Mostrando postagens com marcador parnaso de além túmulo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador parnaso de além túmulo. Mostrar todas as postagens

29 de novembro de 2012

Vácuo quântico na obra mediúnica de Chico Xavier?


O título deste post remete a outro que foi  recentemente publicado no Portal Saber por Dauro Mendes (Ref. 1). Nele uma aparente relação entre o poema 'Homem-célula' (Ref. 2) do Espírito de Augusto dos Anjos (1884-1914), originalmente publicado em 'Parnaso de Além Túmulo' (psicografia de Chico Xavier, 1936) e a existência do 'vácuo quântico' é comentada. Mendes, no final do post, faz o seguinte questionamento:
Estaria o espírito de Augusto dos Anjos falando do Vácuo Quântico como elemento criador, como elemento criador de realidades físicas, como fonte de criação Divina, como expressão criativa, DE CRIAÇÃO, das LEIS DIVINAS? (Ref. 1, grifos do autor)
O autor propõe então uma análise do termo 'estática do Nada' que aparece em 'Homem-célula'. No que segue analisaremos essa "interpretação física" do poema.

Veremos que, em que pese a similitude vaga de termos que levaria à sequência de raciocínio nesse post do Portal Saber, a proposta exagera no relaxamento da semântica das palavras e despreza o verdadeiro papel da poesia.

Uma observação inicial

Antes de entrar na análise do ponto de vista da física, o Dr. Alexandre Caroli informa que:
"Estática do Nada" já existe no Augusto dos Anjos não espírita. O poema "Homem-célula", sobre a evolução do elemento espiritual, dialoga com o soneto "O lamento das coisas", da obra oficial do Augusto dos Anjos. (Ref. 4)
Grifamos o termo nas duas poesias para facilitar a identificação (ver Refs. 2 e 3). Portanto, o soneto citado por Dauro Mendes é um exemplo excelente de identificação cruzada de temas entre a obra psicografada e  do autor 'vivo'. Então, será que Augusto dos Anjos de antes de 1914 já sabia sobre o vácuo quântico?

Ou não seria isso resultado de uma análise no mínimo exaltada do Portal Saber?

Poesia interpretada como ciência?

A proposta de interpretação do termo 'estática do Nada' por D. Mendes é apresentada abaixo:
Estática nos remete a CAMPO ELETROSTÁTICO ao qual está associada a ENERGIA. Então, ESTÁTICA DO NADA significa A ENERGIA  DO “NADA” ( e vejam que o espírito colocou o N da palavra Nada com letra maiúscula nos chamando a atenção, dentre outras possíveis interpretações, para o fato de que este NADA É UMA FONTE DE CRIAÇÃO, não é um nada, é um PLENUUM), que tem tudo a ver com o VÁCUO QUÂNTICO. Essa ESTÁTICA DO NADA é um ARSENAL DE FORÇAS VIVAS criadoras. (1, grifos do autor)
Notamos que o autor encarnado também usa letra maiúscula com a palavra 'Nada' (Ref. 3). Isso é outro ponto de equivalência com a versão mediúnica.

Deixando de lado a questões de 'licenças poéticas' ou distorção no significado original das palavras que existem fortes e abundantes na obra de qualquer poeta (isto é, assumindo que temos autorização para fazer isso, ver 5), do ponto de vista da física acrescentamos  que o 'vácuo quântico' não é um campo eletrostático como afirmado por Mendes. O tal vácuo, que é descrito modernamente como um estado fundamental do campo eletromagnético, nada tem de 'estático'.

Assim, por várias razões, é um absurdo tomar o termo 'estática do Nada' como algo que possa ser relacionado - ainda que remotamente - ao conceito de 'campo eletrostático' e esse com o vácuo. 

A análise feita também confere a esse vácuo o status de Divindade ao propor que ele 'é um arsenal de foras vivas criadoras' ou como descrito no post:
O Vácuo Quântico, como temos mostrado, é a fonte geradora, criadora, e sustentadora, do nosso Universo e de tudo que existe nele... (Ref. 1)
A exaltação é assim evidente.

O conceito de 'nada' e a questão #36 de 'O Livro dos Espíritos'

A resposta à questão #36 de 'O Livro dos Espíritos' (sobre a inexistência do vácuo) está em pleno acordo com o conhecimento da época (o que possibilitou que a resposta fosse dada). Para entender isso, basta considerar a análise que segue abaixo.

É verdade que a física clássica poderia levar a algumas interpretação do vácuo como 'ausência de qualquer coisa'. Isso acontece porque, nessa física, a maior parte das iterações entre constituintes da matéria (átomos ou partículas) eram concebidas como 'forças de contato' e havia a crença de que seria possível esvaziar o espaço totalmente desses elementos, a ponto que ele apenas teria como propriedade o próprio espaço. Sustentar de forma definitiva que a física clássica se opunha a uma visão moderno de 'vácuo preenchido por algo que escapa aos sentidos' é, entretanto, um equívoco.

Lembramos que na própria física clássica já existiam elementos para o preenchimento do vácuo com algo invisível. Afinal, apenas uma 'força invisível' (Lei da Gravitação) poderia fazer os planetas gravitarem em torno do Sol. Essa 'força invisível' preencheria o espaço vazio com algo, de forma que, rigorosamente falando, não se poderia defender de forma consistente a noção de vácuo como o 'nada'. Depois, com o descobrimento da força elétrica e magnética (Lei de Coulomb etc), outro conceito (o do campo eletromagnético) preenchendo o vazio foi  acrescentado. 

Assim, é preciso fazer justiça aos físicos clássicos que acreditavam na existência do éter como elemento que preencheria o espaço vazio. Essa substância seria responsável pela transmissão das forças 'à distância' (tais como as forças gravitacionais e elétricas). Portanto, a ideia de vácuo como uma 'substância' que não correspondente à ideia de 'vazio' já existia plenamente na física clássica que antecedeu a revolução  quântica. 

Conclusões 

Algumas pessoas dentro do movimento espírita têm extrapolado interpretações da física quântica ou microfísica como validação ou sanção ao conhecimento espírita. Conceitos avançados como campos, energias e partículas invisíveis naturalmente são tomados a conta de comprovações para outros conceitos como perispírito, fluidos etc. Já discorremos bastante sobre isso em outros posts (Ref. 6).

Essa empolgação tem sua razão de ser, afinal seria ótimo que a Ciência da matéria já 'comprovasse' tais princípios, embora isso de nada ajudasse a melhor a compreensão pelos espíritas dos princípios que dizem defender.

Mas, esta visão - a de que os Espíritos teriam previamente revelado conceitos avançados que agora cientistas estão a descobrir - esbarra em uma noção mais profunda do caráter da revelação espírita.

Toda a razão ou objetivo último do conhecimento espírita genuíno é o progresso moral da Humanidade. Apenas aquilo que importa para esse progresso é cuidadosamente esclarecido, mesmo assim em caráter de interpretação provisória. Seria tudo muito fácil se apenas tivéssemos que aguardar revelações de Além Túmulo com relação à descobertas que ainda devem ser feitas e que devem resultar, necessariamente, de esforço próprio dos homens:
"Em virtude desse princípio é que os Espíritos não acorrem a poupar o homem ao trabalho das pesquisas, trazendo-lhe, já feitas e prontas a ser utilizadas, descobertas e invenções, de modo a não ter ele mais do que tomar o que lhe ponham nas mãos, sem o incômodo, sequer, de abaixar-se para apanhar, nem mesmo o de pensar. Se assim fosse, o mais preguiçoso poderia enriquecer-se e o mais ignorante tornar-se sábio à custa de nada e ambos se atribuírem o mérito do que não fizeram." (A. Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo XXV , parágrafo 4)
Portanto, é preciso cuidado e discernimento para não 'sobre interpretar' ou distorcer afirmações mediúnicas de qualidade (como as de Chico Xavier) que tenham sido dadas em contextos totalmente desconectados dos objetivos dessas interpretações. 

Notas e Referências

1 - Vácuo Quântico na obra mediúnica espírita (por Dauro Mendes). Acesso em 29 de Novembro de 2012;

2 - Poema 'Homem-célula' na íntegra:

Homem! célula ainda escravizada
Nos turbilhões das lutas cognitivas,
Egressa do arsenal de forças vivas
Que chamamos – estática do Nada.

Sob transformações consecutivas,
Vem dessa Origem indeterminada,
Onde se oculta a luz indecifrada
Dos princípios das luzes coletivas.

Vem através do Todo de elementos,
Em sucessivos aperfeiçoamentos,
Objetivando a personalidade,

Até achar a perfeição profunda
E indivisível, pura, e se confunda,
No transcendentalismo da Unidade.

3 - Poema 'O Lamento das Coisas' postumamente publicado em 'Outras Poesias' (enviado por A. Caroli):

Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada
- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que se não realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...

E é em suma, o subconsciente aí formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

4 - Correspondência particular.

5 -  Poesia é uma arte e não guarda relação alguma com a Física.

6 - Ver por exemplo: Física Quântica e os espiritualistas no século 21 (análise preliminar)