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14 de abril de 2012

Sobre teorias fenomenológicas e construtivas.

“Nimbus II” (Berndnaut Smilde - cortesia do artista)

Muitas vezes, na apresentação da fenomenologia espírita (mediúnica ou psíquica) somos indagados a respeito de "explicações mais detalhadas" para uma grande variedade de fenômenos. Por exemplo, há pessoas que acreditam que a tese espiritualista apenas será "comprovada" quando pudermos quantificar e medir a fonte de informação espiritual por meio de alguma ideia que explique essa fonte (o Espírito), seja  por algum tipo de matéria sutil formada por partículas invisíveis etc. Dai surgem muitas tentativas de se utilizar conceitos primitivos da física com os fenômenos anômalos ou psíquicos. Parece natural querer explicar a influência espiritual por meio da invocação de conceitos como campo sutil, energias de diversos tipos etc.

Ainda que não seja exatamente das teorias da física que esperamos ser capazes de fazer o conhecimento das ciências psíquicas avançar, não podemos deixar de concordar que a epistemologia da física nos fornece exemplos excelentes sobre modelos de teorias, a fim de que possamos compreender a situação presente dessa fenomenologia psíquica. Nesse sentido é importante considerar a existência (do ponto de vista epistemológico) de dois tipos bem distintos de teorias. Recorremos, para isso, ao artigo "Teorias construtivas e teorias fenomenológicas" de S. Chibeni:
Teorias fenomenológicas. Classificam-se como tais as teorias cujas proposições se refiram exclusivamente a propriedades e relações empiricamente acessíveis entre os fenômenos (fenômeno: aquilo que aparece aos sentidos). Essas proposições descrevem, conectam e integram os fenômenos, permitindo a dedução de consequências empiricamente observáveis. Exemplos importantes de teorias fenomenológicas são a termodinâmica, a teoria da relatividade especial e a teoria da seleção natural de Darwin. 
Teorias construtivas. Em contraste com as teorias fenomenológicas, as teorias construtivas envolvem proposições referentes a entidades e processos inacessíveis à observação direta, que são postulados com o objetivo de explicar os fenômenos por sua “construção” a partir dessa suposta estrutura fundamental subjacente. Exemplos característicos desse tipo de teoria são a mecânica quântica, a mecânica estatística, o eletromagnetismo, a genética molecular e grande parte das teorias químicas.
É possível distinguir os tipos de explicação em duas classes: a das teorias fenomenológicas (entendido está que um "fenômeno" é aquilo que é acessível aos sentidos ordinários). São explicações que partem de princípios estabelecidos e que procuram derivar previsões ou descrições para diversos fenômenos. As teorias construtivas (esse nome foi criado por A. Einstein, 1954) procuram estabelecer explicações a partir da proposta de leis e princípios para 'entidades não acessíveis à observação direta' (não observáveis). Dessa forma, por exemplo, a química explica os fenômenos de reatividade entre elementos a partir da postulação (Nota 1) da existência de átomos.

A teoria da relatividade de Einstein (assim como a Mecânica clássica) é uma teoria fenomenológica. Mas o exemplo mais famoso de teoria fenomenológica que existe é a termodinâmica, ou a parte da física que explica o funcionamento de processos térmicos ou termodinâmicos. Um cientista termodinâmico estará muito feliz em explicar seus fenômenos usando os princípios gerais de sua ciência (a primeira e segunda lei termodinâmica). Ele não precisa de átomos para isso (com relação a essa classificação para a Medicina, ver Nota 2). 

Mas quais seriam as vantagens e desvantagens de cada uma dessas abordagens epistemológicas? É natural imaginar que a ciência começa fenomenológica e atinge seu auge de forma construtiva? Isso também foi respondido por Einstein (1954):
As vantagens das teorias construtivas são a completude, adaptabilidade e clareza. As vantagens das teorias de princípios (fenomenológicas) são a perfeição lógica e a segurança de fundamentos.
Explicações baseadas em princípios gerais são mais bem estabelecidas (sofrem menor abalo os fundamentos) e permitem aplicação mais direta da lógica. Já as explicações construtivas permitem maior adaptação (explicam extensões de fenômenos) e são mais completas. 

Com relação às previsões possíveis com explicações científicas, ambas as classes de teorias permitem previsões (que é um tipo diferente de explicação aplicada a fenômenos ainda não descobertos). A história da física mostrou que muitas explicações começaram como fenomenológicas e atingiram um ponto de maturação como explicações construtivas. O caso que já discutimos, a termodinâmica (que permanece como uma teoria independente), foi consideravelmente ampliada por teorias que admitiram a existência do átomo. Assim, muitos princípios termodinâmicos podem ser "explicados" como derivados de leis mais profundas que regulam a interação e dinâmica de átomos.


E no caso da fenomenologia psíquica?

Podemos tentar classificar os tipos de explicações que se inventaram para a imensa variedade de fenômenos psíquicos existentes. Por exemplo, explicações de origem parapsicológica (mais recentemente rebatizada, por exemplo, de "psicologia anomalística") tem aversão a "princípios" e procuram montar explicações puramente factuais dos fenômenos. Grande parte do insucesso da parapsicologia - do ponto de vista dos céticos - foi sua incapacidade de prover uma explicação naturalista dos fenômenos. Entendem eles que as "ciências psi" deveriam fornecer explicações para os fatos psíquicos usando princípios largamente aceitos (sejam eles fenomenológicos ou construtivos). A parapsicologia demonstrou ser apenas uma maneira diferente de se descrever determinadas ocorrências consideradas anômalas. Por exemplo, psi-theta (rebatizado para fenômenos de efeitos físicos) e psi-gamma (rebatizado para fenômenos de efeitos intelectuais) são tão somente nomes pitorescos para classes de fenômenos psíquicos distintos na sua variedade de manifestação e que foram bem descritos antes do final do século 19. 

A história das ciências psi depois do Espiritismo tem sido mais uma arte criativa de invenção de nomes diferentes e aparentemente sérios numa tentativa desesperada de convencer céticos da realidade dos fenômenos.

Mais recentemente há nova tentativa de se montar explicações para os fenômenos psíquicos que partem de teorias construtivas. Assim, ao se utilizar ideias como 'emaranhamento quântico' na explicação da transmissão de pensamento (rebatizado de telepatia), os proponentes (Radin, 2006) são obrigados a extrapolar conceitos muito específicos de entidades inobserváveis da física para se ter uma explicação considerada satisfatória. Mas, podemos nos perguntar se isso é uma explicação satisfatória, no sentido de conseguir fazer o conhecimento avançar realmente ou se, na verdade, estão apenas realizando novo rebatizo, em termos do qual tudo seria mais facilmente aceito pelos céticos. Assim, aparentemente, ainda estamos na fase de 'pré-ciência' em se tratando de fornecer nomes diferentes ao invés de explicações  em termos das quais os fenômenos psíquicos seriam finalmente comprovados 'cientificamente' (isto é, "aceitos pelos céticos").

As explicações para os fenômenos psíquicos em "O Livro dos Médiuns" constituem princípios de uma teoria fenomenológica.

Vimos que, para que seja uma boa explicação, uma teoria não necessariamente tem que ser feita em termos de princípios construtivos. É preciso, além disso, saber separar o que há de verborragia e de princípios fundamentais subjacente em uma explicação de um determinado fenômeno psíquico. Não podemos nos esquecer que muitos dos fenômenos psíquicos foram estudados nos albores do Espiritismo por A. Kardec, que chegou a formular uma teoria fenomenológica para eles. Essa teoria está contida em 'O Livro dos Médiuns'. Os princípios dela são:
  1. Sobrevivência do ser em outra unidade (Espírito) que carrega informação além do corpo material;
  2. Comunicabilidade: possibilidade de comunicação entre essas unidades envolvendo mecanismos não materiais;
  3. Influência do organismo material no processo de comunicação;
Esses são os princípios que permitem uma grande estabilidade e coerência lógica na obtenção de explicações (desde que se tenha competência para isso). A partir deles e de outras regras empíricas é possível obter e prever fenômenos distintos. Não precisamos nenhuma explicação adicional - a respeito, por exemplo, do mecanismo (construtivo) que viabilize o princípio 2 - para aplicá-los na explicação de ocorrências específicas.

Agora, muitos que rejeitam esses princípios o fazem porque acham que dos fenômenos se deve derivar as causas, ou porque se tem interesse em convencer céticos. O primeiro problema é uma visão equivocada do processo de geração de conhecimento (sobre o que já tratamos anteriormente, ver post sobre o positivismo lógico e o indutivismo ingênuo e Nota 3). Quanto à segunda postura, ela claramente envolve um objetivo que não é o de fazer o conhecimento progredir, mas o de convencer um grupo de crentes em particular.

Portanto, não parece ser possível fazer o conhecimento a respeito dos fenômenos mediúnicos e psíquicos progredir sem teorias inicialmente fenomenológicas, calcadas em princípios que tornem tais explicações estáveis o suficiente para possibilitar o progresso científico. Por outro lado, acreditamos também que, no futuro, tais explicações serão suplantadas por teorias construtivas que embasarão e explicarão os princípios das teorias precedentes (que são reconhecidamente incompletas). Não temos elementos no presente para desenvolver tais teorias construtivas para os fenômenos psíquicos.

Novo comentário acrescentado em 16/4/2012

O que distingue teorias fenomenológicas das teorias construtivas não é exclusivamente o fato de as últimas se basearem em entidades não observáveis. As teorias fenomenológicas se baseiam em princípios que se estabelecem como relações entre fenômenos. Já as teorias construtivas postulam princípios entre entidades não necessariamente observáveis, mas a partir das quais fenômenos são derivados. Portanto, teorias construtivas são mais 'completas' no sentido de permitirem maior amplitude de previsão e capacidade de explicação do que as teorias puramente fenomenológicas. Estas, por sua vez, por tratarem princípios que se relacionam diretamente a fenômenos, gozam de maior estabilidade, pois não se podem negar fatos ou ocorrências experimentais, o que é facilmente feito com outros tipos de entidades que são objeto das teorias construtivas.

Referências
A. Einstein (1954) “What is the theory of relativity”. In: Ideas and Opinions, Crown (Wing Books reprint), pp. 228-30.
D. Radin (2006), "Entangled Minds: Extrasensory Experiences in a Quantum Reality". Simon & Schuster, Inc.

Notas
  1. Um átomo é uma entidade física que, obviamente, não é acessível aos sentidos humanos diretamente.
  2. A Medicina é uma ciência de classe fenomenológica por excelência. Recentemente, recebeu contribuições construtivas da genética e da bioquímica.
  3. Se podemos algo mais sobre isso, seria o mesmo que querer descobrir a existência de átomos tão só observando-se reações químicas.