2 de agosto de 2016

Uma interpretação espírita para o inconsciente

Um novo mundo emerge com as faculdades pouco usuais demonstrada por alguns humanos. Essas faculdades são previstas pela Doutrina Espírita como manifestações da liberdade do Espírito. Porém, alguns pesquisadores que estudaram o fenômeno depois de Kardec, criaram nomes diferentes para a fenomenologia psíquica, principalmente aquela relacionada às “manifestações anímicas”. De fato, surgiu uma mistura de termos que envolvem conceitos como “subconsciente”, “inconsciente” e “mente”. Por exemplo, tornou-se popular entre os adeptos entusiastas da parapsicologia o termo “poderes do subconsciente” ou “poderes da mente”.

O que seria isso? O prefixo “sub” evoca vagamente o que estaria “abaixo” do consciente, como se este último fosse uma coisa distribuída no espaço, talvez em camadas. Porém, o impacto do significado desses nomes na cabeça de quem os recebe depende da imagem, ideia ou conceito que ele faz desses termos, pouco claros em princípio. Para os espíritas, os “poderes da mente” ou do “subconsciente” nada mais são do que termos que fazem referência a fenômenos anômalos, todos eles com causa real no Espírito (e, portanto, não no corpo) e que foram tratados por Kardec genericamente como “emancipações da alma” (ver Capítulo 8 de “O Livro dos Espíritos”, LE, 1).

Por que insistimos nisso? Porque, em toda e qualquer disciplina que pretenda ser científica é preciso definir de forma não ambígua ou clara o significado de seus termos. No nosso entendimento, uma vez aceita a existência do Espírito como origem da consciência, fica fácil interpretar o significado de alguns desses termos:
  • espírito (LE Q #23): é o princípio inteligente, origem da inteligência. Em princípio, esse termo sintetiza o máximo que podemos saber sobre a origem do Espírito;
  • Espírito (LE Q#78 e sua nota): designação dada ao espírito dotado de consciência de si, liberto de ligações com a matéria;
  • alma (LE Q#134): um Espírito encarnado. Nesse caso, a alma deve ser usada para designar a parte do ser humano responsável por sua consciência;
  • consciência: fluxo de pensamentos, percepções e cognições do Espírito. No estado encarnado, a consciência possui faculdades mais limitadas do que a do estado desencarnado. Liberto da matéria, a alma tem também sua consciência, muito mais ampliada porque pode acessar o seu passado;
  • mente: seria um termo mais genérico que substituiria em significado a alma. Assim, em certo sentido “mente” e “alma” seriam sinônimos, pois dizem respeito à manifestação do Espírito encarnado. Apenas por uma extensão de significado, talvez fosse possível falar em “mente do Espírito”, quando, para nós, o termo "mente" deve se referir ao seu espírito;
  • cérebro (e sistema nervoso): contraparte material que está ligada ao espírito por meio de uma interface semi-material, o períspirito, e que exerce grande influência sobre as manifestações da alma. O cérebro tem papel de filtro da consciência integral do Espírito, servindo como meio de transmissão dessa consciência para o mundo material e levando ao Espírito informação através dos diversos sentidos ordinários. As manifestações de consciência de um encarnado seriam apenas uma pequena parcela de sua consciência espiritual.
Consciente, subconsciente e inconsciente

Como poderíamos entender do ponto de vista espírita, termos como “inconsciente” ou “subconsciente”? Para isso, é necessário consultar primeiro o significado moderno desses termos (2), o que nos leva a avaliar melhor a distância semântica entre eles e os conceitos espíritas e a constatar, de forma natural, que há uma diferença de objetivos no uso desses termos. De fato, mais recentemente, na psicologia usa-se:
  • consciente: é o estado de vigília, em que estamos acordados e temos “consciência” daquilo que nos rodeia. Veja que aqui o termo “consciência” não significa a mesma coisa expressa anteriormente. Em inglês usa-se “awareness” para designar esse estado, uma palavra que não tem tradução em português. “Consciente” refere-se a um “estado da mente”, portanto, “consciência” é simplesmente uma propriedade do estado consciente. Quando olho para um objeto em cima de uma mesa, a percepção de sua forma, a constatação de sua cor, a avaliação mental que faço de seu peso (que nada tem a ver com seu peso “real”) etc, indicam que estou “consciente“ dele. A percepção daquele objeto penetrou na minha mente e, nesse instante, faço ideia do que ele seja;
  • subconsciente: designa a percepção de um estado mental quando não tenho minha atenção “focada” em determinada coisa, objeto ou situação. Ao ter consciência do objeto em cima da mesa, não tenho simultaneamente lembrança alguma do que fiz no café da manhã do dia anterior, mas posso “me lembrar” caso faça um esforço nesse sentido. Assim, a extensão da “informação subconsciente” é muito maior do que aquela meramente consciente. Também por subconsciente designa-se o estado mental que me faz caminhar da minha casa ao trabalho, todos os dias, a prestar mínima atenção ao que se passa ao redor de mim. Essa “automatização” de atos, pelos quais faço algo “pensando em outra coisa”, tem sua causa na ação do subconsciente. O terreno ou “campo” da mente seria assim o “subconsciente”, sendo que sua “consciência” seria semelhante ao foco de uma lanterna dirigida para certo canto desse terreno;
  • inconsciente: do ponto de vista da psicologia, esse termo refere-se a algo ainda controverso. Designaria um repositório de desejos, lembranças, sentidos instintivos que não podem ser acessados facilmente, ou seja, que não podem ser transformados em “objetos mentais conscientes”. Um acontecimento traumático ocorrido em tenra infância, segundo a moderna psicologia, pode permanecer para sempre inacessível no inconsciente. Clama-se que esse acontecimento poderia afetar o desenrolar da vida consciente do indivíduo por meio de tendências psicológicas negativas inexplicáveis, por exemplo. 
Há espaço para uma “interpretação” espírita desses termos? Acreditamos que sim. Talvez a noção de “inconsciente” tenha sido avançada indiretamente no Espiritismo como consequência natural da comparação entre o estado de encarnado e o de Espírito liberto. O comparativo "como Espírito” é frequentemente encontrado em várias passagens de "O Livro dos Espíritos" (grifos meus abaixo):
Em cada uma de suas existências corporais o Espírito adquire um acréscimo de conhecimentos e de experiência. Esquece-os parcialmente, quando encarnado em matéria por demais grosseira, porém deles se recorda como Espírito. (2a Parte, "Do mundo espírita ou mundo dos Espíritos", Cap. 8, parágrafo 455.)
Q# 858. Por que razão os que pressentem a morte a temem geralmente menos do que os outros?

“Quem teme a morte é o homem, não o Espírito. Aquele que a pressente pensa mais como Espírito do que como homem. Compreende ser ela a sua libertação e espera-a calmamente.”
Q# 221. Dever-se-ão atribuir a uma lembrança retrospectiva o sentimento instintivo que o homem, mesmo quando selvagem, possui da existência de Deus e o pressentimento da vida futura?
"É uma lembrança que ele conserva do que sabia como Espírito antes de encarnar. Mas o orgulho amiúde abafa esse sentimento."
Nessas respostas fica claro que o resultado das ações conscientes do Espírito pode depender de seu estado, se encarnado ou parcialmente desdobrado, quando ele acessa parte de suas memórias, desejos e aspirações como Espírito imortal. Portanto, o “inconsciente” existe e designa o conjunto de lembranças, memórias e comportamentos do Espírito integral, produto do processo evolutivo em múltiplas existências. Não só traumas da existência atual, mas outros, muito mais marcantes poderiam ter impacto na vida presente de um encarnado. Isso parece ser validado por pesquisas recentes sobre memórias de vidas anteriores.
Fig 1. Uma interpretação espírita para os conceitos de 'inconsciente' e 'subconsciente'. O Espírito encarnado é como um mergulhador (em seu "escafandro de carne"), no grande oceano do inconsciente, que é a memória integral e multissecular do Espírito. Nesse oceano, um pequeno mar representa seu subconsciente, que dispõe de toda informação de sua atual existência, mas não diretamente acessível. Viver significar acender uma lanterna que ilumina parte desse mar e cujo foco é a atividade consciente, nosso "awareness" ou consciência.
Muitas representações em blocos da divisão entre inconsciente, subconsciente e consciente estão erradas ao separar esses conceitos em camadas, como se fossem ambientes contíguos. Na verdade, a consciência do Espírito é o grande oceano "inconsciente" do encarnado. Nesse oceanos encontram-se todas as lembranças, memórias e experiências já vividas de sua vida espiritual. Em algum canto dele, condicionado por seu estado encarnado, um minúsculo mar existe, de experiências acumuladas durante a vida presente a formar sua subconsciência. Nadando com certa dificuldade nesse mar, vai a mente encarnada, dispondo de uma lanterna a iluminar uma parcela ainda menor desse mar, que confere a ela - enquanto encarnado - sua vivência consciente, seu sentido de awareness, em  suma, uma consciência bastante limitada de sua existência no mundo (Fig. 1).

Por isso existe espaço para se dizer que, em certa medida, a mente encarnada não dispõe de livre arbítrio integral: ela está condicionada ao determinismo de sua vida maior, aos interesses multisseculares de seu Espírito imortal. Esse, por sua vez, é quem realmente toma as escolhas livres, conforme subordina seus desejos e interesses de evolução, ponderando suas próximas ações em consonância com seus grandes dramas existenciais. 

Outras observações

Não existem quaisquer divergências entre as concepções espíritas sobre consciência, mente ou estados mentais e as da moderna psicologia. O que se constata são significados diferentes, frutos de uma diferença de concepção do ser humano. A psicologia se interessa pelas manifestações da consciência encarnada, enquanto que o Espiritismo avança nas relações entre os Espíritos e o mundo material. Pela identificação de causas ocultas – o Espírito e suas múltiplas existências anteriores – é possível expandir nossa compreensão sobre eventuais ocorrências pregressas que têm impacto na vida encarnada. Estamos assim diante de possibilidades de avanços significativos para a psicologia.

É importante considerar que, de acordo com a literatura espírita, a condição de “awareness” do Espírito se assemelha à de seu estado encarnado (LE, Q# 238). Assim, a descrição via “consciente”, “subconsciente” e “inconsciente” talvez possa ser estendida para os desencarnados dentro de certa aproximação. Como desencarnado, o Espírito não mais se encontra sob influência da matéria e portanto, pode acessar conteúdo anterior ao de sua última existência. Para Espíritos a partir de certo estágio de desenvolvimento, a ideia de inconsciente desapareça totalmente (LE,Q # 242, #305 ) e suas lembranças tornam-se acessível integralmente, restando apenas o consciente e o subconsciente (ver Questão #306a, 307 de “O Livro dos Espíritos”).

Como Espíritos, nossas percepções são mais dilatadas (LE, Q# 237), portanto podemos também concluir que as manifestações de “awareness” do Espírito tenha uma dinâmica bastante diferente daquela de seu estado encarnado. Vislumbres desse novo consciente podem ser observados nos diversos fenômenos psíquicos considerados “anímicos”, como a “psicometria” (acesso a memórias associadas a objetos), “telestesia” (consciência de fatos distantes), “telepatia” (acesso a imagens e memórias de outros Espíritos), dentro outros, que exigem, para sua manifestação, que as percepções de vigília estejam alteradas ou, de outra forma, que a influência do organismo seja reduzida (LE, Q# 370). Compreende-se que assim deva ser, porque a matéria (lê-se cérebro) tem grande influência sobre as manifestações da alma. Como são eles produtos de uma mesma causa, estamos diante da explicação unificada para esses fenômenos.

Notas e referências.

(1) A. Kardec. "O Livro dos Espíritos" (LE). Uma versão online pode ser encontrada em www.ipeak.com.br

(2) R. J. Corsini & D. Wedding (2011). Current psychotherapies (9th ed.). Belmont, CA: Brooks/Cole

5 de julho de 2016

Como alguns animais podem encontrar o caminho de casa?

Permanece um mistério para a ciência como alguns animais conseguem encontrar seu caminho de volta para casa uma vez tendo se perdido. Um caso interessante foi o do cão Pero (1), da raça Sheepdog, que voltou para casa depois de perdido a 400 quilômetros de distância. Diversos outros casos semelhantes a esse acumulam-se com cães e gatos, e são narrados por famílias surpreendidas com a capacidade desses animais. Como eles conseguem? 

De acordo com o conhecimento científico presente, animais possuem diversos tipos de "sensores" (2) que podem ser usados na localização e na realização de viagens. Esses sensores não só representam sentidos muito superiores aos dos humanos (cães, por exemplo, tem olfato e audição muito superiores, gatos enxergam muito bem no escuro etc), mas também modalidades novas de sentidos, como, por exemplo, sensores magnéticos. Pássaros e abelhas possuem verdadeiras "bússolas" internas capazes de auxiliar o voo entre pontos distantes. Recentemente, uma molécula (chamada Criptocromo 1, Ref. 3), associada à recepção de "campos magnéticos", foi encontrada na retina de vários animais, cães inclusive. Será então que cães e outros mamíferos se guiam pelos campos magnéticos? Essas são apenas conjecturas, e, ainda que ficasse demonstrado que eles conseguem detectar a orientação da linha norte-sul, muito mais do que isso é necessário para guiar um animal em um trajeto complexo e distante de sua origem, como no caso de Pero. Para ver isso, basta se imaginar perdido em um local distante, sem poder se comunicar com quem quer que seja, tendo apenas uma bússola ou quiça um detector de odores...

Um ajuda do Espiritismo

Em um ensaio em "O Livro dos Espíritos", Cap. XXII "Da Mediunidade dos animais", Kardec apresenta uma dissertação atribuída ao Espírito Erasto, que também aparece na "Revue Spirite" de Agosto de 1861, sob o título "Os animais médiuns". O texto foi motivado por discussões na Sociedade Espírita de Paris, assim como diversas cartas que Kardec recebeu de pessoas que narravam feitos incríveis de seus animais. O leitor poderá reler a argumentação apresentada por Erasto, seguindo o link que colocamos abaixo (4). Essencialmente, na acepção pela qual ficou conhecida a palavra "médium", não se pode falar verdadeiramente em "mediunidade dos animais". A mediunidade é um fenômeno complexo que exige certa ressonância entre mentes que não pode estar distantes "evolutivamente" uma da outra. Assim, por uma questão de clareza no sentido do termo e seu significado dentro do Espiritismo, não podemos atribuir à mediunidade as narrativas desses fenômenos estranhos.

Mas, isso não significa que eles não possam detectar a presença e, quiça, até receber orientações dos Espíritos (4): 
Certamente os espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis para os animais, e muitas vezes o pavor súbito que os toma, e que vos parece sem motivo, é causado pela visão de um ou de muitos desses Espíritos, mal intencionados em relação aos indivíduos presentes ou aos seus donos. Muito freqüentemente se vêem cavalos que se recusam a avançar ou recuar, ou que se empinam diante de um obstáculo imaginário. Pois bem! Podeis estar certos de que o obstáculo imaginário é quase sempre um Espírito ou um grupo de Espíritos que se comprazem em detê-los. Lembrai-vos da mula de Balaão, que, vendo um anjo pela frente e temendo sua espada flamejando, não queria avançar. É que antes de se manifestar visivelmente a Balaão, o anjo quis torna-se visível apenas para o animal. Mas, quero repeti-lo: não mediunizamos diretamente nem os animais nem a matéria inerte. Precisamos sempre do concurso consciente ou inconsciente de um médium humano, porque necessitamos da união dos fluidos similares, que não encontramos nos animais nem na matéria bruta. (grifos meus)
O episódio da mula de Balaão, como narrado
em Números 22:23 e citado por Erasto em (4).
Segundo essa passagem, é possível aos animais perceberem a presença de Espíritos, o que se dá por intermédio de médiuns, que são sempre humanos. Esses, por sua vez, não precisam sequer ter consciência de que agem como intermediários (ou seja, o fenômeno não é provocado, mas espontâneo). Nesses episódios, os Espíritos podem permanecer invisíveis aos humanos, porém, serem percebidos pelos animais, aproveitando-se da superioridade de seus sentidos aprimorados.

É importante considerar que a ideia de que animais podem, em certas circunstâncias, ver e ouvir Espíritos é algo que pode ser validado experimentalmente. Para isso, podemos imaginar a seguinte situação: o dono de um cão falece. Sabe-se que, em sua presença, o cão exibe determinado comportamento. Da constatação de repetição completa ou parcial do comportamento do cão, sob a presença do Espírito do dono conforme indicado pelo médium, valida-se a tese, e esse é apenas um dos experimentos possíveis. 

Não é difícil imaginar assim que Espíritos possam estar envolvidos nos episódios de retorno de cães e gatos a seus donos. Esse é pelo menos um mecanismo plausível, já que a ajuda dos sentidos, mesmo que bastante desenvolvidos, não parece ser suficiente para explicar completante todos os casos de animais que conseguem encontrar o retorno de seus lares por centenas de quilômetros. Para tanto, eles devem contar com alguns "amigos" a mais entre os invisíveis. 

Notas e referências

1 - Ver (acesso em maio de 2016)
2 - http://www.sciencealert.com/how-dogs-find-their-way-home-without-a-gps

3 - Ver http://www.nature.com/articles/srep21848

4 - Kardec. A. "O livro dos Médiuns". Trad. Herculano Pires. Extraído da versão online: