11 de julho de 2017

A colaboração Schubert-Rosemary Brown

Sentada calmamente ao piano, uma senhora em um subúrbio de Londres rabisca uma partitura. Nada incomum não fosse o fato de que ela pouco sabe de música. A prova disso são suas sofridas apresentações - feitas a um círculo muito limitado de pessoas -  que demonstra o caráter precário de seu conhecimento no assunto. Mesmo assim, ela escreve, e o que registra no papel nem mesmo ela é capaz de tocar. Dotada de uma faculdade inigualável, ela ouve o inaudível, nota a nota, do que lhe chega de outras dimensões da vida maior. Dentre os vários compositores que colaboraram com a Sra. Brown, um deles se destaca: é Franz Schubert, conhecido compositor Vienense, falecido há quase duzentos anos e que também trouxe sua contribuição.

O que ele quer? Seguindo rigidamente um processo de comunicação adaptado por Franz Liszt, o Espírito Protetor de Rosemary Brown, F. Schubert busca reunir em uma única peça a prova definitiva de que ele continua vivo, embora inacessível aos que estão na Terra. É preciso ser breve e compacto para não cansar demais a médium, que não dispõem de maiores conhecimentos para entender o que "ouve", muito menos para tocar o resultado. Um canal se estabelece entre o invisível e a matéria densa, e nasce assim a Sonata em Fá Menor como a única sonata de Schubert a ser produzida por essa pequena colaboração entre dois mundos.

Críticos arrogantes e convencidos de um embuste desqualificam as peças musicais produzidas por Rosemary Brown. Flertam com teorias de fraude, de esquizofrenia, do inconsciente supercriativo ou "absorção de estilo". Classificam a Sra. Brown como autista. Outros dizem que ela fez parte de uma conspiração maçom e espiritualista, enfim, produzem explicações baratas. Mesmo entre aqueles críticos que se especializaram em comparar o que chamam "teorias da sobrevivência" com outras hipóteses para explicar o fenômeno da Sra. Brown, sua música é muito simples para constituir prova da imortalidade. Um observador meticuloso perceberá que, exceto pela negação sistemática da sobrevivência, essas explicações pouca coisa têm em comum uma com a outra porque nascem de desejos de negação que são tão variados e criativos quanto as personalidades que os criam.

Meio século transcorre e um jovem pianista resolve aplicar as teorias da musicologia para avaliar a Sonata em Fá Maior. Ninguém antes resolveu tratar o problema de um ponto de vista verdadeiramente científico e aplicar as técnicas de teoria e análise musical. Seu nome é Erico Bomfim e o resultado pode ser lido no artigo "O enigma da música mediúnica: investigando uma forma-sonata atribuída ao Espírito de Schubert pela médium Rosemary Brown". Esse trabalho foi apresentado no II Congresso da Associação Brasileira de Teoria e Análise Musical em 2017 e pode ser lido na referência (1).

E quais foram os resultados? Logo no início de sua análise, o autor de (1) declara:
Surpreendentemente, o movimento inicial da sonata atribuída ao espírito de Schubert por Rosemary Brown reúne rigorosamente todas as características mais fundamentais da forma-sonata schubertiana comentadas acima. (1, p. 55)
E concluiu:
Não obstante apresentar diversas características atípicas que merecem mais ampla discussão, fato é que o primeiro movimento atribuído ao espírito de Schubert pela médium Rosemary Brown apresenta de fato todas as características mais básicas da forma-sonata schubertiana. Essa riqueza de correlações estruturais é ainda mais notável do que pode parecer a uma primeira vista. Afinal, se tomadas isoladamente, são raras as peças da lavra do próprio Schubert que sintetizem tantas características particulares da forma-sonata do compositor. (1, p. 59, grifos meus)
É como se o compositor desencarnado quisesse compactar aspectos de sua obra em uma única peça, provavelmente por conta das muitas restrições do processo de comunicação do instrumento de comunicação à disposição. As provas da colaboração de Schubert na peça produzida por Rosemary Brown são tão flagrantes - e, porque não dizer, vergonhosas para o ceticismo - que Bomfim foi capaz de identificar proximidades com trabalhos específicos do compositor desencarnado:
Para além de dialogar com a característica mais fundamental das transições schubertianas, a transição produzida por Brown encontra precedente consideravelmente próximo na obra de Schubert: a Sinfonia “Inacabada” em Si menor, D. 759. (1, p. 57) 
Enquanto o referido caso do trio D. 929 de Schubert não apresenta esse bloco intermediário e conector observado no movimento escrito por Brown, permanece, no mínimo, um evidente diálogo com o desenvolvimento schubertiano, cuja mais notável característica é a estruturação em grandes blocos transpostos, elemento que incontestavelmente se verifica na sonata da médium. Além do mais, seja em D. 929, seja no desenvolvimento escrito por Brown, os grandes blocos transpostos se relacionam por quinta. (1, p. 58) 
O caso da recapitulação de Brown se assemelha mais estreitamente ao primeiro movimento da Sinfonia “Trágica” em Dó menor, D. 417. (1, p. 59)
E Bomfim conclui:
Esses dados sugerem veementemente, todavia, que a sonata da médium possa ter sido feita para demonstrar o máximo possível de correlação com o estilo de Schubert; quer dizer, para dar o máximo possível de informação estilística e demonstrar, assim, o máximo possível de conhecimento de estilo. Tais dados mostram notável consistência com o propósito declarado da música mediúnica de dar evidências da sobrevivência da alma ao demonstrar conhecimentos profundos de estilo, conhecimentos que a própria médium dificilmente poderia ter. (1, p. 59)
É claro que céticos contra argumentarão, sem qualquer prova, que a Sra. Brown ouviu essas peças e as reproduziu simplesmente. Infelizmente, ninguém conseguiu imitar, nem explicar de maneira racional como isso é possível, dada a precariedade da capacidade da Sra. Brown em reproduzir o que ela "compunha" e diante das 400 outras peças de dezenas de outros compositores que ainda aguardam análise semelhante.

Comentários finais

Não temos qualquer dúvida quanto à excelência mediúnica da Sra. Brown.

O que é estarrecedor nesse caso é que, mesmo os que se consideram especialistas (na sua maioria críticos musicais), não ocorreu que seria esse o caso de se aplicar rigorosamente uma metodologia apropriada para seu estudo. Cremos mesmo que a própria noção da musicologia como método de investigação da mediunidade musical ainda aguarda sua época de aplicação sistemática. Isso deve ser feito por aqueles que estão sinceramente comprometidos com a verdade sobre esses fatos e entendem que isso pode ser feito para se produzir resultados científicos.

E o que não dizer dos que, sem nenhum conhecimento em música, se apresentam como especialistas em fenômenos psi (2), se arriscam a dizer que a obra é um pastiche? Será mesmo que, no oceano musical produzido por Rosemary Brown não se podem achar verdadeiras pérolas que elucidaram em definitivo seu enigma? Semelhante análise é lenta e deve ser feita com toda a minúcia possível para produzir resultados tangíveis como os da ref. (1). Diante dessas dificuldades, é muito mais simples e rápido desqualificar o fenômeno.

Para mais contribuições de E. Bomfim em mediunidade musical ver:
Referência

(1) Bomfim, E. (2017). "O enigma da música mediúnica: investigando uma forma-sonata atribuída ao Espírito de Schubert pela médium Rosemary Brown". II Congresso da Associação Brasileira de Teoria e Análise Musical. Florianópolis, UDESC. Esse artigo pode ser acessado em PDF na referência:
(2) Um caso patológico é o de Stephen Braude identificado por Bomfim (2017) na Ref. Braude (2014). Amigo dos fenômenos "psi", Braude se coloca como um investigador reconhecido da fenomenologia mediúnica, embora lamentavelmente desqualifique a ideia de sobrevivência em várias de suas obras.



1 de junho de 2017

Crenças céticas XXVII: A Navalha de Ockham (e comentários sobre super-psi)

Não é comum, nos embates entre crentes e céticos, que conceitos ou princípios epistemológicos sejam aplicados indiscriminadamente, muitas vezes em apoio de argumentações mal feitas ou inválidas. Um desses princípios - de que se tem abusado bastante - é a famosa "Navalha de Occam" (ou Ockham, em inglês, Occam's razor). A apresentação feita na Wikipedia (1) é suficiente para introduzir o "princípio da parsimônia", como também chamada essa regra, que pode ser usada erroneamente  em defesas pouco válidas de opinião. Há várias maneiras de se enunciar esse princípio:
Se em tudo o mais forem idênticas as várias explicações de um fenômeno, a mais simples é a melhor (1).
Entidades não devem ser multiplicadas sem necessidade (2).
Não se deve admitir mais causas para as coisas naturais do que aquelas que são tanto verdadeiras como suficientes para explicar as aparências. Portanto, aos mesmos efeitos naturais devemos, tanto quanto possível, associar as mesmas causas. (I. Newton, 3)
Colocado dessa forma, as chances de sucesso maior desse princípio pode acontecer com fatos para os quais nenhum paradigma bem estabelecido exista e estamos diante de decisão quanto a melhor explicação inicial. Se um tal paradigma existir, a aplicação da navalha é muito limitada; ela jamais poderá ser invocada para desqualificar o paradigma, que adquire status de verdade até que seja sobrepujado por teoria mais completa.

O princípio pode ser usado diante de embates entre teorias rivais que resultam nas mesmas "evidências experimentais", sem nenhuma garantia que leve à teoria "correta". De fato, há casos que mostram que isso não acontece. Podemos dizer que esse princípio tem alguma chance orientadora, desde que as causas subjacentes sejam realmente simples, o que dificilmente ocorre nos fenômenos naturais ou desconhecidos do homem.

Uma das grandes críticas à aplicação da navalha é o conceito de "simplicidade". Aquilo que nos parece "simples" depende de nossa visão do mundo, daquilo que acreditamos, de onde estamos etc. Portanto, sua aplicação está condicionada a certo preconceito por parte do experimentador. Com certeza, nas ocorrências ordinárias, do dia-a-dia, a navalha não falhará porque as causas subjacentes para os fenômenos são simples, banais ou amplamente conhecidas. Assim, se chego em minha casa e encontro a porta arrombada, com móveis revirados etc, dificilmente concluo que isso foi obra do acaso, de uma "tempestade" e não que, de fato, minha residência tenha sido furtada, que um ou mais indivíduos entraram nela etc.

Mas, o mundo da ocorrências banais dos homens não guarda semelhança com a dos fenômenos da natureza. A Fig. 1 contém um exemplo exagerado de má aplicação do princípio de Ockham. É uma comparação da tabela periódica moderna com a teoria dos quatro elementos, que estaria certa, segundo Occam, por ser a explicação mais simples. O erro aqui está em contrapor visões completamente diferentes da natureza, demonstrando que a noção de simplicidade depende dessa visão ou das circunstâncias que cercam o fenômeno:
Ao ouvir o trotar de cascos, pense em cavalos e não em zebras, a menos que esteja na África, quando então, certamente, trata-se de zebras. 
Fig. 1 Exemplo de aplicação incorreta da navalha de Occam: contrapor a tabela periódica como uma explicação para a origem das propriedades da matéria e a teoria antiga dos quatro elementos. O mais simples nem sempre é o "verdadeiro", mas, também, a noção de simplicidade depende da época e da visão de mundo que se tem.
Ernst Mach formulou uma versão diferente da navalha de Occam pelo seu "princípio de economia":
Cientistas devem usar os meios mais simples para se chegar aos resultados e excluir tudo que não seja percebido pelos sentidos. (2)
A exclusão daquilo que não é "percebido pelos sentidos" é um desastre nas ciências naturais, já que a maior parte das causas dos fenômenos é inacessível aos sentidos humanos comuns. Notamos, porém, que a navalha de Occam nada diz sobre a questão da "percepção pelos sentidos", de forma que essa reformulação de Mach nada tem a ver com o princípio original.

Da aplicação da navalha de Occam aos fenômenos espíritas: a hipótese de super-psi.

A navalha de Occam tem sido uma rota de desqualificação, por parte de céticos da fenomenologia chamada "paranormal" ou dos fenômenos espíritas. Aplicada de forma exagerada, torna-se uma ferramenta de negação sistemática dos fenômenos, que se reduzem a "alucinações", falhas de interpretações ou percepção, exageros psicológicos etc, tudo em nome da simplicidade do mundo.

Como pretensão teórica, busca-se refutar as "entidades desnecessárias", cumprindo aparentemente a regra de Ockham de simplicidade. Trata-se de flagrante desvio do princípio porque reduz uma ocorrência extraordinária a um fenômeno banal. Mas, "afirmações extraordinárias não exigem evidências extraordinárias ?" (4). À parte da questionabilidade desse aforismo - que é uma maneira diferente de se afirmar a navalha de Occam - o núcleo de negação está na própria refutação das evidências que já passaram do ponto e se tornam irrefutáveis. Aqui, o papel da navalha é dar um ar de "sofisticação" a uma reafirmação de uma crença que, em suma, trata esses fenômenos como produtos de uma gigantesca fraude consciente ou não. Não há dúvidas da aplicação incorreta desse princípio aqui, de forma que não há razão para se preocupar com ela.

Mas, há uma famosa controvérsia, entre "Super-Psi" versus "sobrevivência" que forneça um exemplo talvez de aplicação da navalha.  Algumas referências sobre esse embate são (5, 6, 7, 8). Em termos mais simples, trata-se de comparar a explicação espírita (sobrevivência após a morte, existência dos desencarnados como fonte de informação mediúnica etc) com algumas teses que refutam a sobrevivência pela admissão de faculdades quase oniscientes à mente humana (a chamada "tese super-psi"). "Super-psi" é uma causa teoricamente admitida como disseminada em alguns humanos, e que seria responsável por todos os fenômenos chamados "paranormais", sem a necessidade de postular a sobrevivência. De fato, "super-psi" é a única alternativa para os que aceitam a realidade dos fenômenos extraordinários do Espiritismo, sem, entretanto, aceitar sua real causa, o espírito.

Fig. 2 Respostas: "Simples, mas erradas; complexas, mas corretas".

Para os leitores que ainda não se inteiraram completamente do debate, oferecemos um resumo. As referências (6) e (8) são favoráveis a "hipótese super-psi" (HSP) e contrárias à "hipótese da sobrevivência" (HSV), como a chamam. Avançando na apresentação desse refinado ceticismo, adiantamos alguns pontos (ver 6) sobre HSP:
  1. As evidências fornecidas pelos chamados "fenômenos anômalos" são aceitas tais quais são ou, ao menos, acredita-se que uma base de fenômenos verídicos pode ser levantada em torno da qual se dá a disputa pela melhor explicação. O contenda de HSP X HSV não se dá mais em um ambiente cético em relação aos fenômenos, mas em relação a explicação representada por HSV;
  2. Muitos desqualificam a ideia da sobrevivência por considerá-la ininteligível e, portanto, estar além de uma solução científica; 
  3. Como não existe um mecanismo detalhado que explique como se dá a manifestação mediúnica, assume-se que não existiriam limites para a manifestação de "super-psi". Dessa forma, essa faculdade pode produzir qualquer tipo de fenômeno, em qualquer momento, lugar ou intensidade. Essa é a hipótese  mais importante e mais forte feita pelos proponentes de HSP;
  4. A operação de HSP não exige esforço por parte de seu agente, ela sequer exige intenção: é a hipótese da varinha mágica de Braude (6). Essa assunção é importante porque os fenômenos psíquicos são reconhecidamente incontroláveis;
  5. Como consequência disso, não existem "indicadores fenomenológicos" que permitiriam distinguir HSP de outra causa meramente fortuita, isto é, que HSP pode ocorrer de forma generalizada, sem que saibamos disso. É necessário admitir isso, pois, se não fosse assim, seria possível ostensivamente separá-la de ocorrências com causas comuns;
  6. HSV deve ser vista com reservas, porque ela implicitamente requer uma identificação forte entre a personalidade que viveu e aquela que se comunica. Seria importante "provar"  isso antes de se desprezar uma forma mais fraca de sobrevivência, como aquela que diz que a personalidade sobrevive "dissipando-se em um grande todo" ou existindo em uma realidade completamente separada da existência ordinária: é como acreditam alguns cristão com a ideia de céu e inferno. Portanto, não é contra qualquer ideia de sobrevivência que se colocam os adeptos da HSP, mas contra aquela que implica em um fenomenologia especial como produto da sobrevivência e da manifestação da personalidade desencarnada (em suma, é contra o Espiritualismo e o Espiritismo que HSP é proposta);
  7. A operação da faculdade de super-psi é admitida tanto quando o fenômeno manifesta informação que pode ser transmitida entre pessoas (chamado "informação sobre o quê") como com manifestação de habilidades, tendências, gostos típicas do personalidade desencarnada -  a chamada "informação sobre como". Aqui, Braude (6) tece várias considerações sobre isso e busca rejeitar o princípio de que "aquilo que não pode ser comunicado de forma normal, não pode comunicado de forma paranormal". Sua principal explicação para não limitar HSP em "comunicar habilidades" usa o próprio fenômeno paranormal e diz que nossas capacidades (e obstáculos) normais de aprendizado são "suspensas" no estado alterado, como, por exemplo, durante uma hipnose (ver p. 139 em 6). Assim, de novo, HSP seria capaz de fazer qualquer coisa;
  8. Com base em algumas falsas "identificações" de desencarnados em sessões conduzidas por pesquisadores, Braude se pergunta como HSV pode ajudar a entender como o comportamento exibido por algumas personalidades durante o transe se mostra tão diverso daquela historicamente conhecida. Para os proponentes de HSP, isso levanta dúvidas quanto à validade da sobrevivência, já que uma identificação completa não é possível em alguns casos. Dessa forma, HSP não estaria descartada como explicação;
Como podemos resolver a questão? No entendimento dos proponentes de HSP, a sobrevivência é admitida de uma forma muito específica. O que sobrevive necessariamente deve se manifestar como essa ou aquela personalidade pregressa, considerando os registros históricos disponíveis tais quais são. Assim, Braude em (6) rejeita alguns fenômenos notórios de manifestação de desencarnado com base na falta de evidências históricas. Ora, a maioria das ocorrências e personalidades históricas jamais deixaram quaisquer evidências (considere as personalidades históricas de Jesus, Buda, Moisés  etc), o que não é prova da inexistência dessas mesmas personalidades.

A incontrolabilidade e independência dos fenômenos psíquicos se deve à inteligência da fonte. Isso segue de forma natural de HSV, mas é uma hipótese a ser admitida forçosamente e sem justificativas no  cerne de HSP como diz a assunção 4 para se adequar a incontrolabilidade dos fenômenos.

A suspensão dos bloqueios normais de aprendizado das "habilidades como", que é feita na assunção 7 acima, certamente colide com a hipótese de que HSP não precisaria de condições "especiais" (transe etc) para se manifestar. Não há explicação sobre isso.

Ademais, uma leitura  atenda das explicações fornecidas em apoio a HSP mostra que seus proponentes misturam fenômenos que têm origem diferente: uma coisa é a manifestação mediúnica e outra as lembranças de vidas passadas. Em (6) as duas são supostamente explicáveis via HSP, porém, as circunstâncias com que se manifestam (memória de vida passada em crianças X xenoglossia com transe etc) sugerem fortemente que se tratam de fatos com causas diferentes. Isso acontece porque supõem-se que HSP não tem limites de ação, logo, ela pode dar origem a qualquer comportamento "paranormal".

Com relação a problemas de identificação, toda a dificuldade está relacionada com a ideia que se faz sobre como os desencarnados se manifestam: supõe-se sempre que - obrigatoriamente - devam se comportar exatamente como eram antes de sua morte. Como Kardec argumentou, não existem garantias que determinado nome que assine uma mensagem seja exatamente daquela personalidade a qual ele se refira. Aqui, certamente, os detalhes e mecanismos específicos que regem o fenômeno mediúnico têm papel fundamental e a explicação correta está nas mãos daqueles que fizerem melhor ideia sobre esses mecanismos.

Seria possível invocar a navalha de Occam e resolver a questão? Certamente, nesse nível superficial de abordagem, HSP seria a explicação "mais simples", pelo menos no número de causas (ela só postula a existência de "super-psi"), mas à custa de quê? De se imaginar a mente humana produzindo fenômenos aleatoriamente, em substituição a causas naturais, como uma faculdade praticamente onisciente? De se desprezar as circunstâncias e peculiaridades das manifestações, já que não conhecemos os detalhes do fenômeno e, portanto, tudo vale? Não é cômodo admitir HSP como fenomenologicamente indistinguível de uma causa natural para um fenômeno físico banal como diz a assunção 3?  Será mesmo que não existem os tais "indicadores fenomenológicos" de que fale a hipótese 5? Seria mesmo concebível que habilidades e capacidades possam ser "comunicadas" como admite 7? Diante de todas essas hipóteses "ad hoc", é impossível querer aplicar a navalha.

Somos da opinião que é preciso sondar com muito cuidado os fatos e os dados antes de se aceitar teorias baratas como HSP. No nível de esforço presentemente gasto na investigação dos fatos psíquicos, HSP se apresenta como uma alternativa que "salva as aparências" para aqueles que rejeitam a sobrevivência completamente, mas tem o mérito de aceitar os fenômenos. Ela existe graças a essa falta de esforço e por causa da raridade de alguns fatos psíquicos que não receberam a devida atenção ou adequado tratamento, mas que podem hoje ser "explicados" com base nas escarças descrições remanescentes. Nas palavras de A. Conan Doyle:
É um erro capital teorizar antes de se ter dados. Inconscientemente, começamos a torcer os fatos para se acomodar a teorias e não as teorias aos fatos.
Referências

(1) https://pt.wikipedia.org/wiki/Navalha_de_Occam
(2) https://en.wikipedia.org/wiki/Occam%27s_razor
(3) Newton, Isaac (2011) [1726]. "Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica" (3a edição). Londres: Henry Pemberton. ISBN 978-1-60386-435-0.
(4) Sobre isso ver nosso post: Crenças Céticas XIV.
(5) H. Hart. "Survival versus Super psi". http://www.survivalafterdeath.info/articles/hart/superpsi.htm
(6) S. Braude (1992). Survival or Super-psi? Journal of Scientific Exploration, 6(2), pp. 127-144. http://www.sgha.net/library/jse_06_2_braude.pdf
(7) J. Beischel e A. J. Rock. Addressing the survival versus psi debate through process-focused mediumship research. http://windbridge.org/papers/JP73BeischelRock2009.pdf
(8) M. Sudduth (2009). Super-Psi and the survivalist interpretation of mediumship. Journal of Scientific Exploration, 23(2), pp. 167-193. http://michaelsudduth.com/wp-content/uploads/2016/01/SurvivalMediumship.pdf