Portanto, esse termo é preferido por espíritas.

Um exemplo desse fenômeno é a colaboração entre Divaldo P. Franco (1927-) (2) e Rabindranath Tagore (1861-1941). De acordo com Divaldo Fraco, ele nunca tinha ouvido falar em Tagore quando foi visitado por esse Espírito certa noite em 1949. O episódio é descrito pelo próprio Divaldo, conforme citação do livro Semeador das Estrelas (3) :
No ano do aparecimento psicográfico de Marco Prisco, em 1949, certa noite eu estava deitado, quando ouvi uma música de uma beleza indefinível, tocada numa espécie de cítara. Ao som dessa música, muito plangente e muito profunda, tive uma visão belíssima de jardins verdejantes e floridos, cortados por um riacho de águas claras no qual deslizava uma barca. Nesta, uma Entidade veneranda, de túnica alva, de tez bem escura, em cuja fisionomia, de serena beleza, sobressaíam os olhos negros, enormes e brilhantes, e a barba alvinitente, cujos fios pareciam ter cambiantes prateados. — Eu sou Rabindranath Tagore, poeta da Índia, e desejo que me grafes alguns pensamentos — disse-me o Espírito. Imediatamente, levantei-me e providenciei o material para a psicografia, entrando em transe mediúnico, logo em seguida. Enquanto psicografava, continuei a ouvir a melodia, penetrante e bela. Eu confesso, honestamente, que nunca havia ouvido falar neste nome ou lera qualquer coisa a seu respeito. A partir dessa noite, durante certo tempo, Tagore foi ditando as várias mensagens que constituiriam seu primeiro livro, que, no entanto, só veio a ser publicado muitos anos depois, em 1965, com o título de Filigranas de Luz.
O autor de Stray Birds ("Aves Errantes", 4) retornou para cantar novos pássaros em livros como Pássaros Livres (5) e Estesia, depois do livro citado Filigranas de Luz em 1965. Não consegui encontrar versões em inglês para esses versos e prosas, de forma que, recentemente, traduzimos de forma imperfeita alguns enxertos para que leitores em língua inglesa apreciem - ainda que de forma pobre - o que Tagore transmitiu a Divaldo depois de sua última existência neste mundo. Assim, alguns desses versos podem ser lidos em inglês no post Divaldo Franco and Rabindranath Tagore do blog "piritist Knowledge. Desses, replico aqui "Pássaros Livres" ou Free Birds que consta no livro de mesmo nome (5). Outros podem ser encontrados no post citado.

Free Birds

My singings are songs that the heart unfasten with rapture thrill.
My songs are melodies that tenderness liberates from my soul's depths and launches toward travelling winds to reach far distances.
My sensibility is sharpen by love and I release the sweet music of hope standing on the tiny window of my pettiness.
I spread through the air the scores of a pentagram chanted by life from the bottom of my being.
By searching my King and my Lord, I modulate my word, I call, I sing and implore.
Like free birds dressed in light they fly to reach open space toward the infinite.
During either the heavy monsoons or droughts, my birds in the same way sing in freedom, enhancing the landscape with sound and beauty.
My birds are living poems of love that liberate themselves from the narrow cage of emotion where they are born to earn the vastness, like birds of happiness.
Take my songs my Lord and convert them into peace carrying birds heralding the eternal springtime for all the unfortunate ones in the world.
So I will sing and mine will be poems and songs of immortal kind.

R. Tagore (Divaldo Franco's psychograhy)

Diz-se que a obra de Tagore em inglês não representa de forma fiel a beleza de seus versos em Bengali (6). O famoso poeta espiritualista irlandês W. Butler Yeats (1865-1939) disse que "Tagore não sabe inglês, nenhum indiano sabe inglês" (6 e 7). Seria então possível que, ao escrever pela mente de Divaldo, Tagore tenha conseguido "grafar seus pensamentos" melhor do que conseguiria se o fizesse em Bengali e usasse um tradutor para o inglês? (ou digamos, para o português, caso fosse possível a Divaldo transmitir em Bengali)? De qualquer forma, a linguagem original foi o Português e é bem provável que exista interferência no "enlace Divaldo-Tagore", tanto quanto na tradução imperfeita que fiz. Entretanto, pode-se imaginar o uso potencial da mediunidade no futuro quando grandes artistas desencarnados poderão voltar e nos transmitir obras na linguagem própria do médium.

Para tanto, é necessário apenas que eles encontrem um instrumento mediúnico fiel.

Referências

(1) A. Kardec (1861) "O Livro dos Médiuns", Vocabulário Espírita. Capítulo 32.

(2) http://www.divaldofranco.net/

(3) S. C. Schubert (1989). O Semeador de Estrelas, 4a edição, Livraria Espírita Alvorada.

(4) http://www.kkoworld.com/kitablar/Rabindranat_Taqor_Kocheri_qushlar_eng.pdf (acesso em maio de  2015). Essa tradução parece conter frases que não consegui compreender direito, talvez não seja a melhor já feita a partir dos originais.

(5) D. Franco (1990). Pássaros Livres. 2a edição. Livraria Espírita Alvorada.

(6) Ver opinião de Amartya Sen citada na Wikipedia: "qualquer um que conheça os poemas de Tagore em seu original em Bengali não se sente satisfeito com a tradução (feita com ou sem a ajuda de Yeats). Mesmo as traduções de prosa sofrem de alguma forma com distorções." Citação original em Sen, A. (1997), "Tagore and His India", The New York Review of Books.
(7) http://en.wikipedia.org/wiki/Rabindranath_Tagore.

3 de junho de 2012

O que se deve entender por 'fenômenos espirituais'.


Exemplo de 'música psicográfica' por Rosemary Brown atribuído ao Espírito de F. Chopin. Este é um exemplo genuíno de 'fenômeno espiritual' que demonstra a possibilidade de intercâmbio entre dois mundos.  

Em um post anterior (1), discutimos com algum detalhe as dificuldades que existem na compreensão de palavras relacionadas a Espírito, perispírito, aura e 'corpo bioplasmático'. Por razões didáticas, é interessante detalhar ainda mais as questões semânticas, a fim de que fique claro o que seria o objeto de estudo de interesse principal da ciência espírita.

Também vimos em (2), obstáculos comuns que se impõem à pesquisa da realidade da sobrevivência e da existência do Espírito. Dentre eles estão as tentativas de se 'detectar' ou 'medir' o Espírito. Em que pese a possibilidade de se encontrar rastros materiais para o terceiro corpo que forma a individualidade humana, há que se considerar que o Espírito, por definição, não pode ser observado diretamente pelos sentidos e, portanto, não está sujeito, para sua apreensão, às dificuldades inerentes do elemento material. Esse ponto crítico está na raiz do desenvolvimento das ciências psíquicas e no reconhecimento do Espírito como um princípio independente da matéria.

Por outro lado, como devemos interpretar isso diante de inúmeros 'efeitos físicos' que são apresentados como evidências de 'fenômenos espirituais'? Seria isso um erro? Aqui temos uma dificuldade inerentemente conceitual e ilustramos isso por meio de um exemplo.

Escrita direta e psicografia

As manifestações mediúnicas que se tornaram conhecidas desde o fenômeno de Hydesville em 1840 apresentaram-se sempre como processos de comunicação par excellence. Dentre elas, a escrita direta e a psicografia destacam-se como método através do qual mensagens de variado conteúdo são transmitidas por meio de médiuns sejam de efeitos físicos em um caso (escrita direta) ou de efeitos intelectuais (psicógrafos) em outro.  

Já apresentamos um exemplo de escrita direta feita por Tom Harrison (3) através da médium de materializações Minnie Harrison. Por meio desse fenômeno um lápis, caneta ou giz é movimentado no ar (seja no interior de uma caixa ou de forma livre) escrevendo mensagens. No início das manifestações, o fenômeno era obtido também quando o lápis era preso a uma cesta (4). A escrita direta também foi chamada de pneumatografia por A. Kardec (5)

Já o fenômeno de psicografia representa uma evolução do processo de comunicação (4) que se iniciou pela tiptologia simples ou a linguagem das pancadas ('raps'). Na psicografia, o médium escreve diretamente a mensagem sob influência de um Espírito. Embora as diferenças marcantes no processo de obtenção da mensagem, está claro que se trata de um processo de comunicação através do qual uma mensagem (então inexistente) é transmitida ao meio de sua recepção.

Exemplo

Diante da possibilidade de se obter mensagens tanto por meio da escrita direta como por meio da psicografia, podemos nos perguntar: qual a diferença do ponto de vista de quantidade de informação entre um processo e outro? Imaginemos dois médiuns, um de efeitos físicos e outro psicógrafo que transmitem sucessivamente frases em determinada ordem que, juntas formam um texto. O conteúdo 'espiritual' da mensagem estará no contexto da mensagem, nas suas várias características linguísticas: idioma em que é produzida (o que implica em uma sintaxe e numa semântica específica desse idioma), de sua pragmática (significados dependentes do contexto extralinguístico) e  intenção (muito mais que uma mensagem, mas a representação de um ato linguístico).






Porém, muitos se deixaram levar pelo caráter 'espetacular' (6) e desprezaram a espiritualidade também presente nas  manifestações puramente físicas (ver nossas conclusões abaixo). O que queremos dizer é que há que se separar os dois aspectos do fenômeno: i) o caráter espiritual ligado à proferência de um conteúdo semântico que revela sentimentos, intenções e informações de seu emissor (o Espírito) e ii) o fenômeno físico que ocorre por ação de forças que - embora 'invisíveis' tem origem física (e, portanto, na matéria). Podemos certamente afirmar a origem física dessas forças porque elas operam sobre a matéria (o lápis ou o giz).

A mensagem musical que apresentamos no início deste texto, Ballade in D-flat Major psicografada por Rosemary Brown (7) e atribuída a Frederic Chopin, também não teria seu conteúdo estético reduzido, a menos de  diferenças na performance do pianista - caso fosse executada diretamente por um piano que 'tocasse sozinho' (8) - ou por qualquer outro pianista minimamente capacitado. Seria um erro desprezar o conteúdo musical dessa peça para se interessar tão somente pelo aspecto físico do instrumento que toca aparentemente sozinho. Também aqui percebemos que podemos separar a aparência do fenômeno, o que impressiona a vista e os ouvidos do conteúdo musical e estético que tem sua origem na fonte de informação, o Espírito.

Conclusões

É fácil ver que a dificuldade em se separar esses dois aspectos é um dos obstáculos à pesquisa da sobrevivência e reconhecimento da realidade do Espírito. Os que confundiram efeitos físicos com manifestações espirituais falharam em perceber a diferença. Cientistas como W. Crookes e outros sábios da SPR de Londres (Society of Psychic Research), além de toda 'escola' da Metapsíquica, insistiram em  tratar eventos psíquicos como se fossem experimentos de bancada de Física ou Química (Fig. 1). A mesma tendência se viu nos desenvolvimentos da Parapsicologia. Com isso, o conteúdo de informação que esses fenômenos traziam foi desprezado em detrimento de aspectos puramente físicos. Por outro lado, a insistência de céticos em 'provar' que tais fenômenos são fraudulentos ou ilusórios é um ataque inapropriado ao aspecto espiritual deles, justamente porque desprezam o conteúdo de informação que transcende ao que é concebível nos círculos em que são produzidos.
Fig. 1 O médium D. D. Home e o experimento de Crookes do acordeon que toca sozinho, ref. (8). A supervalorização de aspectos físicos de fenômenos como esse tem sido feita pelas diversas 'ciências psíquicas' em detrimento do conteúdo de informação que traziam.
Assim, seriam os 'efeitos físicos' fenômenos espirituais? Se eles contribuem para transmitir uma mensagem e revelar uma intenção transcendente ao meio de sua produção, certamente o são. O lado espiritual está no caráter inteligente da mensagem que ele transmite, caráter que revela uma causa inteligente independente, como bem observou Kardec.

Notas e Referências

(1) Sobre fotos Kirlian e o corpo bioplasmático dos soviéticos.
(2) Doze obstáculos ao estudo científico da sobrevivência e à compreensão da realidade do Espírito.
(3) Vídeo III - 'Visitantes da outra margem' - Fenômenos de Materializações descritos por Tom Harrison (Inglaterra)
(4) A. Kardec.(1858) 'Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas',  Capítulo 4, Diferentes modos de comunicação:Psicografia.
(5) A. Kardec. (1861) 'O Livro dos Médiums', 2a Parte, "Das manifetações espíritas, Capítulo 12: Da pneumatografia ou escrita direta". Referência: IPEAK. 146: "A pneumatografia é a escrita produzida diretamente pelo Espírito, sem intermediário algum; difere da psicografia, por ser esta a transmissão do pensamento do Espírito, mediante a escrita feita com a mão do médium".
(6) Não podemos deixar de concordar que, do ponto de vista físico, um lápis que escreve aparentemente 'sozinho' não deixa de ser um fenômeno não só anômalo, mas mais interessante que alguém que o segure e escreva a mensagem com a mão.
(8) Não são raras descrições desses casos na literatura psíquica. Um exemplo de teste conduzido por W. Crookes com o médium D. D. Home demonstrou a execução de uma música por um acordeon que tocava 'sozinho' (Fig. 1). Crookes não se interessou pelo tipo ou natureza da música produzida. Ver: Crookes W. (1874), Researches in the phenomena of spiritualism. London: Lowe and Brydone, 1953. Ver também: 
Estudando o Invisível (por Juliana M. Hidalgo Ferreira)



19 de março de 2011

Cartas Psicografadas (3/3) - Pragmática e intenção em psicografias de Chico Xavier.

Esta é a 3a. e última parte da sequência de posts deste assunto.

Vá para a 1a. Parte.
Esta é a 3.a Parte.

Uma vez que se assuma um modelo de comunicação simples, qualquer análise preliminar da mensagem irá falhar em considerar aspectos que poderiam ser tratados por um modelo mais sofisticado (Akmajian, 2010; Bach, 1979). Informação, vista como um fluxo do emissor ao receptor, pode apenas dar conta de aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos, isto é, sinais que podem ser facilmente ‘copiados e colados’, implicando a possibilidade de que isso tenha ocorrido de fato. Entretanto, mesmo tais aspectos morfológicos, sintáticos e semânticos tornam-se um desafio diante de mensagens escritas em línguas estrangeiras.

Seria assim muito mais fácil explicar a capacidade paranormal acima em um arcabouço teórico que não considerasse problemas de pragmática tais como: a presença de expressões linguisticamente ambíguas, mensagens contendo informação sobre coisas particulares referenciadas (isto é, coisas que somente o recipiente tem conhecimento para ‘completar’ a referência), transmissão de intenção, o assim chamado ‘problema da subdeterminação de intenção comunicativa’ (Bach, 1979), presença de conteúdo através de expressões semanticamente mal definidas (comunicação não literal) e, finalmente, o problema dos ‘atos não comunicativos’ – o objetivo da mensagem não é comunicar, mas produzir um efeito no recipiente. Em face disso, as seguintes observações são pertinentes à carta em análise (ver post anterior) 

1. Referência ao nome que Patrick chamava a sua mãe privadamente (seu nome correto era Christiane e não o referenciado);
2. Referência ao nome da cidade de onde Patrick deveria ter retornado. O acidente foi a 500 metros da residência de férias da família em Itaipava/RJ. A mãe confirmou ter afirmado ao médium que o acidente ocorrera no Rio de Janeiro (estado);
3. Referência não literal. O emissor não retornou de nenhuma guerra, mas utilizou essa expressão para se referir a sua situação anterior;
4. Referência à irmã residente à época na França;
5. Referência à namorada;
6. Referência à avó materna residente à época na França;
7. Referência ao avô paterno residente à época na França;
8. O emissor se refere aqui a preocupações de natureza privada de sua mãe de alguém ter sido responsável por sua morte;
9. Referência à bisavó materna (Margeritte Yvetot), falecida em França em 1974;
10. Referência ao apego da mãe do emissor aos objetos pessoais de Patrick;
11. Referência ao pai;
12. O emissor pede a sua mãe que perdoe sua irmã por uma discussão ocorrida ao telefone após a morte de Patrick. O fato era de conhecimento privado;
13. Patrick era muito sensível à natureza e gostava de animais.

Tais observações foram feitas pelos pais de Patrick depois de receber a carta e mostram claramente a existência de uma ‘decodificação’, devido à existência de intenções, objetivos, crenças e desejos por parte do emissor. Sabe-se que qualquer modelo satisfatório de comunicação deve levar em conta o contexto e a inferência (Bach, 1979), simplesmente porque é muito difícil caracterizar ou acessar elementos que são reconhecidamente privados no processo de comunicação humana. Primeiro é preciso reconhecer que, para que a estratégia do emissor dê certo, um conjunto de crenças compartilhadas entre ele e seu receptor deve existir (Capone, 2006) e que tal conjunto não está disponível ao médium antes da ocorrência do fenômeno psicográfico. Não se trata, assim, simplesmente de se transmitir e receber símbolos linguísticos o que está envolvido em um processo de psicografia. Dada a quantidade e frequência de ocorrências pragmáticas nas cartas produzidas por C. Xavier, é difícil explicar tal fenômeno usando o ‘senso comum’ ou abordagens ‘naturalistas’. Além disso, a situação torna-se mais complexa diante de mensagens escritas em outras línguas, uma vez que elementos léxicos, sintáticos e semânticos acrescentam uma quantidade grande de informação linguística. Portanto, é razoável esperar que teorias e análises linguísticas tenham um papel importante na defesa da idéia da imortalidade da alma em muitas composições psicográficas (Beischel, 2009; Rock, 2008b). Por exemplo, um aspecto interessante que se vê nas mensagens de C. Xavier é o aumento da letra, como se mão do médium estivesse sendo assistida na produção das mensagens. 

Acreditamos que um novo campo de estudos está aberto com a análise das composições 'anômalas' de C. Xavier. Isso também é facilitado uma vez que muitos familiares podem ser contatados para fornecer detalhes adicionais sobre as cartas. A quantidade e qualidade de material produzido por C. Xavier é pouco conhecido fora do Brasil porque está disponível em sua maior parte em Português. Traduções são, portanto, necessárias. Esperamos poder preencher essa lacuna no futuro.

Agradecimentos

Agradeço a Ana C. Xavier (Medical University of South California/USA) por me ajudar na tradução para o inglês da mensagem de Patrick.

Referências.

Akmajian A., Demers R. A., Farmer A. K. & Harnish R. M. (2001), Linguistics: an Introduction to Language and Communication, The MIT Press.
Arantes H. M. C & Xavier F. C (2008a), Estamos no Além, 11ª edição, Editado pelo Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
____(1981), Eles voltaram, 1ª edição , Editado por Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
___(1982a) Lealdade, 1a edição, Editado por GEEM.
___(1982b), Reencontros, 1a edição, Editado por Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
___(1984a), Caravana de Amor, 1a edição, Editado por Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
___(1984b), Retornaram contando, 1a edição, Editado por Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
___(1986), Vozes da outra margem, 1a edição, Editado por Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
___(1988), Gratidão e Paz, 1a edição, Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
___(1990), Porto de Alegria, 1a edição, Editado por Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
___(1998), Amor sem Adeus, 13th edição, Editado por Instituto de Difusão Espírita, Araras, SP.
Bach K. & Harnish R. M. (1979), Linguistic communication and speech acts, Cambridge Mass: MIT Press.
Beischel, J. & Schwartz, G.E. (2007). Anomalous information reception por research mediums demonstrated using a novel triple-blind protocol. EXPLORE: The Journal of Science & Healing, 3, pp. 23–27.
Beischel, J. & Rock, A. J. (2009). Addressing the survival vs. psi debate through process-focused mediumship research. Journal of Parapsychology, 73, pp.71-90.
Borg E. (2006), Pragmatic Determinants of What is Said, in Concise Encyclopedia of Pragmatics, Editado Por J. L. Mey, 2nd edição, Elsevier.
Bosco F. M. (2006), Cognitive Pragmatics, em Concise Encyclopedia of Pragmatics, Editado por J. L. Mey, 2a edição, Elsevier.
Braude S. (2003a), Immortal Remains, Capítulo 2, Rowman & Littlefield Publishers, Inc.
____(2003b), Immortal Remains, Capítulo 5: Writing Samples.
____(2003c), Immortal Remains, Capítulo 3: Outline of Mrs. Piper Mediumship.
____(2003d), Immortal Remains, Capítulo 2: Drop-in communicators.
Capone A. (2006), Shared Beliefs, in Concise Encyclopedia of Pragmatics, Editado por J. L. Mey, 2nd edição, Elsevier.
Casper S. Y (1916), Patience Worth: a psychic mystery. Henry Hold & Company, NY. Também disponível em SpiritWritings.com.
Chaski, C. (2000). Empirical Evaluations of Language-Based Author Identication Techniques. Forensic Linguistics: The International Journal of Language and the Law, 8 (1).
Chibeni S. (1994), O Paradigma Espírita, Reformador, pp. 176-80. An English version of this paper (The Spiritist Paradigm) was published in Human Nature, vol. 1, n. 2,  pp. 82-87, January 1999, and can be found at http://www.geeu.net.br/artigos/paradigm.htm
Cobley P., Editado (2001), Semiotics and linguistics, Routledge Group, London and New York.
Cutting J. (2002), Pragmatics and Discourse, Routledge, Taylor and Francis Group, NY.
Filho D. (2010), Chico Xavier: o filme, Columbia/Sony Pictures.
Griffin E. A. (1997), A first look at communication theory. 3a edição, New York: McGraw-Hill.
Grumbach C., Gentile L. A. & Pelele P. P. (2010), As cartas psicografadas de Chico Xavier, Crisis Produtivas e Ciclorama Filmes.
Kardec A. (1985), Le Livre des Esprits. Paris, Dervy-Livres.
Kardec A. (1996), The Spirit´s Book, Allan Kardec Educational Society.
Kardec A. (2000a) The book on Mediums, Samuel Wiser, Inc. Trad. por Emma Wood.
___(2000b), Capítulo 11.2r
Kopka J & Vogel C. (2004), Testing the Reliability of an Authorship Identification Method, Technical Report (TCD-CS-2004-40) of the School of Computer Science and Statistics, Trinity College Dublin.
Koyama W. (2006), Anthropology and Pragmatics, in Concise Encyclopedia of Pragmatics, Editado Por J. L. Mey, 2nd edição, Elsevier.
Olsson J. (2008). Forensic Linguistics, Segunda Edição. London: Continuum.
Oxon M. (1878), Psychography: a treatise on one of the objective forms of psychic or spiritual phenomena. Courtesy of SpiritWritings.com
Shannon, C.  E. & Weaver  W. (1949) A Mathematical Model of Communication. Urbana, IL: University of Illinois Press.
Perandrea C. L. (1991), A Psicografia à luz da Grafoscopia, Núcleo Espírita Universitário, Londrina/PR, Editado por Linha Gráfica Editora Ltda.
Piper A. L. (1929), The Life and Work of Mrs. Piper. London: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co.
Ramacciotti C. & Xavier F. C. (1975), Jovens no Além, 1a edição, Editado por GEEM.
Rigotti E. & Greco S. (2006), Communication: Semiotic Approaches, em Concise Encyclopedia of Pragmatics, Editado Por J. L. Mey, 2nd edição, Elsevier.
Rocha A. C. (2001), A poesia transcendente de Parnaso de além-túmulo, Tese de Mestrado do Instituto de Estudos de Linguagem, UNICAMP.
Rock, A. J., Beischel, J., & Cott, C. C. (2008a). Psi vs. survival: A qualitative investigation of mediums' phenomenology comparing psychic readings and ostensible communication with the deceasEditado Transpersonal Psychology Review, 13, 76-89.
Rock, A. J., Beischel, J., & Schwartz, G. E. (2008b). Thematic analysis of research mediums' experiences of discarnate communication. Journal of Scientific Exploration, 22(2), pp.179-192.
Xavier F. C (1935), Parnaso de Além-Túmulo,  1a Edição, Federação Espírita Brasileira.
Xavier, F. C (1983), Lira Imortal, 3ª. Edição, Federação Espírita Brasileira.
Wales K. (2009), Unnatural conversations in unnatural conversations: speech reporting in the discourse of spiritual mediumship, Language and Literature, 18, pp. 347-356.

11 de março de 2011

Cartas Psicografadas (2/3) - Pragmática e intenção em psicografias de Chico Xavier.


Segunda parte da tradução do artigo original publicado na revista 'Paranthropology', 2 (1), 2011. p. 35-47. As referências serão apresentadas no parte final depois da última postagem (número 3).


Vá para a 1a. Parte.
Esta é a 2.a Parte.
Vá para a 3.a Parte.


Nesse contexto, a figura mais importante do movimento espiritualista brasileiro é Franciso Cândido Xavier (1910-2002), também conhecido como Chico Xavier. Tendo passado por uma infância não privilegiada, publicou mais de 400 livros entre 1925 e 2001, além de ter produzido milhares de cartas de conteúdo paranormal. Entre seus livros, trabalhos poéticos e literários de autores portugueses e brasileiros do final do século 19 devem ser destacados (Xavier, 1935; Xavier, 1938), implicando em outra dimensão na análise do fenômeno mediúnico, o da estética (Rocha, 2001). Limitações de espaço nos impedem de discutir aqui a questão da poesia nos trabalhos mediúnicos de Chico Xavier. Sua vida foi tema de um filme recente (Filho, 2010; Grumback, 1910),  mas, mesmo assim, suas obras são pouco conhecidas fora do Brasil.

Aqui apresentamos uma tradução não publicada em inglês (1) de uma mensagem psicografada por C. Xavier atribuída a um recém-falecido (Arantes, 2008a). O objetivo dessas cartas era dar consolo espiritual a pais e parentes que o procuravam por informações de seus filhos e parentes falecidos. Algumas considerações sobre o ambiente e o contexto em que a mensagem foi obtidas seguem:
  1. De acordo com regras de conduta aceitas no Movimento Espírita de orientação Kardecista, destacamos o caráter voluntário dos trabalhos produzidos, isto é, ausência de quaisquer taxas para a realização das sessões. Os direitos autorais de todos os livros psicografados foram doados pelo autor a trabalhos de assistência social e outras obras;
  2. A mediunidade de C. Xavier foi similar em grau e sensibilidade ao da Sra. Piper (Piper, 1929; Braude, 2003c). Ele era capaz de produzir manifestações tanto de caráter físico como inteligente, com preferência por psicografias. 
  3. Sua mediunidade pode ser dividida em várias fases. A que trataremos aqui que se inicia em 1960 foi caracterizada pela visita de familiares buscando informações por parentes recém-falecidos. Uma pequena parte dessas cartas foi publicada (Arantes, 1981; 1982a; 1982b;1984a; 1984b; 1986; 1988;1990; 1998;2008a).
  4. O ambiente em que se encontrava o médium durante essa fase era composto por pessoas de uma ampla variedade de classes sociais e crenças religiosas, a maioria inconsciente de mecanismos envolvidos na produção dos fenômenos. Devido ao caráter excepcional das manifestações, grande quantidade de pessoas o procuravam em busca de informação gratuitas de seus parentes, e faziam isso com pouco ou nenhum contato anterior com o médium. 
  5. A maior parte das cartas eram produzidas em Português, que era o idioma nativo do médium. Mas comunicações em outros idiomas foram obtidos (p. ex., italiano, (Perandrea, 1991) e inglês).
  6. A assinatura do emissário era reproduzida de alguma forma no final de várias cartas. Tal fato permitiu a realização de estudos comparativos (Perandrea, 1991) usando análise grafoscópica.
  7. As cartas não eram obtidas de forma instantânea. Em alguns casos, eram obtidas em uma primeira visita, em outros um intervalo de várias semanas ou meses era necessário.
  8. Em muitos casos, mais de uma carta era obtida.
  9. Nunca tendo encontrado o médium antes, parentes confirmaram que eles frequentemente eram chamados por seus nomes próprios por ele em uma primeira visita. Nome de parentes falecidos eram também citados, alguns não reconhecidos inicialmente pelos familiares, mas apenas após buscas ou pesquisas subsequentes.
É reconhecidamente difícil registrar e confirmar subsequentemente a informação em comunicações de natureza psíquica (Braude, 2003c). Entretanto, as cartas de C. Xavier representam uma ocasião ímpar por se dirigirem a parentes que podem, eles mesmos, fornecer 'elementos de identificação'. Por exemplo, muitas cartas eram assinadas e, no exemplo abaixo, o emissor (falecido aos 20 anos de idade) deixou uma assinatura que, de acordo com sua mãe, era semelhante a de seu filho aos 8 anos de idade.

Entretanto, para todos os pais que se entrevistaram, a evidência autoral vem da competência pragmática exposta nas cartas que revelam informação que somente era conhecida por por um conjunto restrito de pessoas. Em muitas ocasiões as cartas revelam um conhecimento tácito de certas situações que era difícil de se obter por meios normais. De particular importância é a citação de nomes de personalidades falecidas cujos nomes exigiram posterior confirmação para sua validação (em muitos caso, nomes estrangeiros). Mais incrível ainda é o fato do emissor revelar conhecimento de sentimentos privados experimentados por pais e parentes anteriormente a emissão da mensagem.

A carta abaixo é um exemplo de comunicação psicográfica por C. Xavier obtida em Uberaba/MG, no dia 1 de Janeiro de 1979 assinada por G. Patrick Castelnaud (24/1/1958-11/3/1978) que faleceu de um acidente de carro. Sua mãe recebeu esta carta após uma segunda visita à Uberaba, localizada a 800km do lugar do acidente e residência da família.

Mamãe Christine (1), abençoe-me. 

Tudo bem. Chegada em paz. Sabe o que sucedeu? Realmente não regressei de Itaipava (2). Retornei da guerra. Felizmente. 

Diga ao meu pai, a nossa Chantal (4) e a nossa Ninon (5) que prossigo. Tudo prossegue. É a vida de que se cogita ainda mesmo quando nossas capas físicas se estendam estraçalhadas nos acientes. 

Ontem, o campo da resistência e luta. Agora, é a região de pas reconquistada. 

Avise à vovó ‘chéri gand-mère’ Fernanda (6) e ao vovô Mogliocco (7) que estou bem. De uma paisagem bonita como a nossa, me transferi para outra. Graças a Deus, a guerra para mim terminou. 

Aqui tudo mamãe Christine, foi reajuste. Não culpem a ninguém(8). Minha outra avó Margueritte (9) está me ensinando a compreender. Ainda vacilo nas lições. Mas o importante é que estou na escola. 

Mãezinha, lance tudo o que é recordações de infância no esquecimento (10). Papi Gerard (11) está certo, somos todos irmãos. Não existem adversários. Existem os filhos de Deus e todos nos pertencemos uns aos outros. 

Console a querida Chantal(12). A vida pede compreensão e não entende qualquer animosidade de nossa parte contra ela.

Tudo é belo na obra de Deus(13). O dia e a noite, a alegria e o sofrimento, o barco e a estrela, e até o próprio mal existe por bem, ainda interpretado para a essência positiva que nos transforma as dificuldades em bênçãos.

Mãezinha, esta carta é um alô simplesmente. Vai alô iluminado de beijos; são todos seus. Se possível entregue alguns para Chantal e Ninon , e receba com meu pai Gerard todo o coração de seu filho, sempre seu filho do coração.

Gerard Patrick Costelnaud.

Na terceira e última parte analisaremos o conteúdo da mensagem e traremos a lista de referências.

Notas
1 - Esta é uma tradução para o português do artigo originalmente em inglês. Obviamente, a mensagem reproduzida é a original.

5 de março de 2011

Cartas Psicografadas (1/3) - Pragmática e intenção em psicografias de Chico Xavier.


Primeira parte da tradução do artigo original publicado na revista 'Paranthropology', 2 (1), 2011. p. 35-47. As referências serão apresentadas no parte final depois da última postagem (número 3).
Minha intenção aqui é apresentar a mediunidade de Chico Xavier em psicografias de recém falecidos. Seria interessante explicar os mecanismos envolvidos nessa mediunidade, saber como a mente do médium pode adquirir informação oculta que é tão abundante nessas psicografias, sobre quais são as condições e exigências envolvidas no fenômeno, sobre como a informação pode ser obtida dessa forma etc. Essa é uma tarefa muito difícil e busquei inicialmente invocar a teoria da comunicação (Griffin, 1987), assumindo que a informação está em algum lugar e que muitos detalhes do processo são bem compreendidos. Minha tentativa inicial mostrou a precariedade dessa abordagem. Além de ser um fenômeno humano, cada caso de mediunidade é único e tem suas próprias peculiaridades, requisitando estudo dedicado. Tal característica não permite enquadrar a mediunidade em categorias bem definidas de fenômenos o que parece ser importante numa fase pré-científica de uma disciplina.

Espero também que tal narrativa despretenciosa possa motivar outros estudos de caráter antropológico (Koyama, 2006) ao redor da figura de Chico Xavier e sua obra, que é pouco conhecida fora do Brasil. Uma vez que o ponto de vista cético é bem divulgado, não procurarei fazer qualquer tentativa de teorização, pois minha intenção aqui é descrever o fenômeno como ele se manifesta, junto com alguma informação sobre o contexto em que eles foram produzidos.

A moderna teoria da informação (Shannon, 1949) tem como objetivo fornecer um modelo para o processo de comunicação entre duas entidades - emissor e receptor - no qual influências de ruído e outras interferências na transferência de mensagens são levadas em consideração. Para ser viável, o processo exige uma fonte de informação (emissor ou remetente), uma mensagem (codificada usando um protocolo conhecido tanto pelo emissor como pelo receptor - a linguagem) e um alvo (destinatário, receptor). Além disso, a mensagem é transferida do remetente ao destinatário através de um meio. Tanto a linguística como a semiologia (Cobley, 2001) tem como objetivo o estudo da comunicação, fornecendo teorias mais adequadas para a compreensão de sinais e outros aspectos relacionados ao processo de comunicação, além daqueles que são explorados mecanicamente na abordagem de Shannon e outros (Bosco, 2006; Rigotti, 2006).

Dada uma mensagem, podemos nos interessar particularmente pelos elementos chave que resultam na identificação da verdadeira natureza da fonte de informação. Sabe-se (Chaski, 2000; Kopka, 2004) que, dependendo do meio usado para a transmissão, a mensagem pode conter elementos suficientes que permitem a identificação do emissor, um assunto para a recém criada línguística forense (Chaski, 2000; Olsson, 2008). Tomemos, por exemplo, a tarefa de identificar a autoria de uma carta escrita por um amigo que se mudou recentemente para a Austrália. Nela eu encontro sinais gráficos, morfológicos, sintáticos, semânticos e outras estruturas pragmáticas (Akmajian, 2001) que me permitem identificar facilmente meu amigo como seu autor.

No nível mais elevado ou da pragmática (Cutting, 2002), além do significado aparente, a mensagem é composta de tal forma que somente o destinatário tem capacidade de compreender realmente seu conteúdo. Por exemplo, meu amigo, sabendo de meu pouco interesse em visitar a Austrália, descreve em cores vivas as belas paisagens daquele continente, a fim de atualizar minhas impressões e mudar minha opinião sobre ir visitá-lo na Austrália. Se outra pessoa ler suas descrições, ele provavelmente não conhecerá sua verdadeira intenção tão só pela leitura das frases. Embora a morfologia, a sintaxe e a semântica sejam as mesmas para todos, isto é, elas são publicamente disponíveis, a pragmática é um aspecto privado do protocolo de comunicação. Em todo processo de comunicação desse tipo, competência pragmática (capacidade do autor em passar informação de conteúdo privado ao seu destinatário) é um fator importante para a identificação da fonte da mensagem (Borg, 2006).

Embora fenômenos psíquicos apresentem-se como anomalias para o pensamento científico contemporâneo e como fraudes para grupos céticos (aqui fazemos distinção entre ciência e ceticismo), eles sempre se manifestaram prima facie como processos de comunicação (Rock, 2008a; Beischel, 2007). Esse aspecto tem sido repetidamente desconsiderado por pesquisadores dos fenômenos psíquicos (Beischel, 2009) que não aceitam a ideia de que informação de caráter psíquico possa ser gerada fora da mente do médium (Braude, 2003a; Wales, 2009). Parece, então, razoável usar a semiologia e a linguística (Wales, 2009) para reafirmar ou não a autoria de muita informação de natureza psíquica de qualidade em uma tentativa de se atestar a natureza da fonte.

Entre as variedades de processos inteligentes de natureza psíquica (em contraposição às manifestações físicas), a psicografia (Oxon, 1848; Braude, 2003b) apresenta-se como uma evolução de formas primitivas e mecânicas de comunicação tais como a tiptologia e o uso de pranchetas (Kardec, 2000b). Composições produzidas por via psicográfica (incluindo poesia) são conhecidas em países de língua inglesa (veja o caso Patience Worth em Braude, 2003b; Casper, 1916), embora em caráter menos extensivo do que sua contraparte acústica, a 'psicofonia' (capacidade de falar mensagens de conteúdo paranormal) que também se produziram por toda a parte.

No Brasil, a pratica da psicografia é muito popular no movimento espiritualista local conhecido com Espiritismo e fundado por H. L. D. Rivail, um pedagogo francês também conhecido como Allan Kardec (Kardec, 1985). Kardec escreveu um tratado sobre mediunidade (Kardec, 2000a) nos início da pesquisa psíquica na Europa e lançou os princípios do Spiritisme no 'Livro dos Espíritos' (Kardec, 1996). Em seu aspecto religioso, o Espiritimo de Kardec, além da ênfase na mediunidade que se tornou uma prática espírita, também incorporou a crença na reencarnação como forma de evolução da alma (Chibeni, 1994). Tal ambiente de aceitação franca da realidade da comunicação dos Espíritos e reencarnação constitui-se em um campo fértil para o desenvolvimento da mediunidade ativa, em particular de caráter psicográfico.

No próximo post: a mediunidade de psicografia de Francisco Cândido Xavier.